Topo

'Após desafiar preconceitos, me tornei a 1ª youtuber canábica do Brasil'

Nah Brisa - Arquivo pessoal
Nah Brisa Imagem: Arquivo pessoal

Matias Maxx

Colaboração para Universa

20/09/2021 04h00

Acompanhando uma tendência internacional, o mercado brasileiro começa se abrir para a maconha que, apesar de ainda ter o uso recreativo proibido, movimenta uma cena sólida, da qual Natália Noffke faz parte. Ela enfrentou vários tabus para conquistar espaço como criadora de conteúdo canábico, desde os problemas de abordar um assunto controverso para a sociedade em geral, passando pela dificuldade de manter perfis nas plataformas digitais, que muitas vezes são derrubados ou não monetizam, até o fato de o meio canábico ser predominantemente masculino.

Nah Brisa venceu tudo isso e, dez anos depois de viralizar com um vídeo ensinando a bolar um baseado e se tornar a primeira youtuber canábica do Brasil, ela furou a bolha ao receber um prêmio no YouPix Summit 2021 —um mega evento que discute influência, cultura e negócios na internet. Ao lembrar do início, quando teve até que deixar a cidade natal, Nah afirma hoje que graças à maconha tem trabalho, fez amigos e conheceu seu namorado. Leia a história dela a seguir.

"Tenho 29 anos e sou criadora de conteúdo canábico há dez. Na semana passada, ganhei o terceiro lugar no Creator's Pitch do YouPix Summit —foram seis finalistas escolhidos entre 200 pessoas. Em frente a um júri com representantes do Bradesco e do Magalu, defendi que a proibição da maconha é um problema que atinge todo cidadão que sonha viver num país mais justo, seguro e sustentável. Falar de maconha é falar de futuro, e isso não sou eu quem estou falando, são os maiores cientistas, ambientalistas, ativistas e economistas do mundo, todos de olho na corrida pelo chamado ouro verde. Provoquei a galera com perguntas: 'Vocês vão querer estar de que lado? Dos visionários que não tiveram medo de ousar ou da galera que por ignorância ou falta de visão ficou pra trás?'

Minha comunidade, os autointitulados nahbrisers, compareceram em peso e agitaram o chat. A apresentadora disse que ficou emocionada com o engajamento da minha comunidade, nunca tinha visto tanta gente torcendo.

Na minha apresentação, fiz questão de colocar o dedo na ferida e levar todos os princípios do nosso ativismo: a reparação social, por exemplo, pensar numa legalização que inclua as pessoas que sofreram com uma proibição que, sabemos, só existiu por conta do racismo.

Nas lives e entrevistas que participo, sempre falo muito. Era mais tímida quando criança, mas sempre fui aparecida, gostava de dançar, fui rainha do Carnaval da minha cidade, ganhei três vezes concurso de oratória. Eu cresci em Cascavel, interior do Paraná, uma cidade de agroboys e coronéis, onde tem aquele culto ao álcool. Fui criada pelos meus avós e, quando voltei a morar com a minha mãe, fui uma adolescente bem problemática e bem alcoólatra, eu diria. Hoje, entendo que ela também estava lidando com as questões dela.

Ao mesmo tempo, a maconha era uma coisa muito normal pra mim, minha tia e minha irmã fumavam, e eu ficava me perguntando: 'Como assim? Elas estão fumando aquilo que as pessoas dizem que, se usar, vão matar ou ficar loucas'. Não fazia sentido pra mim. Sou uma mistura das minhas duas tias, uma que é artista e me apresentou meu primeiro baseado, e a outra que é professora e me iniciou nos movimentos políticos. Só comecei a fumar mesmo com 19 anos.

Em 2010, conheci o portal Hempadão, que deu meu pontapé inicial no mundo canábico, comecei a estudar e fiquei embasbacada. Em julho de 2011, publiquei meu primeiro vídeo, ensinando a bolar um baseado. Foi um negócio bem espontâneo, nunca pensei em ser criadora de conteúdo ou influenciadora, naquela época isso era bem raro, ainda mais falando de maconha. No vídeo, durante três minutos, questiono porque posso fumar cigarro e beber cachaça, mas não fumar maconha, e no final eu solto um arroto de fumaça. O vídeo viralizou e foi o primeiro vídeo canábico do Brasil a bater um milhão de views.

A tia com quem eu fumei meu primeiro baseado ficou muito brava comigo, me pediu para não usar o nome da família. Hoje ela é a pessoa mais orgulhosa do meu trabalho. Meus amigos que eram doidões de cachaça se afastaram de mim, porque achavam que era queimação de filme, passei a ficar mais tempo na internet.

Em 2012, fui para Curitiba participar da Marcha da Maconha e acabei ficando, organizei a Marcha por dois anos, na minha cidade não daria, teria sido presa se ficasse lá. Em 2014, fiz um mochilão pelo Brasil de carona, e aí que as coisas começaram a acontecer. Conheci as pessoas com quem eu me comunicava pela internet do rolê canábico, e ia compartilhando minha viagem no Facebook, em texto, na época, nem tinha uma câmera. As coisas foram crescendo e eu comecei a entender que era algo que valia a pena investir. Mas para virar meu trabalho, virar a chave que não era só um hobby, foi em 2017.

Foi bem tenso até eu me empoderar disso, que sou maconheira e criadora de conteúdo canábico. Teve todo o machismo que existe no meio, além de as pessoas tentarem tirar a minha credibilidade.

Hoje as principais dificuldades são com as plataformas, minha página no Instagram já caiu umas três vezes, em dez anos não ganhei nem R$ 2.000 do YouTube, e isso só por que o dólar está alto. Não consigo acessar algumas ferramentas de monetização e as marcas canábicas ou ainda não tem a grana ou não apoiam de uma forma firme. Já tive uma seda [papel para enrolar cigarro] com meu nome, mesmo que seja uma edição especial, foi uma realização.

Na minha apresentação no YouPix, disse que tenho a 'ingrata missão' de falar de maconha na internet. É um trabalho pesado e o desgaste psicológico é muito grande, e tudo isso sem ter o seu trampo remunerado da forma que deveria ser.

No começo, achava que o meu uso de maconha era só recreativo, mas tive o estalo que minha relação com a maconha era muito mais profunda do que eu imaginava, especialmente quando perdi minha irmã para depressão, dois anos atrás. Não sei como teria conseguido passar por isso se não tivesse maconha, de verdade.

Minha família tem um histórico bem problemático, cresci vendo minha mãe tentar várias vezes o suicídio, ela chegou a ficar em coma um mês. Salvei um primo de uma tentativa e, minha irmã, depois de várias tentativas, conseguiu. Não é para todas as pessoas, claro, mas bato muito nessa tecla, como a ganja pode ser uma aliada na saúde mental.

Eu também tenho esses instintos depressivos, essa aura pesada, e entendi que as ferramentas para sair disso foi a ganja que me proporcionou —e nem estou só falando do uso. Estou falando de experiências de vida mesmo, de trabalho, de viajar o mundo, conhecer pessoas, conseguir fugir daquele ciclo da minha irmã e mãe, de depressão profunda, falta de propósito.

Antes de me afastar dos meus amigos que tinham vergonha de mim, eu já me meti em muita situações de perigo, de entrar em carro de gente bêbada, coisas comuns de quem mora no interior ou em cidade universitária.

A maconha hoje é responsável pelo meu trabalho, me ajudou a conhecer meus amigos e até meu namorado. É bem triste perceber que num país menos careta eu possivelmente já estivesse construindo meu império, enquanto aqui eu demorei dez anos para ser levada a sério.

Não acreditava em missão, achava que era papinho clichê, mas é o que se encaixa, eu não me imagino falando ou fazendo outra coisa.