'Memória de Marielle é política', diz Monica Benício após RJ vetar projeto
Recheado de falas lesbofóbicas e com um debate classificado como "animado" por Monica Benício (PSOL-RJ), o PL 8/2021 foi rejeitado com 22 votos contrários e 20 favoráveis ontem na quinta na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro.
De autoria da vereadora do PSOL, viúva de Marielle Franco, o projeto previa a inclusão do Dia da Visibilidade Lésbica no calendário oficial da cidade do Rio de Janeiro. Agora, o projeto é arquivado e só poderá ser votado novamente depois de um ano.
Nós lésbicas não somos invisíveis, mas invisibilizadas pelo Estado que não pensa em políticas públicas. É um PL importante porque confere visibilidade e cidadania para pleitear direitos.
Para Monica a grande importância do PL seria a reivindicação por cidadania. Além disso, destaca, a Câmara não costuma criar problemas para a inserção de dias comemorativos no calendário. Mas, desta vez, se mostrou bastante lesbofófica, conservadora e fundamentalista.
Ela também rechaçou o argumento utilizado por muitos vereadores de que já existiria "muita visibilidade" para a população LGBTQIA+. "Não há no calendário da cidade nenhuma data LGBT e esse argumento é falacioso e sem respaldo. A primeira ação da nossa mandata foi protocolar essa representação pela memória da Marielle."
A memória da Marielle é política e pessoal, porque foi o único projeto dela que foi reprovado. E apenas por dois votos, assim como aconteceu ontem.
Além da importância no âmbito da reivindicação de direitos, Monica também apontou que a votação do PL 8/2021 possuía a importância de manter vivos a luta e o legado de Marielle Franco, uma espécie de homenagem. Originalmente, Marielle apresentou o mesmo PL 82/2017 pouco antes de ser assassinada.
Segundo ela, a votação era também muito importante pela preservação da memória, "seria uma sinalização que a Casa trataria com respeito". "Ela era uma grande defensora dos direitos humanos, que abarcam os direitos LGBTQIA+, mas a sinalização da Casa foi contrária à vida das mulheres lésbicas."
Muito emocionada, Monica também relembrou que seu companheirismo com Marielle se dava não apenas no campo afetivo, mas também político. Ambas viam a política como uma ferramenta para tornar a sociedade mais justa e igualitária, fazendo do mundo um lugar melhor. Com exclusividade, Monica relatou à Universa a reação de Marielle ao ter o PL rejeitado quatro anos atrás.
Lembro que a reprovação foi muito difícil. Marielle me ligou triste e chorando. Foi uma lembrança que marcou muito porque era a sinalização de que nossa família não existia e nosso amor não era legítimo.
"Ressignifiquei isso para seguir lutando para ninguém passar por essa situação, todos devem ter os direitos respeitados e sabemos o quanto mulheres lésbicas são vulneráveis e sofrem com o estupro corretivo e lesbocídio. Nosso fazer político de revolução não começa e nem cabe na Câmara, é muito maior", resume.
Retrocessos
Para Toni Reis, que é presidente da Aliança Nacional LGBTI, a não aprovação do PL é um retrocesso e também uma forma de invisibilizar essas mulheres, mas também há avanços na conquista de direitos nos últimos anos. "De 2012 até agora, nós tivemos grandes avanços pelo Judiciário. Nós temos aprovado muitos direitos e estamos em oitavo lugar em termos de legislação no âmbito internacional, isso é muito bom. A liberdade e a igualdade são princípios inegociáveis e não haverá retrocesso nesse sentido. A gente perdeu apenas uma batalha, mas a guerra não, e será uma vitória muito bacana", avalia.
Monica creditou os recentes retrocessos na garantia de direitos a um efeito da política bolsonarista, mas também destacou que em períodos como esse há avanços na questão de resistência e luta por direitos e igualdade. Para ela, um conservadorismo profundo, e principalmente a lesbofobia foram responsáveis por barrar o PL na votação de ontem.
"O veto sinaliza uma Câmara pautada em um espírito conservador muito forte e com falas lesbofóbicas. Colocam a orientação sexual como uma opção, e esse discurso é muito perigoso porque quando colocam como opção parece que tudo o que acontece de ruim e os preconceitos contra LGBTQIA+s ficam na conta das pessoas que escolheram estar em situação de vulnerabilidade", diz a vereadora.
Quando colocam orientação sexual como opção, o Estado não se sente no compromisso de respeitar, acolher e promover políticas públicas.
O presidente da Aliança Nacional LGBTI ainda destacou que não se pode desanimar, pois a luta por direitos é contínua. "Eles querem que a gente não exista e nos apagar da história, mas infelizmente tenho uma má notícia. Nós não voltaremos para o armário, assim como os negros não voltarão para a senzala e nem as mulheres para a cozinha."
HQ dos Vingadores e beijo gay
Em determinado momento da sessão aconteceu uma espécie de flashback de algo que já havia sido visto dois anos atrás. Em 2019, durante a Bienal do Livro, o então prefeito Marcelo Crivella tentou censurar a comercialização de quaisquer publicações com a temática LGBTQIA+ no evento. A polêmica surgiu quando a HQ da Marvel, Vingadores - A Cruzada das Crianças, apresentou dois heróis da história como um casal que em determinado momento da história se beijavam.
Na ocasião, Felipe Neto comprou 14 mil livros de temática similar para distribuí-los de graça na Bienal do Livro. Ele também fez críticas ao ex-prefeito e classificou a atitude como um "devaneio".
Quem acompanhava a sessão de ontem novamente se deparou com o beijo entre os personagens Wiccano e Hulkling, mas dessa vez pelas mãos do vereador Felipe Michel (Progressistas). Durante seu momento de fala na discussão do PL o vereador afirmou que não quer que seu filho tenha acesso a esse tipo de conteúdo.
"Eu não quero que um professor coloque na cabeça do meu filho ou da minha filha o Dia das Lésbicas, o Dia do Gay, o Dia do Queer … eu não quero. É um direito que eu tenho de ter", afirmou.
Questionado por Universa se acredita que livros podem influenciar crianças e o motivo de ter mostrado um beijo gay, para votar em PL contra lésbicas, a assessoria se limitou a dizer que "ele já disse o que gostaria no discurso, que foi bem longo".
Filho "zero dois" do presidente comemorou
Após o término da votação na Câmara do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro (Republicanos) utilizou suas redes sociais para desdenhar do Projeto de Lei e comemorar sua não aprovação. Em postagem feita no twitter o filho "zero dois" do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que o PL é uma "ferramenta política" utilizada para "aliciar crianças".
A psicóloga Giovanna Lucchesi, que também é especialista em diversidade, entretanto, discorda. Para Lucchesi o efeito seria justamente o contrário, e a contribuição para a formação das crianças ao terem contato com a diversidade seria enorme.
"É importante constatar que ninguém alicia nenhuma criança e nem direciona orientação sexual. Então falar sobre diversidade e dar visibilidade só aumenta a possibilidade de educação, informação e segurança mental e física das crianças. Pensando no processo de educação e capacidade de lidarem com a diversidade, é essencial criar um canal de comunicação para lidar com educação sexual e diversidade".
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