Topo

Não é 'tudo igual': mães relatam jeitos diferentes de encarar a maternidade

Karine, de Curitiba (PR), é mãe solo de Maria Cecília, de 2 anos - arquivo pessoal
Karine, de Curitiba (PR), é mãe solo de Maria Cecília, de 2 anos Imagem: arquivo pessoal

Manuela Aquino

Colaboração para Universa

29/09/2021 04h00

Carolina é mãe solo e cria uma criança autista equilibrando demandas. Heloisa, divorciada, divide a rotina puxada de trabalho com atenção à filha. Iziz tem seis filhos e tem de conciliar os períodos em casa e no mercado de trabalho com os cuidados com essa turma toda.

Karine, também mãe solo, resolveu empreender depois do nascimento da filha, a quem se dedicou durante dois anos exclusivamente. Essas quatro mulheres de origens e lugares diferentes são mães e cada uma é mãe do seu próprio jeito.

Se dizem que amor de mãe é tudo igual, elas mostram que não. Não há um caminho certo a seguir, pois a vida mesmo se encarrega de colocar adversidades que moldam a maternidade. O amor pelos filhos é comum a todas, independentemente de quando ele apareceu. E elas contam aqui como encaram o papel de mãe.

"Tenho seis filhos e nasci para cuidar"

 Iziz Fabiane Verçoza, 43 anos, empresária (PR) - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Iziz Fabiane Verçoza, 43 anos, empresária (PR)
Imagem: arquivo pessoal

"Eu sempre tive paciência com criança, amo cuidar, realmente nasci para ser mãe. Tanto que tenho seis filhos! E tudo foi acontecendo naturalmente.

Minha primeira filha, Milena, nasceu quando eu tinha 18 anos e foi com meu primeiro namorado, na época com 24. Minha família é evangélica e eu fiquei com medo de contar para meus pais e levar bronca. Escondi minha gravidez por seis meses. Apesar de ter tido uma filha muito nova e de o começo ter sido difícil por conta da amamentação, pois meu peito rachou muito, eu sempre curti estar com minha filha.

Depois da licença arrumei um emprego em uma farmácia. Meu marido tinha um pouco de ciúme dela, mas aos poucos as coisas foram melhorando. Só que quando ela tinha dois anos e meio, ele sofreu um acidente de moto e faleceu. Foi terrível. Passei a morar com minha mãe para ela ajudar a cuidar, eu não conseguia dar carinho pois me lembrava muito dele.

Casei de novo em 2000 e tive quatro na sequência: Mychaela, Mikaell, Laísy e Maria Alice. Na criação dos quatro primeiros, em uma fase, eu parei de trabalhar para ficar com eles, pois meu marido era caminhoneiro e ficava muito tempo fora.

Sempre fui aquela mãe que carregava os filhos pra cima e pra baixo. Resolvi voltar a trabalhar quando eles foram para a escola e estava tudo mais tranquilo. Em uma volta dessas de viagem, engravidei da quinta.

Eu não percebi que estava grávida no começo, pois menstruei direitinho por dois meses. Foi um baita susto. Me separei depois de vinte anos. Meus filhos já eram maiores e aqui em casa eu sempre ensinei a ficar independente logo, trocar, arrumar a cama e fazer lanche.

Conheci meu atual marido, Diego, de 36 anos, na internet e ficamos namorando de maneira virtual por um ano e meio até nos encontrarmos e começar de verdade o relacionamento. Engravidei o ano passado da Jasmin sem querer querendo.

Os mais velhos já estão grandes e a função maior é com as duas menores. A gente tem um food truck e eu trabalho numa praça na frente de casa e elas ficam comigo o tempo todo. Parei por aqui mas foi muito maravilhoso ter tido meus filhos, às vezes pensava que não ia dar conta, mas dei" - Iziz Fabiane Verçoza, 43 anos, empresária (PR)

"Depois de dois anos somente com minha filha, tenho receio de mandar para a escola"

Karine Mancini, 33 anos, empreendedora, Curitiba (PR) - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Karine Mancini, 33 anos, empreendedora, Curitiba (PR)
Imagem: arquivo pessoal

"Tenho uma filha de dois anos, Maria Cecília, que nasceu sem planejamento. Fiquei grávida de um relacionamento com meu melhor amigo. Me mudei de São Paulo para Curitiba, onde fui fazer faculdade de Pedagogia e trabalhei em uma escola.

Eu tinha 30 anos quando fiquei grávida. Durante a gestação eu trabalhava normalmente, mas tinha um pouco de pânico, de ansiedade de sair de casa e ver gente. Acabei me afastando um pouco das pessoas, inclusive do pai da minha filha. Depois ele também não quis participar e entrei com processo para ter o nome na certidão, acho justo com ela.

Quando ela nasceu, confesso que não me importei sobre a presença do pai, não queria a opinião de ninguém, nem dividir ela, mas ela foi crescendo e vi como era injusto, precisa do nome do registro. Meus pais vieram morar comigo e estamos juntos até hoje. Parei de trabalhar para ficar o tempo todo com ela e eles me ajudam financeiramente.

O primeiro ano foi muito difícil, a gente fica exausta, amamentar de hora em hora, pra cima e pra baixo grudadas. Mas foi isso que escolhi, pude acompanhar todas as fases do desenvolvimento dela. Acredito que nos primeiros anos é essencial essa proximidade, fortalecer o vínculo. o ideal seria até os quatro, mas para a sociedade não é o ideal.

O desenvolvimento em casa é ótimo, minha filha é uma menina segura, exploradora, que não tem medo de nada. Para poder voltar ao trabalho, mas continuar mais com ela, abri uma agência que cuida de redes sociais de empresas e estou trabalhando em casa.

Minha mãe sai com ela para passear, aí eu aproveito para trabalhar, mas quando ela está em casa prefiro ficar com ela. Às vezes tenho que terminar coisas quando ela dorme, mas esse é o esquema que acho certo.

Agora com essa idade já começo a pensar em escola, mas para mim vai ser difícil, vou ter que fazer terapia para me separar dela. Estou apegada a ela, na escola acho que ela vai sofrer vai sentir falta de ter alguém para fazer as coisas dela como eu.", Karine Mancini, 33 anos, empreendedora, Curitiba (PR)

"Não é fácil encarar as dificuldades da maternidade atípica sozinha"

"Casei com o pai do meu filho aos 29 anos e no começo não planejava ter filhos. Depois de um tempo, percebi que não era muito o que eu esperava por causa das brigas de casal. Na primeira, ele quebrou um quadro de fotos nossa e fiquei muito assustada. Não identifiquei na época que aquilo era um tipo de violência e ele fez isso, de ter reações fortes, muitas vezes.

Quando eu fiquei grávida, em 2013, fiquei bem assustada pois já não era um relacionamento bom na época. Chorei com a notícia. Entrei em desespero também pois era extremamente insegura com meu corpo. Quando o Raul, de 7 anos, nasceu ficamos muito felizes, a gente parecia aquela família margarina. Mas tudo começou a decair quando ele completou oito meses.

Nessa época já tinha voltado a trabalhar e seguindo a rotina normal. Quando meu filho estava com dois anos a gente se separou e fui morar com minha mãe. Começamos a desconfiar que ele era diferente das outras crianças, o desenvolvimento dele, não falava, por exemplo. Fomos investigar, tinha suspeita de autismo. Comecei a levar em terapias e fonoaudióloga, eu sozinha, sem ajuda do pai.

Depois de um ano foi confirmado o autismo. Desde aquela época até agora, toda parte de cuidado com meu filho sou eu que faço. Inclusive essa rotina puxada das intervenções que ele tem que fazer.

Mesmo quando a gente era casado, eu que fazia toda função. Na época do diagnóstico, eu e o pai do meu filho voltamos e acabamos nos separando novamente antes da pandemia. Hoje, ele vê o Raul em alguns dias e conseguiu que ele levasse na terapia uma vez na semana. Estou puxando ele para participar mais.

Para mim, paternidade não é cumprir acordos ou o que está na lei, é muito mais do que isso, é estar presente e dar afeto. É muita correria a vida de uma mãe atípica e todas as questões relacionadas vêm para mim, não tem com quem dividir. Ele está em processo de alfabetização na escola e, quando tem alguma questão, reunião, quem vai sou eu.

Quem briga pela inclusão dele sou eu.

Outro dia foi preciso aumentar a medicação dele e ele ficou um dia parecendo que estava dopado. Quem ficou sofrendo e com culpa? Há dores que eu sinto sozinha. Já pensou ter que ensinar seu filho de sete anos a ligar para alguém caso aconteça uma emergência comigo. Estou fazendo isso.

É difícil seguir sozinha, mas ao mesmo tempo a gente tem um amor, uma união e não tem pra ninguém. Nos comunicamos somente por olhar. Meu filho é meu chão, meu suporte. Ele com certeza é mais importante para mim do que eu para ele." - Carolina Caria, 39 anos, professora, São Paulo (SP)

"Trabalho para mim é felicidade, não tenho culpa por isso"

Heloisa Villibor, 36 anos, consultora de capital humano, São Paulo (SP) - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Heloisa Villibor, 36 anos, consultora de capital humano, São Paulo (SP)
Imagem: arquivo pessoal

"Sempre trabalhei muito desde a universidade, era aquela do 'deixa que eu faço' e isso só piorou depois que eu me formei. Passei a trabalhar em multinacional, em 2011, e o trabalho se intensificou. Eu sempre tive preocupação com a qualidade do meu trabalho, em agradar o cliente.

Pessoas como eu tendem a ficar sobrecarregadas e precisam se policiar para que isso não aconteça. Na época, eu só queria fazer as coisas com perfeição, pois vim de uma escola de pais que sempre diziam que se era pra fazer, que fizesse direito. Eu nunca trabalhei menos de 12 horas. Sempre foi difícil conciliar com a vida pessoal.

Já houve épocas que precisei trabalhar aos finais de semana. O pai da minha filha é médico, então a rotina também era puxada com jornadas longas, então era mais fácil de equilibrar. Hoje, namorando, dou meu melhor para não acontecer isso.

A gente aprende a se desprender de coisas para que isso não aconteça. Agora, não ultrapasso dez horas. Começou às oito e meia depois de deixar minha filha Stella, de 6 anos, na escola e vou direto. Paro para almoçar e reservo meio hora da tarde para ficar com minha filha e ver como ela está.

Ela tem uma babá que está com a gente desde que ela era bebê e que cuida durante a tarde quando eu fico no escritório de home office. A pandemia trouxe isso de eu poder acompanhar mais o dia a dia dela, caso contrário eu deixaria a escola, ia pro escritório, trabalhava e voltava e não a via quase. Só colocava para dormir.

Agora eu consigo vê-la algumas vezes no dia e acompanhar a rotina. Quando ela nasceu, voltei a trabalhar depois de cinco meses e ela ficava meio período com a Ariane, que é minha parceira, e algum tempo na escolinha. Durante a licença, respondi alguns e-mails, mas não podia pensar em trabalhar, pois ela quase não dormia e mamava muito, ficava na função. Fiquei exausta, mas eu amava.

Aos finais de semana e depois do expediente quando estou com a Stella, estou só com ela. À noite, assistimos Harry Potter e lemos o livro, é só uma hora mais intensa em que eu estou dedicada a ela. Para mim, trabalhar tem a ver com felicidade e minha filha sabe disso, é importante na minha vida. Não tenho sentimento de culpa.

Eu me sinto muito realizada profissionalmente e tenho pensado e falado sobre como ter mais tempo com ela, sim, pois a Stella está crescendo e tempo não se consome duas vezes." - Heloisa Villibor, 36 anos, consultora de capital humano, São Paulo (SP)