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Jovem relata assédio de entregador de app; entenda o que é assédio virtual

Dias depois de fazer e entrega, entregador do iFood procurou cliente pelas redes sociais - iStock
Dias depois de fazer e entrega, entregador do iFood procurou cliente pelas redes sociais Imagem: iStock

Mariana Gonzalez

De Universa, em São Paulo

02/10/2021 04h00Atualizada em 04/10/2021 12h36

Abrir o aplicativo, escolher a refeição entre dezenas de opções, esperar alguns minutos e receber a comida do entregador — durante a pandemia, o ritual que já existia acabou virando rotina para muita gente.

Mas, nesta semana, a streamer Lurymon, de 24 anos, que prefere não ter o nome real identificado, contou, no Twitter, que foi assediada pelo entregador, que a abordou alguns dias depois nas redes sociais.

"Mano, você nem vai ver isso, mas dane-se. Sou entregador do iFood e há um tempo fiz entrega para você. Te achei tão bonita que fui obrigado a procurar seu nome no Instagram e começar a te seguir. Relaxa que não sou nenhum maníaco, só quis falar mesmo", escreveu o homem, que teve sua identidade ocultada por Lury no print.

"Você que trabalha com iFood, não faz isso, cara. É creepy [assstador, em inglês]", escreveu a jovem, na publicação que viralizou e conta com mais de 25 mil curtidas.

A Universa, Lurymon contou que desceu para buscar a comida de máscara e não notou nenhum comportamento diferente do entregador. "Mas meu nome não é muito comum, Lury, e eu tenho o cabelo metade de cada cor, não deve ter sido difícil me encontrar nas redes sociais. A questão é que ele não deveria ter usado informações do aplicativo para me procurar", critica.

Ele tem meu nome, meu endereço, e nós mulheres sabemos como é medonho ouvir isso de um homem estranho, que sabe onde você mora.

A streamer disse que, apesar de ter se sentindo intimidada com a mensagem, não respondeu e também decidiu não denunciar, por medo.

Situação configura assédio digital, diz advogada

Segundo a advogada Vanessa Tadeu Paiva, especialista em Direito Digital, a situação configura um assédio virtual e essa é uma conduta inadmissível.

Ela explica que o assédio se caracteriza por abordagens que causam desconforto, humilhação, intimidação ou perseguição, e que pode se manifestar tanto de forma explícita quanto velada.

"O comportamento do entregador em buscar as redes sociais da pessoa que recebeu a entrega, sem consentimento ou correspondência, é falta de respeito ao espaço do outro, causando uma situação incômoda, constrangedora e até ameaçadora", afirma a advogada.

Além disso, Vanessa percebe, ao dizer que "não é nenhum maníaco", o assediador reconhece que sua atitude é inadequada.

Lury conta que não respondeu à mensagem do entregador e que, até o momento, não houve insistência por parte dele — mas, se tivesse insistido, explica a advogada, a conduta poderia ser enquadrada em cyber stalking, prática prevista em lei sancionada neste ano.

Segundo a streamer, o iFood a procurou, se desculpou pelo ocorrido e "conduziu muito bem o processo".

Como denunciar

Vanessa Tadeu Paiva explica que, diante de um episódio parecido, a vítima deve copiar as imagens de seu computador onde o assédio está configurado, os dados do agressor e os dados da empresa. Com essas informações em mãos, pode registrar um boletim de ocorrência na delegacia mais próxima e até pela internet.

Se assim desejar, a vítima do assédio consegue solicitar uma medida protetiva enquanto durar o inquérito policial. Por fim, pode abrir uma ação civil pedindo indenização da empresa responsável pela conduta do entregador.

A advogada ressalta que toda empresa de entrega deve estar de acordo com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) — em caso contrário, "está sujeita a multas altíssimas, com potencial de quebrar muitos negócios, e até a proibição judicial de suas atividades". As sanções podem chegar a até R$ 50 milhões, diz.

iFood sugere que clientes prestem queixa

Em nota enviada a Universa, o iFood, empresa responsável pelo entregador que assediou Lurymon, informou que repudia qualquer tipo de assédio, violência ou ato de discriminação, e confirmou que entrou em contato com a jovem "para prestar apoio e orientá-la sobre os protocolos de segurança" da plataforma.

"Com relação ao entregador, medidas cabíveis já foram tomadas", disse o iFood.

"A empresa ainda reforça que esse tipo de conduta não representa os seus valores e esclarece que, em seu modelo de atuação, os entregadores são parceiros independentes. Ao receber relatos como esse, o iFood investiga imediatamente o caso para tomar as medidas necessárias, além de ficar à disposição das autoridades", afirma a nota.

O iFood disse, ainda, que em casos de condutas inapropriadas de entregadores, recomenda que clientes registrem boletim de ocorrência, como também recomendou a advogada ouvida por Universa, e entre em contato pelos canais oficiais de atendimento existentes dentro do aplicativo para relatar o ocorrido.

"A segurança dos dados e a privacidade dos usuários são prioridade para o iFood, que fornece apenas os dados necessários para que o pedido seja entregue", conclui a empresa.

Outros aplicativos

Universa também ouviu outros dois aplicativos de entrega de comida a respeito das políticas contra assédio.

O Rappi informou, em nota, que "não compactua com situações de assédio e constrangimentos" e que "dispõe de um canal para que os usuários possam reportar qualquer problema ou incidente que possa ocorrer".

A empresa disse ainda que sua política de privacidade prevê o compartilhamento aos entregadores parceiros apenas dos dados dos usuários necessários para garantir a prestação do serviço, sendo eles endereço, nome do usuário e produto solicitado.

A Uber, responsável pelo serviço Uber Eats, por sua vez, disse em nota que "repudia qualquer tipo de comportamento abusivo contra mulheres e acredita na importância de combater e denunciar casos de assédio e violência" e que este tipo de comportamento viola seu código de conduta.

"O Uber Eats não mostra para os entregadores parceiros os endereços de entregas no histórico do app. Além disso, os telefones de ambos são mantidos em sigilo", disse a plataforma.

"Caso seja necessário reportar algum incidente, a Uber conta com uma equipe de suporte disponível 24/7, que analisa individualmente caso a caso. A denúncia pode ser feita pelo menu de ajuda do próprio app ou pelo site uber.com/ajuda".