Mastologista organizou força-tarefa para operar pacientes na pandemia
Tranquilidade não é uma palavra que faz parte da rotina da mastologista Hilka Espírito Santo, 56, coordenadora da Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas (Fcecon) e uma das finalistas da categoria Inovação em Câncer de Mama, do Prêmio Inspiradoras 2021.
Ali há 27 anos, ela atende diariamente cerca de 30 pessoas diagnosticadas ou com suspeita de câncer de mama. São pacientes e acompanhantes residentes tanto de Manaus e interior do Amazonas, como de outros estados e países que fazem fronteira com aquela região, como Guiana e Venezuela.
Ainda assim, nada pode ser comparado à situação que enfrentou em janeiro de 2021. Após quase um ano da pandemia do coronavírus, uma nova onda de internações levou o estado a um segundo colapso de seu sistema de saúde. Dessa vez, havia um agravante: a falta de oxigênio.
Com o decreto da fase roxa, de representação de alto risco à população segundo a Fundação de Vigilância em Saúde (FVS), todos os hospitais da capital passaram a se dedicar exclusivamente aos pacientes infectados com Covid-19. E os Centros de Terapia Intensiva (CTI) ficaram lotados. Houve também a paralisação dos procedimentos cirúrgicos de todos os pacientes, inclusive os que realizavam tratamento oncológico.
"O que a gente viveu aqui foi o inferno, não existe outra descrição. Depois que contei às pacientes que teríamos de interromper o serviço, todos os dias pelo menos uma delas me procurava para dizer que não morreria de Covid, mas morreria de câncer. E elas tinham razão. Isso podia mesmo acontecer.
Hilka Espírito Santo
O tempo, afinal, é fundamental no tratamento do câncer. Quanto mais cedo começam as intervenções, maiores as chances de debelar a doença. Além disso, a retirada rápida do tumor tem um impacto importantíssimo na segurança emocional.
"Quem tem câncer de mama está o tempo todo está se preparando para passar por momentos muito difíceis: perder o cabelo, completar a quimioterapia, retirar o seio. Eu já tinha vivido tudo isso com a minha mãe. Então, ter clareza sobre cada etapa, me tratar com o médico que a tratou, eram coisas que me davam alguma confiança. Até que tudo parou. Aquele plano não existia mais.
Brenda Graziela de Oliveira, manauara de apenas 25 anos, uma das mulheres que recebeu a notícia sobre a interrupção do serviço.
Para Hilka, o cenário tinha ainda um agravante. Ela mesma foi infectada pelo novo coronavírus e precisou ficar internada para se recuperar. Quando teve que lidar com a interrupção das cirurgias de câncer de mama no hospital, fazia apenas uma semana que ela havia recebido alta e ainda se recuperava física e emocionalmente. "Ao mesmo tempo, eu estava angustiada por minhas pacientes e queria muito retomar os atendimentos", diz.
Em busca da solução em meio ao caos
A médica, felizmente, não se resignou. Inconformada com a situação, deu o pontapé para a organização de uma força-tarefa para encontrar uma saída que permitisse dar continuidade ao tratamento das pacientes mais graves. Assim, o Serviço de Mastologia, de Assistência Social, de Psicologia e a direção da Fcecon, juntamente com o Ministério da Saúde, a Secretaria da Saúde e a Força Aérea Brasileira, identificaram uma possibilidade de mudança na vida das pacientes de maior risco.
Esse tipo de procedimento é conhecido como "navegação". Trata-se de um serviço que segue protocolos específicos para guiar todo o atendimento oncológico e dar suporte aos pacientes. A ideia é acolhê-los, mantê-los informados, e conduzi-los de uma equipe a outra, evitando desconfortos ou ruídos. Isso porque o tratamento de câncer é multidisciplinar.
Por esse sistema, é razoavelmente comum que os pacientes passem não apenas por profissionais diferentes, mas por mais de um hospital. Também acontece de cada serviço estar em uma localidade. A dificuldade da tarefa de Hilka estava em mobilizar essas pessoas para outro estado, justamente durante o momento mais grave a pandemia. Mais do que isso: a geografia do Amazonas é uma dificuldade real.
"A verdade é que ninguém sabia o que fazer, nem o que poderia dar certo, mas a necessidade estava ali, não dava para esperar sem fazer nada. E eu sou pedinte profissional, sei que sozinha a gente não faz nada", diz Hilka.
Uma ideia ousada que deu certo
Desde 2019, o hospital Fcecon conta com uma equipe do tipo, formada por profissionais de enfermagem, que auxilia a equipe de câncer no fluxo do tratamento. Foi ela que identificou pacientes prioritárias para uma transferência para outro Estado, onde seriam operadas.
A articulação possibilitou que, em apenas três dias, fosse feita toda comunicação e organização dessas viagens, garantindo respeito a todos os protocolos de segurança contra o novo coronavírus e a expedição de toda a documentação necessária para as cirurgias.
"Houve quem julgasse um absurdo, pois poderíamos trazer uma nova cepa para cá.
Marcelo Bello, diretor do Hospital do Câncer III, do Instituto Nacional de Câncer (Inca), no Rio de Janeiro, que acolheu as pacientes de Hilka em um momento de restrições gerais.
Ao todo, 22 pacientes com entre 25 e 64 anos de idade, divididas em três grupos, foram encaminhadas para outros estados. "Foi uma grande navegação em mares revoltos, que mostrou na prática que o xis da questão é humanizar o atendimento. Esse cuidado próximo foi fundamental para garantir as cirurgias certas dentro do tempo exigido e com pacientes emocionalmente preparadas, cuidadas além da cirurgia", lembra Hilka.
Quando a médica foi paciente
A mastologista já sentiu na pele aquilo pelo que passam suas pacientes. Há oito anos, precisou fazer mastectomia bilateral para se livrar do câncer de mama. Na ocasião, a filha da médica tinha só 9 anos. Além dela, sua avó teve um tumor no colo do útero. "Minha mãe nem conseguia dizer 'câncer', chamava de 'aquela doença'. Quando fiquei doente, apesar de ser médica da área, também tive medo e não queria repetir a palavra em casa para não assustar minha filha", conta.
Até que um dia, Hilka decidiu abrir o jogo. E foi a menina, no entanto, que acabou, tempos depois, acalmando a mãe.
"Minha filha me disse que estava tranquila, porque tinha aprendido comigo que tudo pode dar errado, mas também pode dar certo e ela preferia esse segundo lado. Fico muito feliz em ver que, com meu trabalho e minha experiência, ela pôde associar o câncer também com histórias positivas. Existe a dor, mas existe a vida também.
Hilka Espírito Santo
Sobre o Prêmio Inspiradoras
O Prêmio Inspiradoras é uma iniciativa de Universa e do Instituto Avon, que tem como missão descobrir, reconhecer e dar maior visibilidade a mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras. São 21 finalistas, divididas em sete categorias. Além de Inovação em Câncer de Mama, tem também: Informação para vida, Conscientização e Acolhimento, Acesso à Justiça, Equidade e Cidadania, Esporte e Cultura e Representantes Avon, dedicada às representantes da marca que realizam trabalhos de impacto.
Para escolher suas favoritas, basta clicar na votação a seguir. Está difícil se decidir? Não tem problema: você pode votar quantas vezes quiser. Também vale fazer campanha, enviando este e os outros conteúdos da premiação para quem você quiser.
No mês que vem, durante dos 21 dias de enfrentamento à violência, uma série de lives com as finalistas de todas as categorias vai debater este e outros temas relacionados ao universo feminino. Dá para acompanhar as novidades no portal Universa e em nossas redes sociais.
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