'Temia ser tarde demais': enfermeiras contam como congelaram óvulos
Depois de quase vinte anos ajudando outras mulheres a realizarem o sonho da maternidade na clínica de fertilização Nilo Frantz, em Porto Alegre (RS), as enfermeiras Fernanda Robin e Joana Chagas resolveram congelar os próprios óvulos para engravidar no momento que desejarem. Elas toparam participar da websérie "Partiu Congelar" e dividir a experiência que acompanharam com suas pacientes, agora vivendo na própria pele. São cinco episódios em que compartilham suas jornadas pessoais e as etapas para o congelamento realizado pela especialista em reprodução humana Simone Mattiello.
"Quero ter a opção de ser mãe"
Sou enfermeira há três anos e técnica de enfermagem há 12. Quando iniciei meu trabalho na clínica de fertilização, aos 25 anos de idade, eu não queria ter filhos. Pensava na minha carreira e tinha vontade de estudar mais. Com o passar do tempo, comecei a ter dúvidas sobre o desejo de ser mãe. Fiquei com medo de, se a vontade vier, ser tarde demais. Depois de 11 anos trabalhando na clínica, percebi que estava caindo na mesma armadilha das pacientes que eu atendia. Só estava preocupada em viajar, comprar carro e apartamento. Ter filho não era uma prioridade. O tempo estava passando e eu ainda não tinha certeza sobre o desejo de ter um bebê. Mas então a história de uma paciente mexeu comigo e me levou a tomar uma atitude.
Era uma advogada bem-sucedida de 41 anos que estava realizando tratamento na clínica. Na consulta de enfermagem, ela me perguntou: "Por que o meu ginecologista nunca me falou que eu poderia congelar os meus óvulos? Me consultei durante anos e ele nunca me apresentou a possibilidade de preservar minha fertilidade. Me sinto negligenciada."
Ela havia terminado um relacionamento e, aos 39 anos, se casou novamente. Aos 40, sentiu a vontade de ser mãe, mas nessa idade normalmente se tem baixa quantidade de óvulos e de qualidade diminuída, o que reduz a taxa de sucesso do tratamento. São feitos exames para avaliar a reserva ovariana da mulher e, caso ela esteja com a reserva diminuída, é preciso partir para um banco de óvulos.
A história da advogada ficou martelando na minha cabeça e então avaliei a possibilidade de congelar meus óvulos. Conversei com a Simone Mattiello, que, além de amiga, é médica especialista em reprodução assistida na clínica onde eu trabalho. Com 36 anos, bati o martelo: "Vou congelar!". Percebi que sentia a mesma insegurança que as minhas pacientes me contavam durante as consultas de enfermagem: o medo de não responder ao tratamento, de errar na medicação.
Todos os sentimentos que as pacientes tinham, eu também senti, mas trabalhar em uma clínica de reprodução me ajudou nesse processo.
Antes de trabalhar com reprodução, eu não tinha muito conhecimento sobre os tratamentos disponíveis. Depois de conhecer, me encantei. Não senti preconceito em relação a minha opção, mas percebi a curiosidade das pessoas em torno do assunto. Elas me perguntavam: "Mas você não está namorando? Por que então congelar os óvulos?" ou "Como assim você não sabe se quer ter filhos?". Elas também ficavam interessadas em saber como o tratamento é feito.
Decidi congelar no ano passado, mas então veio a pandemia e resolvi adiar um pouco. Este ano estava decidida a iniciar o tratamento, sem saber que a Fernanda, outra enfermeira da clínica, também pensava o mesmo. Foi quando ela me perguntou: "Topa documentar o tratamento para que outras mulheres possam assistir?". Não pensei duas vezes, aceitei na hora. A Fernanda foi até a coordenadora de marketing da clínica e propôs fazer a websérie. Ela concordou. Tudo foi gravado em quatro meses.
Ainda não sei se vou descongelar os óvulos para realizar a fertilização, mas este tratamento me trouxe a tranquilidade para poder decidir, com calma e no tempo certo, sobre ser ou não ser mãe.
Joana Chagas, enfermeira, 36 anos
"Eu e meu marido sonhamos em ter uma família grande"
Sou enfermeira, mestre em enfermagem e estou fazendo doutorado em Psicologia. Já faz bastante tempo que estudo os aspectos da reprodução assistida e da recepção de óvulos por parte de casais.
Eu e meu marido sonhamos em ter uma família maior. Já temos um menino pequeno, mas hoje, por conta da correria na minha vida, não cabe outra criança. Meu marido também trabalha bastante, viaja e tem seus compromissos, então seria difícil ter outro filho neste momento. Só que eu percebi que o tempo está passando e não posso esperar muito para engravidar. Conversei com o meu marido e ele falou: "Vamos congelar os óvulos e assim poderemos escolher o momento ideal".
Eu já estava pensando nisso havia algum tempo. Aos 34 anos, tinha certeza de que queria ter mais filhos. No final do ano passado, o resultado do meus exames sobre minha reserva ovariana alertou: é agora, precisamos tomar uma providência. A partir daí, conversei com a médica Simone, que é minha amiga, e resolvemos iniciar o tratamento.
Antes de tomar a decisão, muitas dúvidas rondavam minha cabeça. Minhas amigas me diziam: "Olha, se fosse eu, engravidava logo. Você já fez um filho em casa, né? Para quê congelar numa clínica?". Como se ter filhos fosse ser uma decisão simples, que pudesse acontecer a qualquer momento.
Trabalhar com reprodução assistida foi um grande estímulo para congelar os óvulos. Antes de trabalhar com isso, desconhecia como funcionava o tratamento. Atualmente atendo só mulheres que não têm mais óvulos de qualidade e que precisam recebê-los de pacientes mais jovens. As falas são muito semelhantes: "Eu não sabia, meu ginecologista nunca me falou a respeito de congelar óvulos. A gente ouve tanto falar que hoje em dia a mulher engravida com qualquer idade". Muitas vezes, quando elas decidiam ter filhos com seus gametas, já não podiam mais.
Eu costumo brincar que a websérie é um pouco uma cria minha. Partiu de mim a ideia de retratar o dia a dia de uma mulher comum, cheia de afazeres, e que passa pelo tratamento. A mulher que trabalha, que vai ao supermercado, que cuida do marido e do filho doente e, ao mesmo tempo, tem que tomar os medicamentos para a indução da ovulação, fazer as injeções diárias e realizar as ecografias. Pensei em filmagens caseiras retratando os meus sentimentos durante esse processo. Nunca vou esquecer do dia da retirada dos óvulos: foi num sábado de manhã e, à tarde, fui num aniversário. O pós-procedimento foi sem dor e pouco sangramento, semelhante ao final de uma menstruação.
Foi muito bacana participar da websérie. Não tenho problema nenhum em expor a minha vida. Fico feliz em poder encorajar outras mulheres. É libertador saber que temos a possibilidade de escolher a idade de ser mãe utilizando os próprios gametas. Penso em engravidar daqui a um ou dois anos. Acho que até lá a minha vida estará mais tranquila e eu poderei curtir melhor esse momento tão maravilhoso que é o de gerar uma nova vida.
Fernanda Robin, enfermeira, 37 anos
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