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Dossiê Mulher Paulista: nova lei reúne dados da violência de gênero em SP

Em 2020, só na cidade de São Paulo mais de 24 mil mulheres foram vítimas de violência - Getty Images
Em 2020, só na cidade de São Paulo mais de 24 mil mulheres foram vítimas de violência Imagem: Getty Images

Mariana Gonzalez

De Universa, em São Paulo

07/10/2021 04h00

A Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) votou, na última semana, pela derrubada do veto do governador João Doria (PSDB) ao Projeto de Lei 113/2019, chamado de Dossiê Mulher Paulista. A proposta, de autoria da deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP), é inspirada no Dossiê Mulher Carioca, da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), morta em 2018. Com sua transformação em lei, a cidade terá um dossiê anual que reúne dados sobre a violência contra a mulher no estado.

"Imagine construir um prédio sem a base. Essa é a realidade atual das políticas públicas para mulheres no estado de São Paulo. É preciso mapear e coletar dados para, a partir destas informações, propor soluções. São Paulo é hoje um dos estados mais atrasados neste sentido", avalia a deputada em entrevista a Universa.

Atualmente já é feita a produção de estatísticas de violência contra a mulher no estado, mas não há um banco de dados único que reúna os registros de diferentes secretarias, como propõe o Dossiê Mulher Paulista. Agora, os casos serão sistematizados em um banco de dados a partir dos registros espalhados em secretarias distintas, como as de Administração Penitenciária, de Desenvolvimento Social, de Justiça, de Saúde e de Segurança Pública.

De acordo com o texto da nova lei, as informações do Dossiê deverão ser divulgadas ao menos uma vez por ano nos sites oficiais do governo e no Diário Oficial "para auxiliar o governo a identificar os índices de violência em diferentes regiões do Estado e os perfis de mulheres que passaram por essas situações, contribuindo, consequentemente, para a elaboração de políticas públicas".

Dados referentes a todas as formas de violência contra a mulher previstas na Lei Maria da Penha — física, sexual, psicológica, moral e patrimonial — deverão ser coletados das pastas estaduais da Segurança Pública e da Justiça e Cidadania e somados às informações de entidades que prestam proteção socioassistencial às mulheres.

Dossiê Mulher Paulista é de autoria da deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP) - José Antonio Teixeira/Alesp - José Antonio Teixeira/Alesp
Dossiê Mulher Paulista é de autoria da deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP)
Imagem: José Antonio Teixeira/Alesp

"Há tecnologia para fazer ótimos mapeamentos, como entender por meio de georreferenciamento as estações de metrô com maior número de denúncias de assédio e entender se elas coincidem com falta de iluminação, por exemplo", prevê Isa Penna.

A parlamentar explica que pretende chamar para discutir políticas públicas a partir destes dados mulheres da política, da Justiça e de movimentos populares de diferentes espectros políticos e ideológicos, mas que estejam comprometidas com a proteção das mulheres.

Em 2020, apenas na cidade de São Paulo, mais de 24 mil mulheres foram vítimas de violência, sofrendo alguma agressão ou abuso.

Quando vetou o projeto de lei, em 2019, o governo Doria afirmou que a proposta era "dispendiosa e desnecessária", uma vez que a Secretaria da Segurança Pública já publica dados estatísticos das delegacias e que a Secretaria da Saúde adota sistema de notificação compulsória dos casos de violência contra mulheres.

"Convém registrar que ambas as secretarias estaduais se opuseram ao projeto, julgando-o dispendioso e desnecessário, na medida em que impõe metodologia específica de coleta de dados e a criação de codificação própria referente às estatísticas de violência contra a mulher, desconsiderando os sistemas já existentes com essa finalidade", afirmou o governador, na época.

"Espero que o governo Doria, que vetou esse projeto inicialmente, dê espaço para todas nós, mulheres, construirmos essas políticas", fala Isa Penna.

Proposta de Marielle inspira projetos pelo Brasil

Desde 2018, a Prefeitura do Rio de Janeiro conta com o Dossiê Mulher Carioca para cumprir as mesmas funções que o Dossiê Mulher Paulista pretende cumprir agora, em São Paulo. Por lá, a ideia foi protocolada como Projeto de Lei pela vereadora Marielle Franco, assassinada naquele mesmo ano. "Por ser um projeto inspirado na Marielle, tem uma carga simbólica, emocionante", fala Isa Penna.

Segundo o gabinete da deputada estadual Mônica Francisco (PSOL-RJ), que foi assessora de Marielle, um grupo de trabalho da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos se prepara para lançar o primeiro Dossiê da Prefeitura do Rio.

No estado do Rio de Janeiro, onde o Dossiê Mulher já foi publicado, foi possível identificar, a partir desta iniciativa, que casos de violência doméstica tiveram um salto de 40% durante a pandemia no Rio e que 68,2% das mulheres vítimas de feminicídio no estado eram negras, por exemplo.

Há outros projetos semelhantes em pauta na Câmara Municipal de Curitiba, na Câmara Municipal de Vila Velha (ES) e na Câmara dos Deputados, pela criação do Dossiê Mulher Brasileira, que leva a proposta para nível nacional.

"Com essa repercussão, o PL de Marielle põe na agenda do dia a importância de gerar dados justamente para criar condições de fazermos políticas públicas de qualidade e embasadas para as mulheres. Um Dossiê com dados sobre violência contra a mulher também atua como instrumento de denúncia do quadro grave de violações contra as mulheres", afirma Mônica Francisco.

SP deve ter Dossiê sobre população trans

Para votar a favor da derrubada do veto do governador João Doria e transformar o Dossiê da Mulher Paulista em lei, deputados vetaram o trecho do projeto que se referia à compilação de dados referentes também às mulheres transexuais. Segundo a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo, e o estado de São Paulo concentra o maior número de registros deste crime.

A deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL), primeira mulher trans na Alesp, deve propor Dossiê sobre pessoas transexuais - Bruno Santos/Folhapress - Bruno Santos/Folhapress
A deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL), primeira mulher trans na Alesp, deve propor Dossiê sobre pessoas transexuais
Imagem: Bruno Santos/Folhapress

A deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL-SP), primeira mulher trans eleita para a Alesp, disse a Universa que, para garantir que esses dados sejam mapeados e publicados, vai protocolar um projeto de lei similar para atender à população trans do estado.

"Nós carecemos, em nível municipal, estadual e federal, de políticas públicas efetivas para combater o transfeminicídio [o assassinato de mulheres trans motivado pela transfobia]. O que vemos, ao contrário, é um processo de desresponsabilização quanto a este cenário e a retirada das mulheres trans do Dossiê Mulher é mais uma demonstração disso", afirma a parlamentar.

Hoje, ela explica, os dados sobre violência contra a população T são coletados pela sociedade civil. "Enquanto isso, na esfera pública, vemos uma queda vertiginosa dos dispositivos de defesa dessa população", critica Malunguinho.

Para ela, a retirada do trecho sobre mulheres trans da proposta "deixa extremamente evidente que a composição da Alesp é altamente comprometida com a transfobia" e que este não é um episódio isolado em seus quase três anos de atividade parlamentar.

"Projetos são barrados em suas tentativas de proposições em prol da comunidade LGBTQIA+. Contrariamente a isso vemos projetos como o PL 504, que tentou proibir qualquer publicidade infantil com alusão a orientações sexuais e movimentos sobre diversidade), que são desenhados para marginalizar pessoas trans, votados em regime de urgência."