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Casal relata medo durante parto 'proibido' em Noronha: 'Choramos muito'

Casal teve bebê prematuro em Fernando de Noronha e revelou ter passado por um susto, devido aos riscos passados - Arquivo Pessoal
Casal teve bebê prematuro em Fernando de Noronha e revelou ter passado por um susto, devido aos riscos passados Imagem: Arquivo Pessoal

Aliny Gama

Colaboração para Universa, em Maceió

08/10/2021 10h47Atualizada em 08/10/2021 19h08

O casal Larissa Pereira, de 33 anos, e Douglas Gustavo Heleodoro do Nascimento, de 35, realizava o sonho de conhecer o arquipélago de Fernando de Noronha (PE), aproveitando a viagem para fazer um ensaio fotográfico da gestante de 32 semanas. Eles embarcaram para o local na segunda-feira (4), sem imaginar que passariam por momentos de medo, angústia e muito choro ao Larissa entrar em trabalho de parto prematuro, de alto risco, na madrugada de terça-feira (5). Segundo a equipe médica os informou, mãe e filha correram risco de morrer.

"Ficamos muito temerosos e choramos muito com medo, pois ambas corriam risco de morte. Só soubemos que o hospital São Lucas [único em Fernando de Noronha] não dispõe de estrutura para parto ao chegarmos à emergência", afirmou Nascimento, em entrevista a Universa.

O hospital São Lucas, único da ilha, pertence à rede pública estadual e não dispõe de emergência obstétrica e nem aparelhos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) adulta e UTI Neonatal. O parto ocorreu sob assistência de dois médicos emergencistas e mobilizou toda equipe de enfermagem do hospital e outros setores. O medo do casal era de Larissa não conseguir ter o bebê de parto normal, e ela e a filha não sobreviverem ao parto.

O casal sequer conseguiu fazer as fotos que planejava em Fernando de Noronha, pois chegou anoitecendo à pousada em que estavam hospedados. Larissa estava cansada, então resolveram dormir cedo. Por volta das 4h, ela acordou com a bolsa já estourada, relata o pai do bebê.

Ficamos muito nervosos e choramos muito, com muito medo de chegar a hora do parto e fomos para o hospital às 5h30 (horário local) para tentar descobrir de fato o que acontecia e se ainda dava para tomar algum medicamento e segurar a gravidez

Nascimento destaca que a ouvidoria da Ilha de Fernando de Noronha foi consultada e autorizou a entrada da gestante, mesmo ela com 32 semanas, antes da viagem para Fernando de Noronha.

Estávamos com muito medo. O médico informou que não havia como transportar de avião Larissa nas condições avançadas do parto, porque existia o risco de ambas não sobreviverem durante o voo. Então, decidiu-se fazer o parto no hospital mesmo, e toda equipe se engajou para o nascimento da nossa filha. Foi um parto muito crítico, pois não tinha todos os recursos necessários, mas ao final ocorreu tudo bem

Os médicos emergencistas Diego Amoroso e Lucas Toresan auxiliaram Larissa no parto. "Toda a equipe se mobilizou para fazer de uma sala de emergência, uma sala de parto. O pai e a mãe entenderam o potencial de gravidade do caso e foram aprendendo a respiração, ouviram a explicação do que seria cada etapa do atendimento, tentando dar o mínimo de humanidade para esse momento já bastante estressante", diz Amoroso.

Após cinco horas de trabalho de parto, Larissa foi colocada em uma mesa obstétrica e iniciou o período expulsivo do bebê, conta o médico.

Larisssa continuou respirando e ajudando as contrações uterinas. Enquanto isso, a equipe também respirava fundo, imaginando como seria o primeiro parto no hospital de Noronha após quase 20 anos de proibição

Em 2004, a maternidade do hospital foi desativada e, desde então, não ocorreram partos no São Lucas. Moradoras que atingem 28 semanas de gestação são obrigadas a ficarem em Recife para terem seus bebês na capital. O caso dos turistas gerou incômodo em moradores locais.

Após seis horas de parto, Larissa deu à luz Lavígnia Dominique Pereira Heleodoro. A bebê nasceu às 12h03, mediu 41 centímetros e pesou 1.885kg. Uma pediatra a USF (Unidade de Saúde da Família) realizou o primeiro atendimento à recém-nascida.

Um avião de salvamento aéreo só aterrissou em Fernando de Noronha perto das 17h30, quando mãe e filha foram transportadas com auxílio de um médico e um enfermeiro. Douglas Nascimento não pôde acompanhar a mulher e a filha no mesmo voo, pois não havia espaço para ele. Nascimento conta que embarcou no primeiro voo do dia seguinte, com ajuda do médico que realizou o parto, que emitiu um atestado de urgência para ele viajar para o Recife.

Como o jatinho veio de Salvador, demorou a chegar em Noronha, quando elas embarcaram, o último voo para Recife já tinha ocorrido, que eu poderia ter viajado. Passei toda a noite em aflição mantendo contato com a minha esposa por mensagens. Se ficássemos esperando um leito de UTI Neonatal no Barão de Lucena, minha filha poderia não sobreviver, e esse era o meu maior medo

O agora pai relata que ainda ocorreram mais problemas de assistência médica no Recife, pois, segundo ele, quando a mulher e a filha chegaram ao hospital Barão de Lucena, da rede pública de saúde do estado e referência em partos de alto risco.

"Ao chegar em Recife, não tinha UTI Neonatal para minha filha no hospital Barão de Lucena para onde Secretaria de Saúde de Pernambuco mandou levá-las para receber assistência especializada. Informaram que minha filha estava com 35 semanas de gestação, mas eram 32, e isso faz diferença no atendimento. Não tinha UTI para ela", critica Nascimento.

Ele disse que somente com ajuda de desconhecidos que a esposa conseguiu acionar o plano de saúde para ela e a filha serem assistidas no hospital Vasco Lucena, na Boa Vista, que pertence à rede do plano de saúde do casal. A recém-nascida está em uma incubadora e deve ficar por cerca de três semanas na UTI Neonatal, segundo Nascimento, para ganhar peso e se desenvolver mais.

A viagem

O casal mora em Maceió, e Nascimento conta que comprou a viagem, na Black Friday do ano passado, muito antes de Larissa engravidar.

"Nós estamos casados há seis anos e estamos juntos há 19 anos, essa é a primeira gestação. Nos conhecemos no colégio. Achávamos que éramos inférteis e contratamos o plano de saúde para investigar o que poderia estar acontecendo. Descobrimos a gravidez em março", conta Nascimento, que é policial militar. A esposa é fisioterapeuta.

Larissa e o marido haviam se programado para passar seis dias em Noronha passeando e fariam as fotos da gestante. Nascimento disse que, a princípio, a médica obstetra de Larissa não concordava com a viagem do casal, pela idade gestacional em que ela já estava. Mas, após exames constatarem que a gestação decorria dentro da normalidade, a médica liberou e deu um atestado que foi apresentado à companhia aérea.

"Se soubéssemos que isso tudo iria ocorrer, jamais viajaríamos. Mas, vamos nos planejar para daqui há dois, três anos, voltarmos a Fernando de Noronha para Lavígnia conhecer a terra natal dela", afirma Nascimento.

Secretaria prepara nova norma

A SES-PE (Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco) informou, em nota, que trabalha em conjunto com a administração do arquipélago de Fernando de Noronha uma norma técnica para "disciplinar a entrada de turistas grávidas da ilha". O limite que será dado é do período gestacional de 28 semanas e que "haja um parecer médico favorável" à viagem. Entretanto, a secretaria não informou quando a norma ficará pronta e quando entrará em vigor.

A SES-PE e a administração da ilha de Fernando de Noronha não se posicionaram sobre o porquê de apenas a regra da proibição da permanência de gestantes com 28 semanas ser aplicada apenas às moradoras do local. Ontem, a administração da ilha chegou a afirmar que era obrigação das companhias aéreas que operam voos para Noronha fiscalizarem a entrada de mulheres grávidas e conferir a idade gestacional delas.

A afirmação foi rebatida pela Azul, que disse não existir norma sobre a restrição na ANAC (Agência Nacional de Aviação) e que nenhuma informação da gestão local foi repassada à companhia.

A SES-PE e a administração da ilha não se posicionaram também sobre o erro da idade gestacional da bebê-prematura informada ao hospital Barão de Lucena e sobre a falta de UTI Neonatal para ela, ao ser transferida para o Recife, além da assistência à mãe e à filha quando elas chegaram ao hospital.