Por que falas de Erasmo em 'A Fazenda' compactuam com a cultura do estupro
Falas que desqualificam mulheres, cultura do estupro e polemização do machismo se tornaram a ordem do dia em "A Fazenda 13". Eleito pelos leitores do UOL como o participante mais odiado da edição, Erasmo Viana, ex-marido de Gabriela Pugliesi, é um dos principais vetores de falas misóginas dentro do reality.
A reportagem de Universa ouviu Amanda Kamanchek, gerente da ONG Think Olga, para entender por que discursos como o dele não cabem mais em um programa de TV aberta.
Em uma de suas atitudes misóginas, Erasmo aconselhou Aline sobre sua postura na festa, dizendo que ela estava desrespeitando o namorado dela.
Vou comentar uma coisa com você. Você tem que ver suas atitudes. Você tem que se controlar quando bebe. Você não pode desrespeitar o seu namorado. Acho que foi uma postura inadequada. Você é maravilhosa. Só que, realmente, essa sua atitude da festa não me agradou.
Erasmo Viana, em 'A Fazenda 13'
Para Amanda Kamanchek, falas como essa mostram que "valores morais e pensamentos que a gente entendia que a nossa cultura já não defendia ainda estão presentes".
Ela cita uma pesquisa Datafolha de 2016 em que 37% dos entrevistados disseram concordar com a frase: "mulheres que se dão ao respeito não são estupradas".
"Com esse tipo de dado, cai por terra a ideia de que a mulher é livre. Hoje na legislação, depois de bastante disputa na sociedade civil e alteração nos termos da lei, não colocamos mais 'atentado ao pudor'. Porque, quando se fala em pudor, questionamos a moralidade, que está conectada à cis-hetero-normatividade", diz Amanda.
"Mas, ao mesmo tempo em que a nossa sociedade caminha para tirar termos como esse, ainda assim existem correntes que se colocam nesse exercício de julgar e colocar a mulher no contexto de 'bela, recatada e do lar'."
Em outra ocasião, Erasmo ficou revoltado com o fato de Dayane e Aline se beijarem em festas e novamente chamou a atenção de Aline:
Você foi totalmente desnecessária beijando ela. Tem diversas crianças assistindo o programa.
Em seguida, ele comentou com outro participante:
Se deixasse, essas duas iam trepar lá em cima. Uma em cima da outra, roçando.
'Exotificação'
Segundo Amanda, o incômodo vem a partir da exotificação desse beijo, algo que ainda é visto como fora da normalidade.
Questionar a orientação sexual ou do desejo de alguém mostra o quanto a pessoa é contrária à aceitação de outras pessoas. Numa sociedade que aceita outras orientações, esse tipo de comentário nem caberia.
Amanda Kamanchek, gerente da ONG Think Olga
Erasmo opinou: "Hoje em dia tem essa causa do feminismo, uma causa tão poderosa e verdadeira. Mas as mulheres, querendo ou não, também estão banalizando isso. No sentindo de qualquer coisa você levar para esse lado. A causa das mulheres fica uma coisa banalizada, sabe?".
Banalizar a luta das mulheres é não entender que o machismo é um sistema de opressão que também opera contra os homens, diz Amanda.
"Quando esse sujeito não aceita que a sua educação e a forma como ele aprendeu a ser homem faz parte de um sistema opressor, essa rejeição a entender que ele é parte de um sistema machista é colocar a discussão em cima do sujeito, e não em cima de um sistema que é social e que faz parte da nossa educação como cultura', aponta. "Então, é basicamente uma não-aceitação do que é ser homem nessa sociedade. Banal é tentar disputar um discurso e colocar isso como problema menor."
Caso Nego do Borel
Quando Dayane Mello foi vítima de estupro por Nego do Borel, Erasmo comentou com outros participantes que ela estaria tentando "causar e aparecer".
"A cultura do estupro envolve todo mundo, é um pouco esperado esse tipo de comportamento e de fala. Chocante não é. É comum. Mas também mostra o quanto a gente banaliza a violência, na verdade. E mostra a dificuldade de entendermos o que é uma relação consensual, em que o direito da mulher à sua liberdade sexual e o direito a dizer 'não' é algo que está muito no centro dessa conversa", analisa Amanda.
"Você qualifica e moraliza a qual mulher cabe o título de quem merece ou não ser estuprada, ao invés de questionar como as relações são estabelecidas entre homens e mulheres e o quanto essa liberdade sexual não é respeitada", complementa.
Impacto em quem assiste
Em outra situação, Erasmo foi agressivo com Erika ao tentar ajudá-la a acender o fogão a lenha. "Vou precisar desenhar?", esbravejou. "Você é bem grosso, né, Erasmo?", respondeu Erika.
"É muito sexista esse comportamento, no sentido de os papéis que homem e mulher são ensinados a exercer e a desqualificação quando alguém foge ao que é esperado. Toda vez que a mulher foge ao que é esperado, socialmente, culturalmente, do papel que ela exerce, esse tipo de comentário violento aparece", aponta Amanda.
Para a gerente da Think Olga, vale analisar também o quanto a emissora e os responsáveis pelo programa têm de responsabilidade nas falas de participantes como Erasmo.
"O mais absurdo é a falta de posicionamento, você ter um programa de televisão que está sendo assistido, que está transmitindo comportamentos violentos e não se pronuncia, não se coloca como responsável por essa violência que está sendo assistida diariamente por milhares de pessoas", diz.
Para ela, há um retrocesso em exibir falas e comportamentos machistas dos participantes, mas sem educar o telespectador. Uma vez dentro de um reality, os "peões" são alçados à posição de influenciadores e suas falas impactam diretamente em quem assiste.
Se um reality show se coloca nesse lugar e não reflete outros avanços que a gente tem dessa pauta social e dos direitos das mulheres, é um grande retrocesso e uma tentativa clara de polemizar essa agenda, mas não de um jeito educativo, e sim de um jeito ofensivo para as mulheres.
"Não é porque se trata de um reality que isso não impacta pessoas reais dentro e fora daquele contexto, basta ver o caso de estupro. Esses casos não estão além da nossa legislação só porque estão acontecendo num contexto de reality show. São pessoas reais", pontua Amanda.
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