Engenheira quer empoderar coletoras de material reciclável
A engenheira ambiental Marielle Rezende, 35, foi criada para enfrentar e não aceitar as diferenças de gênero e o machismo estrutural. O exemplo da mãe e o companheirismo do pai foram os diferenciais para ela e as três irmãs. "Minha mãe sempre dizia para a gente não depender de ninguém. E meu pai é um homem incrível, que está com a gente o tempo inteiro", conta a mineira de Pouso Alegre, que é finalista da categoria Representantes Avon, do Prêmio Inspiradoras.
Ela tem consciência do privilégio que foi poder contar com uma base familiar tão positiva. A mãe também dizia para as filhas nunca deixarem homem algum menosprezá-las. Quando Marielle escolheu uma carreira predominantemente masculina, ela estava pronta para lidar com as piadas, as brincadeiras e o preconceito. "Sempre fui muito brincalhona, então qualquer coisa que vinha eu rebatia com alguma brincadeira. Eu não precisava provar nada para ninguém".
Paralelamente a sua atuação profissional e acadêmica, Marielle se dedica ao Recicla Vidas, um projeto com o objetivo de melhorar a qualidade de vida de coletores de recicláveis na cidade de Poços de Caldas (MG) que fazem parte da Coopersul (Cooperativa de Trabalho Regional Sul de Reciclagem e Preservação de Poços de Caldas). No desenvolvimento do projeto, ela começou a refletir sobre a realidade desses trabalhadores e a necessidade de empoderar mulheres.
Muitos casos presenciados no dia a dia da cooperativa chamaram a atenção da engenheira, mas ela destaca dois. Certo dia, uma das mulheres chegou toda machucada, com sinais de violência doméstica, mas disse que havia caído da escada e não quis falar mais sobre o assunto. "A gente tentou se aproximar dela de outras formas, mas não teve jeito. E isso começou a acender uma luzinha", conta.
Até que outra cooperada disse que estar lá significava liberdade para ela. A a luzinha, então, virou ideia. "Ela me disse que tinha sido casada, mas que o marido não a deixava fazer nada, não deixava trabalhar e que só de estar lá ela estava livre", diz.
Assim, nasceu o Recicla Vida Mulheres, um projeto que ainda está no papel, mas tem como objetivo empoderar as coletoras de material reciclável para que tenham mais autonomia e segurança dentro e fora de casa. Outro objetivo importante era melhorar o ambiente da cooperativa de reciclagem para garantir conforto e segurança às coletoras.
Percebi a necessidade de criar um espaço para que as mulheres pudessem trocar experiências e receber apoio depois que uma das cooperadas me disse que estar lá, trabalhando, significava liberdade para ela.
Marielle Rezende
O projeto ainda está em elaboração, mas Marielle já causou impacto no grupo.
Temos uma afinidade muito grande. Aprendi muito com ela no escritório, até coisas simples que eu tinha dificuldade. Ela é uma pessoa sempre disponível e acabamos criando um vínculo de amizade. Fez uma diferença muito grande na minha vida.
Milquias Regina dos Santos Machado, cooperada da Coopersul.
"Fui firme e forte"
"A questão da igualdade de gênero está na minha vida o tempo inteiro", diz Marielle ao lembrar da experiência universitária na Unifei (Universidade Federal de Itajubá), uma tradicional escola de engenharia. Quando iniciou a graduação, em 2006, apenas o curso dela tinha equilíbrio entre homens e mulheres. "O resto era assim 70 homens e 10 mulheres, algo muito forte. Só engenharia ambiental era meio a meio".
No segundo ano do curso, ela teve a oportunidade de fazer uma iniciação científica com um projeto sobre a relação de gênero nos cursos de engenharia. Depois de entrevistar praticamente todas as alunas, encontrou um ponto comum. "Várias, senão todas, já tinham sofrido algum episódio de preconceito, piadas ou discriminação. Estávamos em pleno século 21, numa universidade federal, e ninguém falava sobre isso".
Em 2010, Marielle participou de um processo seletivo da petrolífera Schlumberger restrito a mulheres para concorrer a um estágio internacional. A prova era uma redação sobre a mulher na engenharia com o tema "Por que prefiro botas com biqueira de aço a salto alto" (um jogo de palavras com os termos em inglês "steel toes" e "stilettos"). Marielle fez sua redação usando os dados da iniciação científica, ficou em primeiro lugar e ganhou um estágio de três meses para trabalhar com petróleo na Colômbia.
A mineira conta que sempre teve um jeito para escapar das situações difíceis de machismo, mas que um episódio foi marcante na temporada de estágio. Depois de acompanhar o chefe durante alguns dias em um procedimento de checagem em que seis homens tinham que levantar manualmente uma broca na plataforma, chegou a vez de ela coordenar a tarefa sem ele. "Você imagina seis homens, fortes, fortes", diz, enfatizando a potência deles. Quando chegou lá e disse que ela conduziria a tarefa sozinha, sentiu o peso dos olhares do grupo e pensou: "Das duas, uma. Ou eu vou abaixar a cabeça e vou arregar, ou vou ignorar". E foi isso que ela fez. "Fui firme e forte".
Pensar sobre como a mulher é sempre observada e julgada levou Marielle a refletir sobre suas próprias posturas. Ela nunca quis ser avaliada pela aparência e se esforçava para chamar o mínimo de atenção possível para o próprio corpo. Com o tempo, passou a se questionar sobre por que tinha que se esconder para ser ouvida. "É esse o padrão, mas isso está errado", conclui.
Reciclando vidas
Marielle conta que, ao conhecer o trabalho das cooperativas de coletores, detectou a dura realidade de quem está na ponta do sistema. Enquanto todos na cadeia de resíduos sólidos estão ganhando dinheiro, quem está no final não é remunerado, não é profissionalizado. "Eles vendem o almoço para comprar a janta", diz. Uma de suas vitórias é ter conseguido firmar um contrato com um hospital da cidade para que o Recicla Vidas faça a coleta do material reciclável e gere renda para a equipe.
O projeto conta atualmente com quase três dezenas de cooperados que trabalham não só com material reciclado, mas também com compostagem. "Poder ver que a gente está conseguindo melhorar as condições, melhorar a motivação, melhorar o ganho financeiro e dar novas possibilidades aos cooperados dá uma satisfação muito grande", afirma Marielle.
"Eu sempre tive muita sorte de amar o que eu faço e sempre faço com muita empolgação. A gente sabe que vai tomar uns tombos de vez em quando, mas eu gosto muito do que eu faço, de poder ajudar as pessoas".
Sobre o Prêmio Inspiradoras
O Prêmio Inspiradoras é uma iniciativa de Universa e do Instituto Avon, que tem como missão descobrir, reconhecer e dar maior visibilidade a mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras. São 21 finalistas, divididas em sete categorias. Além de Representantes Avon, tem também: Inovação em Câncer de Mama, Informação para vida, Conscientização e Acolhimento, Acesso à Justiça, Equidade e Cidadania e Esporte e Cultura.
Para escolher suas favoritas, basta clicar na votação a seguir. Está difícil se decidir? Não tem problema: você pode votar quantas vezes quiser. Também vale fazer campanha, enviando este e os outros conteúdos da premiação para quem você quiser. Para saber mais detalhes sobre a votação, é só consultar o Regulamento.
No mês que vem, durante dos 21 dias de enfrentamento à violência, uma série de lives com as finalistas de todas as categorias vai debater este e outros temas relacionados ao universo feminino. Dá para acompanhar as novidades no portal Universa e em nossas redes sociais.
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