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'Conhecer minha história me ajudou a enfrentar racismo', diz estudante

A família da adolescente Fatou N"Diaye na série "Por uma Educação Antirracista" - Divulgação
A família da adolescente Fatou N'Diaye na série "Por uma Educação Antirracista" Imagem: Divulgação

Mariana Toledo

Colaboração para Universa

13/10/2021 04h00

Como é possível ter uma educação antirracista nas escolas e dentro de casa? Como as escolas podem ser uma extensão da comunidade ao abordar as vertentes plurais do Brasil? Qual a importância de se investigar as origens históricas do racismo para superá-lo? Essas são algumas das questões abordadas na minissérie "Por Uma Educação Antirracista", da produtora Maria Farinha Filmes, lançada na segunda-feira (11) no GNT e no YouTube do canal. Na TV, os episódios inéditos serão lançados de segunda a sexta, às 18h. Já na internet, eles estarão disponíveis nas mesmas datas, a partir das 13h.

Com direção e roteiro de Shirlene Paixão, "Por Uma Educação Antirracista" é um manifesto que apresenta caminhos para uma revisão urgente da educação. Os episódios convidam jovens, adultos, idosos, indígenas, negros, orientais e brancos a se engajarem no tema para que ajudem a modificar as práticas educacionais que se perpetuam do passado até os dias de hoje.

A produção entra na casa das famílias de Samara Felippo, Aline Wirley, Luana Génot, Márcia Kambeba e Fatou N'Diaye, esta última uma adolescente de 16 anos que se define como estudante, colunista e antirracista. No episódio de Fatou e sua família, o tema central é educação e comunidade. Ela e seus familiares refletem sobre como a troca entre diferentes culturas e religiões traz o enriquecimento do olhar e como buscar outras fontes de conhecimento nos faz entrar em contato com uma história diferente da eurocêntrica que normalmente é ensinada nas escolas.

"A educação antirracista tem que ir além das pessoas negras. Existe essa mania de deixar para o jovem negro tratar sobre o tema, mas esse é um debate que deve ser feito por negros e por brancos", disse Fatou N'Diaye em bate-papo exclusivo com Universa. "Educação antirracista é aquela que educa para buscar equidade em todos os espaços. É essencial falar sobre o tema em todos os lugares mas, principalmente, na escola, porque é ali que estamos formando personalidades e líderes do futuro", completou.

Para a jovem, entrar em contato com uma educação que não reforça racismos e estereótipos — e que, pelo contrário, conta a história do povo preto e de todas as suas contribuições — tem um papel fundamental na infância. "São muitos os impactos positivos. Estamos falando de uma criança e de, futuramente, um jovem que estará muito mais preparado para o mundo globalizado. Ele vai sair da escola com uma visão multiplural, que não fica presa à história eurocêntrica, que traz oportunidades de entender e conhecer outros povos. Isso acaba formando um ser humano melhor."

Memória é potência

Em um dos trechos do episódio, Fatou declara que "memória é potência" ao refletir sobre suas origens e a importância que o conhecimento a respeito delas trouxe para a sua vida. "Saber das suas origens te dá muito mais força para conseguir lutar pelos seus direitos. Quando sofri meu principal episódio de racismo, o que me ajudou a lidar foi o fato de ter uma base familiar forte, conhecer minha história, saber de onde eu vim. Isso também está ligado ao epistemicídio, é preciso mostrar que outros povos não-brancos também produziram conhecimento e coisas relevantes. Assim, você consegue mudar a visão da sociedade como um todo", afirma.

Educação para todos

Luana Tolentino, autora do livro "Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão e sala de aula" - Divulgação  - Divulgação
Luana Tolentino, autora do livro "Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão e sala de aula"
Imagem: Divulgação

Luana Tolentino é mestra em Educação pela UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto) e autora do livro "Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão e sala de aula", lançado em 2018 pela Mazza Edições.

Ela é uma das especialistas que participa da série. Para Universa, ela define: "Uma escola antirracista é aquela que tem o compromisso ético, moral e humanístico de combater e superar o racismo - que se faz presente na sociedade e, infelizmente, também invade as escolas. É uma escola que tem um compromisso com a diversidade e com a pluralidade existente no mundo e no nosso país. Por fim, uma escola que se compromete a elevar a autoestima das crianças e dos jovens negros, educar para a sua valorização e o reconhecimento da sua cultura".

A educadora concorda com Fatou ao dizer que a educação antirracista não é só para os negros: "É um equívoco pensar assim. Ela é para todos, para a toda a sociedade".

Os brancos também são afetados por esse racismo no sentido que ele estreita a capacidade de pensar e refletir. Somos todos pertencentes a essa sociedade plurirracial

A força da juventude

Luana olha para os jovens hoje em dia — como Fatou, de quem ela se declara uma grande admiradora — com otimismo. "É uma juventude ativa no processo de combate ao racismo e que tem muito acesso a todas essas questões. Ela está em meio a uma efervescência: a afirmação da luta antirracista no Brasil. As redes sociais exercem um papel importante e têm um potencial educador da juventude. Afinal, não podemos esquecer que os jovens passam mais tempo conectados na internet do que na escola. Eles estão sedentos para discutir essa temática e a se engajar", observa.

A educadora também reforça que essa educação antirracista deva se dar em todos os espaços, tais como igreja, clube, escola, TV, internet. "Somos uma junção de todos esses espaços". No caso da educação dentro de casa, ela defende o exemplo como "um recurso pedagógico valiosíssimo", uma vez que muitas das práticas racistas são aprendidas no espaço do lar.

"Uma vez, estava visitando uma amiga. Do lado de fora da casa, toquei a campainha diversas vezes e ninguém atendeu. Comecei a andar em volta da residência até que uma criança me viu e falou para sua mãe chamar a polícia. A mãe, em vez de rebater, concordou com a ideia. Aí eu questiono: em que momento as crianças aprenderam isso? Começa na primeira infância. É preciso ficar atento ao que os filhos consomem e também aos olhares, conversas e discussões", pontua.

Por fim, Luana fala da importância de educar a partir das demandas da criança: "Quando ela levanta a bola sobre determinados assuntos, não devemos fugir. Os pais devem aproveitar a oportunidade de tratar aquela questão, e não transformá-la em tabu".