Advogada defende Lei Maria da Penha de tentativas de enfraquecimento
Desde que entrou em vigor, em 2006, a Lei Maria da Penha vem sendo alvo frequente de tentativas de enfraquecimento. Contra esse movimento, atua um grupo de juristas e advogadas entre as quais se destaca (apesar das constantes tentativas de fugir dos holofotes) Myllena Calasans, 46, finalista na categoria Acesso à Justiça do Prêmio Inspiradoras 2021.
Baiana de Ribeira do Pombal, a advogada faz parte do Consórcio Lei Maria da Penha, formado em 2002 por organizações não governamentais, juristas e feministas especialistas no assunto que criaram o anteprojeto da lei e participaram das articulações políticas para aprová-la. Graças a sua trajetória, Myllena é reconhecida não só por pares, mas pela própria Maria da Penha.
Conheci a Myllena nas reuniões do consórcio e me impressionou aquela moça com tão pouca idade e tanto conhecimento. Ela é uma advogada aguerrida e comprometida com a defesa da Lei Maria da Penha e com a luta por uma vida mais digna para nossas mulheres.
Maria da Penha
Por seu incansável trabalho de defesa da lei, Myllena já foi até chamada de "guardiã". Na prática, a tarefa de proteção consiste em acompanhar as propostas de mudança da norma, produzindo notas técnicas, pesquisas e análises para garantir sua integridade.
Só em 2019, 236 projetos de alteração estiveram em tramitação na Câmara dos Deputados. Segundo levantamento feito por Myllena e outras duas colegas, desse total, 151 modificam diretamente e 85, indiretamente o texto da lei. Essa constante vigilância é louvada por Maria da Penha.
Se não fosse o acompanhamento de advogadas feministas e outros grupos que atuam como guardiães, a lei já teria sido muito mais atacada com modificações que representariam seu afrouxamento.
Maria da Penha
Uma coisa maravilhosa
Discreta e de fala tranquila, Myllena ri ao dizer que não se vê como protagonista do movimento."Eu me considero uma ponte entre todas as advogadas feministas que atuaram nessas organizações", diz. Ainda assim, seu trabalho é reconhecido mesmo fora do âmbito jurídico.
Certa vez, estava em Salvador com uma amiga no Rio Vermelho e uma mulher, ao saber quem ela era, se ajoelhou para agradecer a advogada por seu trabalho de construção da Lei Maria da Penha. Disse que a norma mudou sua vida e, se existisse há mais tempo, a vida da mãe dela teria sido diferente. "Eu disse que era só uma lei e ela disse que era mais, que era uma coisa maravilhosa".
A baiana diz se sentir realizada com o que fez até agora, mas acredita que o trabalho não acabou. "Me sinto muito orgulhosa de ter construído conjuntamente a Lei Maria da Penha, mas vejo que tem muita coisa ainda para ser feita".
Segundo Fabiana Severi, professora de Direito e coordenadora do Centro de Estudos em Direito e Desigualdades na USP de Ribeirão Preto (SP), a humildade é uma característica de Myllena. Ela descreve a colega fazendo uma analogia com uma agulha, que leva a linha de um ponto ao outro e que, depois que o trabalho está pronto, não é vista.
Ela faz a costura das ações políticas do movimento feminista do Brasil considerando as mulheres que estão no Direito e em outras áreas. Fabiana Severi, professora de Direito e coordenadora do Centro de Estudos em Direito e Desigualdades na USP de Ribeirão Preto (SP)
"Não são casos, é uma causa"
Myllena saiu da casa dos pais ainda na adolescência para fazer o ensino médio em Salvador, em busca de uma educação de melhor qualidade. Cursou Direito na Universidade Federal da Bahia (UFBA), sendo a primeira da família a fazer faculdade.
"Foi um esforço conjunto da minha família, que não tinha uma condição financeira privilegiada", diz. O pai era dono de um pequeno bar e a mãe dedicava-se aos cuidados dos seis filhos. A família ainda tinha uma pequena roça, onde apenas os homens trabalhavam.
As mulheres ficavam com as tarefas domésticas. Essa divisão incomodava Myllena, especialmente quando sobrava para ela enxugar o banheiro depois que o pai tomava banho. "Por que eu tinha que limpar se ele que tinha molhado?", conta aos risos.
O percurso pelas questões de gênero e direito da mulher veio naturalmente ao longo da faculdade. No primeiro momento, sentiu que não havia base teórica para se falar de direitos da mulher e de feminismo e mergulhou em atividades voltadas para os direitos humanos. "A questão dos direitos das mulheres era muito incipiente. Eram quase inexistentes os trabalhos de correlação entre Direito e feminismo".
Estudiosa e dedicada, buscou as bases teóricas em outros cursos em que era mais fácil encontrar leituras aprofundadas e críticas. "Na Filosofia, nas Ciências Sociais e até nos estudos de Educação já havia uma atenção para o tema, mas no Direito não havia um olhar para gênero ou raça, apesar de estarmos na Bahia", diz.
A virada total para a leitura do Direito a partir do olhar das questões de gênero aconteceu quando ela entrou no Cfemea (Centro Feministra de Estudos e Assessoria) em 2003. O trabalho para consolidar a proposta específica para proteção de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, que viria a ser a Lei Maria da Penha, envolveu grupos de discussão e intensa articulação política, essa última um dos destaques da atuação de Myllena.
"O trabalho que ela fez junto aos parlamentares para aprovação da lei é histórico. Ela é a responsável por grande parte da articulação que resultou no sucesso da lei", afirma Fabiana.
Myllena diz que a repercussão da lei foi surpreendente. Com a aprovação, vieram inúmeras demandas de municípios e agentes públicos por explicações e informações. Em 2007, ela criou, junto com a também advogada Iáris Ramalho Cortês, uma cartilha de orientação prática para a aplicação da lei e sua inclusão nos orçamentos públicos. "Até hoje ela é citada em dissertações, monografias e teses como fonte", conta Myllena.
Na atuação como advogada, Myllena tem contato direto com histórias de mulheres em situação de violência e diz que a força vem de acreditar no trabalho, mesmo que alguns resultados ainda demorem a aparecer. "Para mim, não são casos, é uma causa".
Sobre o Prêmio Inspiradoras
O Prêmio Inspiradoras é uma iniciativa de Universa e do Instituto Avon, que tem como missão descobrir, reconhecer e dar maior visibilidade a mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras. São 21 finalistas, divididas em sete categorias. Além de Acesso à Justiça, tem também: Inovação em Câncer de Mama, Informação para vida, Conscientização e Acolhimento, Equidade e Cidadania, Esporte e Cultura e Representantes Avon.
Para escolher suas favoritas, basta clicar na votação a seguir. Está difícil se decidir? Não tem problema: você pode votar quantas vezes quiser. Também vale fazer campanha, enviando este e os outros conteúdos da premiação para quem você quiser. Para saber mais detalhes sobre a votação, é só consultar o Regulamento.
No mês que vem, durante dos 21 dias de enfrentamento à violência, uma série de lives com as finalistas de todas as categorias vai debater este e outros temas relacionados ao universo feminino. Dá para acompanhar as novidades no portal Universa e em nossas redes sociais.
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