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Elas conquistaram o direito de registrar a primeira filha antes do parto

Priscilla (esq) e Jéssica se casaram há dois anos e serão mães pela primeira vez em fevereiro de 2022 - Arquivo pessoal
Priscilla (esq) e Jéssica se casaram há dois anos e serão mães pela primeira vez em fevereiro de 2022 Imagem: Arquivo pessoal

Luiza Souto

De Universa

20/10/2021 04h00

Juntas há sete anos, a técnica em enfermagem Priscilla Lopes, 33, e a tosadora Jéssica Silva, 27, serão mães pela primeira vez em fevereiro, um sonho adiado por causa da pandemia do coronavírus. E para garantir que tudo ocorra como o planejado —e que seus direitos sejam respeitados—, elas já até conseguiram um alvará para registrar a criança com seus nomes: Jéssica fez uma inseminação caseira, método não regulamentado pela Justiça brasileira.

Esse foi o primeiro caso que passou pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro em que um casal homoafetivo conquista o direito de registrar seu filho antes mesmo do nascimento. Após a decisão favorável na Justiça, dada em setembro último, o órgão já recebeu mais 10 duplas querendo seguir o mesmo caminho do casal de São Gonçalo, na região metropolitana.

"Sabíamos que se saísse o alvará naquele momento, seríamos o primeiro casal LGBTQIA+ do estado do Rio a conseguir esse feito. Com certeza abrimos portas, tanto que muitos outros casais já entraram em contato para saber sobre o processo", conta Priscilla.

Priscilla Lopes (esq) e Jéssica Silva serão mães pela primeira vez em fevereiro - Reprodução/Instagram @obebedelas - Reprodução/Instagram @obebedelas
Priscilla (esq) e Jéssica conseguiram o alvará para registrar a filha em setembro último
Imagem: Reprodução/Instagram @obebedelas

Por uma resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), duas mães só podem registrar uma criança logo após seu nascimento se ela for fecundada em clínica, com assistência médica. Assim que o bebê nasce, o casal leva a documentação ao cartório comprovando o método para a emissão da certidão com o nome das duas mães.

Num caso como o de Priscilla e Jéssica, por ter sido inseminação caseira, somente uma delas poderia registrar Sarah, nome escolhido pelo casal, e esperar um tempo para entrar com uma ação e assim incluir o nome da segunda mãe, pela chamada filiação socioafetiva. Quem explica é a defensora pública Mirela Assad, coordenadora do Nudiversis (Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e dos Direitos Homoafetivos), que atuou no caso:

"Nesse intervalo de espera, de meses e talvez anos, a criança fica resguardada só por uma das mães. Se acontece alguma coisa, ela fica desprotegida".

Para garantir que o casal tivesse um alvará autorizando o registro da criança no seu nascimento, a defensora entrou com o pedido na Justiça Itinerante, que dá a decisão na hora.

"A tendência é permitir o registro pelas duas mães independentemente do método. Muitas fazem a inseminação caseira por causa do valor cobrado em clínicas, e é preciso reconhecer que essa inseminação caseira tem tanto valor quanto a feita na clínica. O maior interesse é o de proteger a criança", Mirela observa.

A advogada Bruna Andrade, especialista nos direitos da população LGBTQIA+, recomenda mesmo que os casais sigam o exemplo de Priscilla e Jéssica, e entrem com uma ação de reconhecimento socioafetivo assim que comprovada a gravidez:

"A Justiça tem dado os alvarás, e não tenho perdido nenhum processo. Todos os casais que pediram acabaram conseguindo esse documento antes do nascimento da criança. É uma linha de raciocínio que a gente segue há alguns anos e funciona super bem."

Casada com Priscilla há dois anos, Jéssica terá a primeira filha em fevereiro de 2022 - Reprodução/Instagram @obebedelas - Reprodução/Instagram @obebedelas
Jéssica está no quinto mês de gestação
Imagem: Reprodução/Instagram @obebedelas

'Vamos ensiná-la a olhar o outro como queremos ser tratadas'

A Universa, as duas contam que sempre tiveram o desejo de gestar uma criança, e casadas há dois anos, conversaram pela primeira vez sobre ter um bebê em meados de 2020, quando o mundo vivia a quarentena para conter o avanço da covid-19.

Jéssica fala que a conversa foi retomada no início deste ano, quando decidiram que ela, por ser mais nova, seria a primeira a gerar a filha.

A escolha pela inseminação caseira foi por questões financeiras: uma fertilização in vitro custa, no mínimo, R$ 15 mil. Elas então buscaram um doador de sêmen numa rede social. E o procedimento deu certo na segunda tentativa. Priscilla nem consegue descrever o que sentiu ao ver o teste positivo para a gravidez da companheira.

"Não tem nem palavras para descrever esse momento. Tudo bem que já esperávamos, mas a sensação ao ver o positivo é fora do comum. Estamos radiantes porque foi algo muito planejado durante uma vida inteira", emociona-se Priscilla.

A preocupação das duas agora é ver a filha crescer numa sociedade com menos preconceito, em que não será preciso buscar a Justiça para registrar um filho.

"Vamos ensinar a nossa filha a respeitar o próximo e ter amor, a olhar para o outro como igual, da mesma forma como queremos ser tratadas."

Se cada um ensinar o seu filho a olhar o mundo como a si mesmo, ele será melhor

Priscilla Lopes