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'Tu é minha empregada': vereadora de Porto Alegre registra B.O. por racismo

Camila Brandalise

De Universa

21/10/2021 16h27

A vereadora de Porto Alegre Bruna Rodrigues (PCdoB) registrou um boletim de ocorrência por racismo após ter sido chamada de "lixo" e de "empregada" por uma mulher branca durante sessão da Câmara de Vereadores da capital gaúcha na quarta-feira (20). Estava em pauta a votação sobre o veto do prefeito Sebastião Melo (MDB-RS) ao projeto que criaria o passaporte da vacina.

Segundo relato de Rodrigues em conversa com Universa, um grupo de manifestantes antivacina se acomodou no plenário para acompanhar a votação. Em dado momento, um homem levantou um cartaz com uma suástica nazista e, na sequência, foi solicitado pelo presidente da sessão, vereador Idenir Cecchim (MDB-RS), que ele e os outros integrantes do grupo fossem retirados do local. Sem sucesso, pediu que todo mundo saísse do plenário.

"Começou um empurra-empurra, eu e outras colegas da bancada negra fomos saindo e, de repente, essa mulher se virou para nós e começou a nos chamar de 'lixo'", conta Rodrigues. "Havia outros integrantes da oposição ao nosso redor, mas ela só olhava e apontava para nós, negras. Respondi dizendo que era uma vereadora eleita, e ouvi que era 'empregada' dela."

Em vídeo divulgado nas redes sociais, é possível ouvir a mulher chamando Rodrigues e outras colegas parlamentares de lixo e, comprovando seu relato, ela aponta para a vereadora e diz: "Tu é minha empregada".

"Nem eu nem ninguém ali somos empregados. Somos representantes eleitos pela população. Mas, na hora em que ela olhou para mim e disse isso, com raiva, me dei conta do que estava acontecendo", diz a parlamentar.

"Ela queria dar um recado, foi como se dissesse: 'Esse lugar, o plenário, a tribuna, não é teu'. A sociedade quer ver as mulheres negras só no lugar de quem serve", diz a parlamentar, que ainda afirma ter visto a mesma pessoa passando o dedo indicador sobre a pele do braço, mostrando ser branca.


"Já fui empregada doméstica, mas esse não é o único cargo que podemos ocupar"

Rodrigues ressalta que o fato de ser empregada doméstica não é, por si só, um demérito. "Eu já fui. Minha mãe foi, hoje é gari. E tenho muito orgulho dela", diz. "Mas não é esse o único cargo que temos que ocupar. Essa mulher buscou as parlamentares negras pra xingar, e passou o dedo indicador sobre a pele do braço. Há evidências, traços comprovando o racismo."

A vereadora afirma que a resistência vem da própria instituição. "Já fui barrada três vezes na entrada da Câmara nesse primeiro ano de mandato", diz ela, eleita em 2020. "No episódio de ontem, houve omissão institucional, os seguranças não foram capazes de preservar nossa integridade. Fui exposta ao ápice da violência."

A Câmara de Vereadores de Porto Alegre foi procurada pela reportagem para falar sobre o ocorrido e dizer se algum tipo de medida seria tomada em relação ao caso, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

Na tarde de quarta-feira, publicou uma nota oficial em seu site afirmando que "repudia com veemência qualquer tipo de manifestação política que utilize o expediente da violência".

"O plenário da Câmara Municipal é a expressão da democracia na capital dos gaúchos e suas decisões são soberanas. Este Legislativo rejeita qualquer forma de intimidação contra seus integrantes. Em hipótese alguma esta Câmara aceitará apologia à suástica, símbolo do período mais obscuro da história moderna da humanidade. Aqueles que buscam impor suas vontades pela força ou pelo terror nunca terão guarida nesta Casa. Pelo contrário, tais indivíduos serão submetidos ao rigor da lei e responsabilizados por seus atos."

Para Rodrigues, publicar uma nota não é suficiente. "Nenhum parlamentar deveria ter medo de ir para a tribuna. Mas eu tenho medo. Manifestar isso é concretizar a ineficiência da proteção dada a nós", opina.

Em relação ao boletim de ocorrência, o caso será investigado pela Delegacia de Combate à Intolerância. A mulher que proferiu as ofensas contra a parlamentar foi reconhecida pois fez cadastro ao entrar na Câmara.

"Única opção é ter força para seguir"

Ao registrar o boletim de ocorrência, a vereadora contou com a presença de parlamentares da bancada negra e de integrantes de movimentos sociais. Diz que, após a sessão, chorou ao chegar em casa, e ainda é difícil relembrar a situação. "Passar por isso dói, machuca. Não interessa quem a gente vai lutar para ser, quanta força faz pra mudar sua vida, a gente é preto e vai enfrentar racistas sempre", diz.

"Esse episódio de ontem, essa mulher, isso me marcou. Ela queria dizer o que sentia para mim porque a raiva é de quem eu sou, quem eu luto para ser, é da minha existência. Isso é muito cruel", afirma. "Mas a única opção é ter força para seguir. Não faço isso só por mim, mas por todas as mulheres negras."