Advogado de Mari Ferrer pede anulação do processo que absolveu empresário
Novos documentos sobre o caso Mariana Ferrer, 24, fizeram com que a acusação dela formulasse um pedido à Justiça de anulação de todo o processo com base na suspeição do juiz Rudson Marcos, responsável pelo julgamento do caso em 1ª instância. Na ação, o empresário André de Camargo Aranha, 45, é acusado de estupro de vulnerável contra a modelo e influenciadora digital. Ele foi absolvido na 1ª e na 2ª instâncias.
Esses novos documentos, a que Universa teve acesso, mostram que no dia 6 de outubro, um dia antes do julgamento em 2ª instânca, o juiz Rudson Marcos encaminhou um ofício para o desembargador Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva, um dos três responsáveis pelo julgamento que aconteceria no dia seguinte. Nesse ofício, Rudson solicita as peças processuais da ação para que pudesse utilizá-las em sua defesa no processo em que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) investiga sua conduta na audiência realizada em 1ª instância no dia 9 de setembro de 2020.
As imagens dessa audiência —realizada de forma remota— vazaram e viralizaram pela forma como o advogado de Aranha se dirige a Mariana, que chora. O CNJ avalia se o juiz foi omisso.
No mesmo ofício, Marcos também faz o pedido para que seja retirado o segredo de justiça do processo, determinado por ele próprio. O advogado do réu, Cláudio Gastão da Rosa Filho, afirmou em nota enviada à reportagem que "a defesa de manifestou no local devido, na Justiça, ponderando que não se opunha ao levantamento do sigilo, uma vez que era do próprio interesse de Mariana Ferrer". A quebra do sigilo foi negada pela Justiça.
Passados nove dias do envio do ofício, no dia 15 de outubro, o desembargador Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva indeferiu o pedido. No documento, o desembargador justificou a negativa dizendo que Rudson não é parte do processo e tampouco indicou quais peças processuais desejava obter. Por fim, também afirmou que requerimentos feitos por pessoas estranhas à ação devem ser feitos em autos separados, e não dentro do processo, como feito pelo juiz.
E-mail para o tribunal
No mesmo 6 de outubro, o juiz também encaminhou um e-mail para o secretário da 1ª Câmara Criminal do TJSC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina), Alexandre Hansel, onde seria julgado o processo em 2ª instância no dia seguinte. A mensagem continha cópia do ofício enviado ao desembargador e solicitava que ele fosse anexado ao processo original. Na mensagem, o juiz ainda reforça que o assunto já havia sido tratado por telefone e assina como titular da 3ª Vara Criminal de Florianópolis/SC. Hoje, Rudson deixou a Vara Criminal e atua como titular na Vara de Sucessões e Registros Públicos da Capital/SC.
Júlio Cesar Ferreira da Fonseca, advogado de Mariana Ferrer (que trabalha como assistente de acusação, já que o autor da ação é o Ministério Público), disse ter recebido com estranheza a notícia de que o juiz havia pedido a retirada de sigilo do processo, revertendo uma decisão que ele mesmo tomou —inclusive após o caso ter deixado a instância em que ele atua. "Se alguém disser que isso é normal, eu não sei o que é normal. Fiz um habeas corpus com pedido de anulação de todo o processo por suspeição do juiz."
Segundo o advogado, o pedido de anulação está baseado nos seguintes argumentos:
- A atuação do juiz Rudson, de acordo com o advogado, tem se dado em perfeita consonância com os interesse do réu --pedindo inclusive a quebra do sigilo do processo, que teria o objetivo de prejudicar a imagem de Mariana;
- A tentativa de exercer influência junto ao tribunal, explicitada, segundo Fonseca, no e-mail enviado para a 1ª Câmara Criminal do TJSC. A intenção seria manter a sentença de absolvição dada na 1ª instância
- O comportamento seletivo do juiz no julgamento em 1ª instância, ainda de acordo com a avaliação de Fonseca, tratando de maneira diferente André Aranha e Mariana Ferrer, sendo omisso ao permitir que a influenciadora digital fosse humilhada pelo advogado de defesa do réu;
- Interesse em obter peças do processo, mesmo sem haver qualquer relação com sua defesa disciplinar no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e tendo sua atuação já encerrada.
Fonseca ainda afirma que o andamento da ação deve ser suspenso até que o habeas corpus seja julgado.
A reportagem procurou o TJSC para obter um posicionamento oficial do órgão ou do juiz Rudson Marcos, mas a resposta é que nenhum dos dois vai se pronunciar oficialmente. "O Tribunal de Justiça de Santa Catarina reitera sua posição de não manifestar-se sobre processos que envolvam em qualquer grau ações que tramitam em segredo de Justiça", afirmou, em nota.
Provas robustas
Para o advogado criminal Marcelo Feller, o pedido de anulação não faz muito sentido pelo fato de a atuação do juiz Rudson Marcos no caso já ter se encerrado. Por outro lado, ele afirma que se surgirem provas de que, à época do julgamento em 1ª instância, o juiz tivesse algum interesse na causa, fosse na absolvição ou condenação, a situação pode, sim, mudar.
"O simples fato de solicitar a retirada do sigilo do processo eu não vejo um indicativo de algum interesse na causa", afirmou.
Feller ainda completou afirmando que são necessárias provas muito robustas e contundentes para que o pedido de anulação por suspeição seja aceito. "A princípio, acho improvável que a Justiça acate a argumentação, mas vai caber ao judiciário fazer a análise."
Já a advogada Renata Bravo, especialista em direitos da mulher, disse que é difícil opinar sem ter acesso ao processo todo, mas que o pedido de retirada do segredo de justiça feito pelo juiz Rudson Marcos causa estranheza, justamente porque ele não está mais atuando no processo. E falou sobre a coincidência de o o advogado do réu também ter pedido a remoção do segredo de Justiça repetidas vezes.
"Não digo que estão em conluio nem nada disso, seria uma acusação muito subjetiva e não é isso. Mas o pedido parece uma forma de expor a Mariana. Acho que o tempo inteiro ela está sendo exposta e sofrendo violência institucional. No primeiro grau foi por omissão do juiz e do promotor."
Ela também afirmou que não acha que apenas o ofício e o e-mail enviados pelo juiz sejam suficientes para levar o processo à anulação por suspeição. Para Renata, pode ser temerário afirmar que o juiz é suspeito por ter enviado o e-mail ou o ofício, mas o todo da situação pode indicar uma atuação parcial no caso.
"O juiz deve atuar de forma independente e imparcial, mas, a partir do momento que fica omisso e deixa a vítima sofrer uma violência institucional, é como se estivesse sendo inimigo da Mariana. E aí pensamos em uma situação de machismo estrutural, que muitas vezes ocorre no judiciário. Dizer que é suspeito de forma isolada pelo e-mail ou pelo ofício é temerário, mas vendo toda a situação e a omissão no primeiro grau, além do pedido reiterado de afastar o segredo de justiça, mostra que ao menos estão colocando Mariana em exposição. E isso não é papel do judiciário."
Relembre o caso
Em dezembro de 2018, Mariana Ferreira Borges, que trabalhava como influenciadora digital e também ocupava o cargo de embaixadora do estabelecimento Café de La Musique, um beach club de luxo em Florianópolis (SC), registrou um boletim de ocorrência alegando ter sido dopada e estuprada durante uma festa no local. Ela disse que ficou inconsciente e não se lembra de quem a teria violentado.
Com a falta de avanço nas investigações, no dia 20 de maio de 2019, usou suas redes sociais pela primeira vez para expor o caso e cobrar justiça. Desde então, a jovem utiliza suas contas no Twitter e no Instagram para falar sobre o caso e as questões envolvendo violência contra mulheres.
Em julho, após investigações da polícia, André de Camargo Aranha se tornou réu, sendo investigado por estupro de vulnerável —já que Mariana alega que não tinha condições de consentir o ato sexual. O exame toxicológico não constatou o consumo de álcool nem de drogas, mas a defesa da jovem diz que não foi descartada a possibilidade de ela ter sido dopada com outras substâncias, como ketamina.
No início das investigações, Aranha negou ter se aproximado da jovem naquela noite. Ele também se recusou a fazer exame de DNA a fim de que a polícia avaliasse se o seu material genético era compatível com o do esperma encontrado na roupa da influenciadora.
No entanto, a delegada responsável pelo caso na época, Caroline Monavique Pedreira, pediu que um copo de água usado pelo empresário durante seu depoimento fosse utilizado como referência. Os resultados comprovaram a compatibilidade entre o material genético dele e o esperma presente na calcinha de Mariana. Além disso, ele foi reconhecido nas imagens das câmeras de segurança do local subindo uma escada de mãos dadas com ela e foi apontado como suspeito por duas testemunhas. Um laudo do IML (Instituto Médico Legal) também comprovou o rompimento recente do hímen de Mariana.
"Esse seu choro dissimulado"
No dia 9 de setembro de 2020, houve o julgamento do caso em 1ª instância. Em novo depoimento, Aranha mudou sua versão dos fatos e confirmou ter tido contato com a jovem, porém alegou não se lembrar completamente do que aconteceu. Disse que ela o seduziu, que o contato entre os dois se deu de maneira breve e que ela teria praticado sexo oral nele.
Também durante a audiência, o advogado de Aranha, Cláudio Gastão da Rosa Filho, disse para Mariana que "não gostaria de ter uma filha do nível dela", além de expor imagens das redes sociais da influenciadora, sem relação com o caso. Ele também afirmou que ela tirou fotos em "posições ginecológicas" e "chupando o dedinho". As imagens da audiência foram divulgadas pelo site The Intercept e mostravam Mariana chorando diante do advogado, que afirmava: "Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lágrima de crocodilo".
Ao término da audiência, o juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, acatou a recomendação do MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) e julgou como improcedentes as denúncias da jovem. Absolveu o réu da acusação de estupro de vulnerável. À época, o MPSC se manifestou afirmando que Mariana não estaria mentindo, mas que também não tinha como comprovar o caso.
Na segunda instância, a decisão foi semelhante: falta de provas. Advogadas ouvidas por Universa na época, disseram que a absolvição foi "uma vergonha".
As imagens da audiência geraram muitas críticas e indignação com o comportamento do juiz Rudson Marcos e também do promotor Thiago Carriço de Oliveira, que não teriam feito interrupções a fim de evitar o constrangimento da vítima por parte do advogado do réu. Após o episódio, a Corregedoria do CNJ decidiu investigar a conduta do juiz.
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