Primeira negra da América Latina a chegar ao Everest é brasileira
Cerca de 6 mil montanhistas chegaram ao cume do Everest, o ponto mais alto do planeta, 8.848 metros acima do nível do mar. Os primeiros a atingir o topo do mundo foram o neozelandês Edmund Hillary e seu guia Tenzing Norgay, em 1953. Só bem depois, em 1975, uma mulher, a japonesa Junko Tabei conquistou o mesmo feito.
Nos últimos anos, centenas de montanhistas têm seguido a mesma trilha e, parte deles, quebra recordes específicos: a primeira pessoa com deficiência visual (Erik Weihenmayer, 2001); o mais jovem, aos 13 anos (Jordan Romero, 2010); o mais velho, aos 80 (Yuichiro Miura, 2013).
O feito da brasileira Aretha Duarte, 37, que chegou lá na última temporada de ascensão ao cume, em 23 de maio deste ano, é ter sido a primeira mulher negra latino-americana a pisar ali.
Finalista do Prêmio Inspiradoras, na categoria Esporte e Cultura, ela se destaca entre os outros atletas por outro motivo: a forma como pagou as caríssimas despesas da viagem.
Esse marco faz as pessoas refletirem. Vivemos num país em que mais de metade da população é negra, mas que não tem a possibilidade de praticar um esporte como o montanhismo, ou não consegue uma melhor colocação de trabalho por causa da cor da pele. Ainda falta equidade racial.
Aretha Duarte
Um terço dos 67 mil dólares veio da coleta e da venda de materiais recicláveis. Ao todo, ela arrecadou 130 toneladas em 13 meses. O outro terço foi custeado por sete patrocinadores e o restante, veio de bazares de roupas e leilões de itens doados de montanhismo que ela mesma organizou.
Durante os preparativos, a paulista nascida em Campinas diz que se incomodava quando diziam que ela seria a primeira mulher negra latino-americana a realizar a escalada. "Parecia que eu queria ser alguma coisa, mas eu só desejava chegar ao Everest", afirma. Com o tempo, Aretha diz que compreendeu o significado coletivo da sua jornada.
A americana Sophia Danenberg, primeira mulher negra a chegar ao Everest, em 2006, conhece bem as dificuldades dessa conquista. "O fato de eu, como a primeira mulher negra a escalar o Everest, ter feito isso mais de 50 anos depois dos primeiros a chegarem lá, reflete as grandes desigualdades da sociedade. É preciso dinheiro, recursos e tempo para atingir essa meta. E, em geral, as mulheres negras não têm nada disso."
Empreendedora desde a infância
Aretha mora em Campinas, a 98 km de São Paulo. É filha de um casal de pernambucanos que se mudou para lá há quase 40 anos. Eles chegaram à cidade sem ter onde morar e viveram os primeiros anos na periferia, num barraco de madeirite, onde Aretha nasceu. O lote, depois regularizado, deu lugar à casa em que a família vive até hoje, no Jardim Capivari. Lá, ela lembra ter vivido uma infância feliz, de ter sido muito amada e protegida pelos pais e os dois irmãos mais velhos.
Quando Aretha decidiu encarar a aventura no Everest sem ter recursos para tal, recorreu a uma alternativa já utilizada na infância.
Aos 10 anos, Aretha queria um par de patins e os pais não podiam lhe dar. Ela, então, juntou latas de alumínio para comprar o tão desejado brinquedo.
Mesmo na adversidade em que vivíamos, não enxergava isso como um problema. Diante da realidade, eu me perguntava: o que eu posso fazer?
Aretha Duarte
Ainda que com as dificuldades, a atleta conseguiu entrar para faculdade - foi a primeira da família num curso de graduação. Fez educação física, na PUC de Campinas. Foi na época de estudante que descobriu o montanhismo.
Em 2005, assistiu a uma palestra sobre o esporte e, desde então, teve certeza de que aquele universo precisava fazer parte da sua vida. Entre 2007 e 2011, prestou serviços, principalmente, em eventos de treinamentos corporativos para a Grade6, empresa dos profissionais que deram a palestra que a fez se apaixonar pelo montanhismo, até que foi contratada.
Em 2012, começou a escalar altas montanhas. O debut foi no Aconcágua (6.961 metros), na Argentina. E, desde então, já esteve em sete países como assistente ou guia de escaladas em montes como Elbrus (5.642 metros), na Rússia, Kilimanjaro (5.895 metros), na Tanzânia, e Potosi (6.088 metros), na Bolívia.
Rumo ao teto do mundo
No dia 1º de abril de 2021, Aretha embarcou para o Nepal, onde fica a face sudeste do Everest. Depois de cumprir o período de quarentena por causa da covid-19, ela fez o percurso de dez dias até o acampamento-base. No grupo que a acompanhava, além dos guias, havia outros sete brasileiros.
No chamado ciclo de aclimatação, em que os montanhistas sobem e descem, em um curto espaço de tempo, altitudes que variam de 6.400 a 7.500 metros, Aretha enfrentou momentos de angústia. Primeiro, teve um princípio de edema pulmonar, que a obrigou a ficar no acampamento-base. Depois, sofreu uma queimadura de retina por causa do excesso de neblina do local, precisando de mais repouso. "As pessoas do grupo achavam que eu não ia conseguir. Mas exercitei a resiliência e minha fé", conta.
Aretha relata que também sofreu com o machismo e o racismo de um colega do grupo. "Ele respondia com deboche e frases machistas ao que eu falava. Eu tinha dado mais de 100 entrevistas antes de ir e ele se mostrou incomodado com a minha visibilidade", explica. "Foi a primeira vez que senti o machismo e o racismo de forma individualizada", diz.
Depois de driblar essas barreiras e estar muito perto de atingir o cume junto com seu guia, Aretha quase viu o sonho terminar. O guia se sentiu mal com o frio de menos 20 graus e quis desistir. Ela pediu para seguir sozinha, guiando-se pelas cordas que há na montanha, mas ele não a autorizou. Emocionada, Aretha conta que se sentiu culpada ao pensar que estava pondo seu objetivo acima da segurança do guia. "Quando tirei a máscara de oxigênio e os óculos de proteção para me desculpar e dizer que poderíamos voltar, o guia enxugou minhas lágrimas e apontou para o cume", conta.
Eles seguiram e oito horas mais tarde, 54 dias depois de começar a subida, Aretha estava no topo do mundo. "Eu me ajoelhei e agradeci. Fiquei 15 minutos olhando a linda paisagem. Eu estava acima das nuvens, o horizonte lá longe. Era impressionante", conta.
O que Aretha conquistou é fenomenal, mas o que é mais impressionante é seu trabalho para inspirar outras mulheres e meninas no Brasil e em outros países a buscarem seus próprios sonhos, sejam eles quais forem.
Sophia Danenberg, primeira mulher negra a chegar ao cume do Everest
Agora, Aretha está se dedicando a algo em que acredita: o poder transformador do esporte. O projeto-piloto de uma parede de escalada será construído, no próximo ano, no Jardim Capivari. "Será um espaço de esporte, mas também de oferta de atividades para o desenvolvimento cognitivo, motor e psicológico das crianças. Quero que elas vejam que podem sonhar", afirma.
Sobre o Prêmio Inspiradoras
O Prêmio Inspiradoras é uma iniciativa de Universa e do Instituto Avon, que tem como missão descobrir, reconhecer e dar maior visibilidade a mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras. São 21 finalistas, divididas em sete categorias. Além de Esporte e Cultura, tem também: Inovação em Câncer de Mama, Informação para vida, Conscientização e Acolhimento, Acesso à Justiça, Equidade e Cidadania e Representantes Avon.
Para escolher suas favoritas, basta clicar na votação a seguir. Está difícil se decidir? Não tem problema: você pode votar quantas vezes quiser. Também vale fazer campanha, enviando este e os outros conteúdos da premiação para quem você quiser. Para saber mais detalhes sobre a votação, é só consultar o Regulamento.
No mês que vem, durante dos 21 dias de enfrentamento à violência, uma série de lives com as finalistas de todas as categorias vai debater este e outros temas relacionados ao universo feminino. Dá para acompanhar as novidades no portal Universa e em nossas redes sociais.
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