Trabalhadora doméstica luta contra abusos de empregadores
O dia a dia da pernambucana Luiza Batista, 65, é combater um problema crônico no Brasil: os abusos que patrões e patroas cometem contra as funcionárias que atuam dentro de suas casas. Há cinco anos, ela está à frente da coordenação da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, que representa 7,2 milhões de profissionais por todo o país.
Finalista do Prêmio Inspiradoras na categoria Equidade e Cidadania, Luiza é responsável por intensificar a cooperação com o Ministério Público do Trabalho (MPT) para ampliar a fiscalização e a punição do trabalho análogo à escravidão.
Ela intensificou os esforços na pandemia de covid-19, depois que casos de pessoas sendo mantidas em cárcere privado ganharam projeção nacional.
O problema é que temos uma constituição que diz que o lar é inviolável. O lar, diga-se de passagem, daquelas pessoas que têm a pele clara, os olhos claros, os cabelos lisos e uma boa conta bancária para que possam se dar ao luxo de pagar uma trabalhadora doméstica.
Luiza Batista
Uma das iniciativas da qual a Fenatrad participou foi a veiculação, em junho passado, de uma série de conteúdos para redes sociais com o título "Trabalhadoras domésticas e o impacto da pandemia".
A campanha nasceu da parceria com a ONU Mulheres Brasil, Organização Internacional do Trabalho (OIT), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), MPT do Rio de Janeiro, Themis, Movimento Negro Unificado (MNU) e Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB).
Luiza é uma liderança na melhor acepção da palavra. Ela reúne força, determinação para fazer os projetos acontecerem e uma enorme sensibilidade. À frente da Fenatrad, ela levantou um diálogo público sobre o trabalho doméstico. A questão ganhou mais visibilidade.
Márcia Soares, diretora executiva da Themis, organização da sociedade civil que atua na defesa e promoção dos direitos das mulheres
Ampliação dos esforços
Melhorar as condições do trabalho doméstico não é uma batalha fácil. A fiscalização é praticamente impossível, já que as residências são consideradas constitucionalmente invioláveis. Longe da sociedade e de testemunhas, patrões e patroas ficam livres para infringir as leis e cometer abusos.
"O sindicato e os fiscais do trabalho não podem entrar numa casa como fazem quando recebem denúncia de violação de direitos em uma fábrica, por isso temos de pensar em maneiras de chegar até o empregador dentro da lei", afirma Luiza.
Ela acredita que um passo importante para mudar a situação passa pela conscientização das empregadas domésticas sobre seus direitos. Para isso, a Fenatrad promove cursos. O mais recente deles é ofertado pelo WhatsApp.
Entre fevereiro e outubro de 2021, quase 700 mulheres já haviam participado do #DomésticasComDireitos, que tem, ao todo, 100 horas de duração e é gratuito. São aulas sobre direitos humanos e trabalhistas, além de capacitação sobre temas como cozinha sustentável, entre outros. Para participar, as profissionais receberam como incentivo recarga de celular e uma cesta básica.
Thais Carneiro tem 31 anos e há dez é empregada doméstica. Antes de fazer o curso, percebia que, por desconhecer as leis, acabava vulnerável às vontades dos empregadores. Tinha dificuldade, por exemplo, de negociar jornadas de trabalho e as tarefas pelas quais deveria ficar responsável. Depois de fazer o curso, conta estar mais segura sobre seus direitos.
Um curso pelo WhatsApp facilita bastante para quem não tem internet para acessar outras ferramentas. Além disso, dá para fazer quando há disponibilidade de tempo. Depois das aulas, entendi melhor sobre carga horária, o que é e o que não é minha obrigação fazer.
Thais Carneiro, aluna do curso
Logo no começo da pandemia, em março de 2020, a Fenatrad se preocupou ainda com o risco de as empregadas domésticas se contaminarem com a covid-19. Entre os estados, somente o governo de Pernambuco tirou o trabalho doméstico da lista de serviços essenciais.
Para incentivar os empregadores a dispensar as profissionais, sem corte de salários, a Fenatrad lançou a campanha Cuida de quem te cuida. Apesar da repercussão da campanha, Luiza lamenta que poucos foram os empregadores que seguiram a recomendação.
A exploração sentida na própria pele
Luiza nasceu em São Lourenço da Mata, região metropolitana de Recife. Viveu na zona rural com a família até que seu pai faleceu. A mãe, os dois irmãos e ela, a caçula, tiveram, então, de ir para a capital. Durante duas semanas, eles ficaram na rua, sem ter onde morar. "Fomos acolhidos por uma senhora que tinha um terreiro de candomblé. Ela juntou um grupo de filhos de santo para construir uma casinha de taipa para nós", lembra Luiza.
Com apenas 9 anos, ela começou a trabalhar numa casa para tomar conta de uma criança de 5 anos. Cuidava ainda do jardim, das plantas e fazia outras tarefas, como encerar o piso. Passava a semana toda na residência. Em troca, a patroa dava duas cestas básicas por mês. "Era isso que nos alimentava", diz.
Até que Luiza entrou em uma disputa com a menina de quem cuidava e acabou sendo espancada pela patroa. Ao tomar conhecimento do que havia acontecido, a mãe a tirou do emprego. "Foi um período bem difícil. A gente passou a vender milho assado na frente de uma igreja num bairro de classe média", recorda.
A mãe de Luiza, nessa época, fazia tratamento para tuberculose e, por isso, não encontrava emprego. Quando conseguiu, levava a filha junto para ajudar na arrumação da casa. Logo, a garota foi trabalhar na residência de outra pessoa, cuja nora era professora e a matriculou na escola. "Foi uma alegria muito grande estar numa sala de aula", conta Luiza.
Ela seguiu trabalhando como empregada doméstica. De um dos empregos precisou sair porque também teve tuberculose e ficou internada por três meses. Aos 19 anos, engravidou do namorado, que não assumiu o relacionamento nem a paternidade porque estava comprometido com outra mulher que tinha uma posição social, segundo a visão dele, melhor.
"Ele disse que não deixaria de se casar com uma moça que era caixa num supermercado para estar com uma 'peniqueira'. Aquilo me doeu", diz. A referência era às mulheres negras escravizadas no Brasil colonial, que eram obrigadas a carregar os penicos cheios para serem esvaziados nos córregos e rios.
Pouco depois, Luiza teve outro filho, trabalhou dois anos como cobradora de ônibus, mas voltou a ser empregada doméstica. Ficou 26 anos numa casa, onde se aposentou. "Eles sempre pagaram os meus direitos e se dirigiam a mim com respeito e dignidade", lembra. "Isso deveria ser algo comum a qualquer pessoa. Mas existem casos em que as trabalhadoras domésticas são tratadas de forma grosseira ou até agressiva. Isso mina a autoestima da pessoa", afirma.
Trabalho dedicado a todas as empregadas domésticas
Luiza entrou para o movimento sindical em 2006. Ela havia cursado apenas as quatro primeiras séries primárias e voltou a estudar naquela época graças a um programa do governo federal em parceria com a Fenatrad chamado Trabalho Doméstico Cidadão. Assim, completou os estudos e pôde ingressar no ensino médio, já na rede pública.
Enquanto estudava, conheceu melhor o sindicato e a luta das trabalhadoras domésticas por mais direitos. Decidiu, então, se juntar a elas. Três anos depois, tornou-se presidente do sindicato da categoria em Pernambuco. Até que em 2016, foi eleita coordenadora-geral da Fenatrad. Está agora em seu segundo mandato.
"Com uma capacidade enorme de diálogo, Luiza transita bem em todos os meios e conversa com várias organizações" afirma Márcia Soares, da Themis. "É preciso ter habilidade para unir as trabalhadoras domésticas num país desse tamanho, com toda a diversidade e o histórico de violação dos direitos que a categoria vive. Luiza tem essa capacidade", afirma Márcia Soares, da Themis.
Sobre o Prêmio Inspiradoras
O Prêmio Inspiradoras é uma iniciativa de Universa e do Instituto Avon, que tem como missão descobrir, reconhecer e dar maior visibilidade a mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras. São 21 finalistas, divididas em sete categorias. Além de Equidade e Cidadania, tem também: Esporte e Cultura, Inovação em Câncer de Mama, Informação para Vida, Conscientização e Acolhimento, Acesso à Justiça, e Representantes Avon.
Para escolher suas favoritas, basta clicar na votação a seguir. Está difícil se decidir? Não tem problema: você pode votar quantas vezes quiser. Também vale fazer campanha, enviando este e os outros conteúdos da premiação para quem você quiser. Para saber mais detalhes sobre a votação, é só consultar o Regulamento.
No mês que vem, durante dos 21 dias de enfrentamento à violência, uma série de lives com as finalistas de todas as categorias vai debater este e outros temas relacionados ao universo feminino. Dá para acompanhar as novidades no portal Universa e em nossas redes sociais.
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