Mães e lésbicas, elas se unem por dupla maternidade: "Acolhimento"
Na casa da jornalista Daniela Arrais e da fisioterapeuta Laura, a vida de dupla maternidade é comum: as duas são mães de Martin, de 7 meses, e se apoiam na criação do filho. Mas foi só terem ido a um parquinho e a uma exposição com o pequeno para notarem que a configuração da família fazia com que eles fossem "a atração" dos espaços.
Por representatividade e atrás de apoio de outras mães lésbicas, Daniela, que também é sócia de uma plataforma de conteúdo digital, resolveu criar um grupo no WhatsApp com mulheres que dividem a maternidade com suas parceiras. Faz bem para elas, para os filhos e para as crianças que estão perto destes núcleos familiares, contam as participantes do grupo chamado Dupla Maternidade. A ideia é mostrar que qualquer família que tenha afeto e cuidado — com duas mães ou qualquer outra configuração — é normal.
"O que a 'família tradicional brasileira' diz ser 'pouca vergonha' é natural para a criança. Inclusive é importante para ela ver outra formação de família. Nosso filho, Thomás, de seis meses, precisa crescer com a ideia de que é normal. Porque, de fato, é", comenta a fotógrafa Julie Asdurian, que faz parte da rede de apoio virtual.
Dupla maternidade: o desafio de se reconhecer
Daniela criou o grupo no WhatsApp há pouco mais de cinco meses para unir mulheres que vivem a maternidade lésbica. Com mais de 300 famílias integradas na rede de conversa, elas fizeram dois encontros presenciais em São Paulo — em espaço aberto e com distanciamento — para celebrar a existência de famílias nesse formato.
"Uma das mães comentou que o filho de 6 anos perguntou: 'Todo mundo aqui no parque tem duas mães?'. Era a primeira vez que ele via tantas famílias que eram iguais a dele", destaca a jornalista. "Por outro lado, quando viramos mãe, temos a necessidade de falar com outras mães. Na dupla maternidade, há questões só nossas, como a de uma participante que comentou que a filha levou da escola um presente de Dia dos Pais. Dividimos essas experiências, de nos sentirmos invisibilizadas, e também as alegrias".
A fotógrafa Julie é mãe de Thomás, de seis meses, ao lado da mulher, a secretária executiva Danielle Bastos. Ela conta que o suporte que o grupo dá tem a ver com identificação — o que dói nelas reverbera em histórias parecidas de outras mães. "Eu fui a mãe que gestei e sentimos que várias vezes a Dani se tornou invisível para os outros por eu ter estado grávida e ela, não."
As pessoas supunham que ela era uma tia, amiga, irmã, nunca que éramos um casal. Então, ter um grupo com pessoas que passaram por isso também é se sentir acolhida.
Para Daniela, a troca de ideias entre as participantes se fortalece em situações de preconceito contra orientação sexual, tão enraizado no cotidiano das pessoas. "Há questões como o registro das duas mães no CPF das crianças, a de não nos sentirmos representadas na publicidade e na mídia, a de ouvirmos que quem gestou é a 'mãe de verdade'".
Ou seja, o tempo inteiro, a gente precisa se fortalecer para dizer que nossa família existe e que é legítima, porque vivemos em uma sociedade heteronormativa e preconceituosa. Estar nesse grupo é ter essa força.
Rede de apoio de mães lésbicas: representatividade e sentimento de comunidade
Mães de Clara, 16 anos, e das gêmeas Cléo e Maya, de 4 anos, as pedagogas Valquíria Crivelaro e Débora Mello de Almeida estiveram em um encontro presencial do grupo criado por Daniela. Para Valquíria, o valor está no acolhimento e na troca de informações sobre a realidade das mulheres lésbicas com filhos.
"Falamos sobre fertilização in vitro, sobre ter gêmeos, que muitas têm, e a aceitação de tudo isso. No encontro, nos vimos na mesma formação de família. Isso é confortável e nos faz sentir acolhidas", destaca.
"A Débora passou pela gestação das gêmeas e eu, da Clara. Na gestação dela ainda não víamos tantos casais de mulheres no hospital, por exemplo. Ter uma rede de apoio de mães lésbicas dá importância à representatividade. Também acho importante para as crianças e para que todos saibam que o normal é ser diferente e que é preciso conviver com a diferença".
Já para a designer Keka Ribeiro, que vive com a musicista Jurah Di Anin, e o filho Lino, de 1 ano, criar redes de apoio — virtuais, como a que estão inseridas, e presenciais — tem o poder de despertar a noção de comunidade entre as famílias de duas mães.
"Ainda na gestação, fomos a um encontro de dupla maternidade. Saímos de lá com a certeza absoluta de que somos uma comunidade, que somos nós por nós. Daquele dia em diante, nos fortalecemos para uma luta que é diária. Graças a essa troca afetiva e de experiências, nos preparamos para lidar com os comentários maldosos, com o preconceito velado e também explícito, com as burocracias do nascimento de um bebê nesse contexto", pontua Keka, que está "on" com as outras mães no grupo do WhatsApp.
"Hoje Lino tem um monte de amiguinhos com famílias como a dele. Por isso, seguimos na certeza de que ele sempre será acolhido nessa comunidade e que se sentirá parte de uma rede repleta de amor. Não temos medo do futuro, somos muitos e estamos juntos".
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