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Papo de vagina

Dor no sexo não é normal: elas contam como descobriram que algo não ia bem

Uma em cada dez mulheres sente dor no sexo, segundo uma pesquisa feita pela Universidade de Londres com 7.000 mulheres, com idades entre 16 e 74 anos - Getty Images/iStockphoto
Uma em cada dez mulheres sente dor no sexo, segundo uma pesquisa feita pela Universidade de Londres com 7.000 mulheres, com idades entre 16 e 74 anos Imagem: Getty Images/iStockphoto

Manuela Aquino

Colaboração para Universa

03/11/2021 04h00

Incômodo, dor na penetração, ardência, sentimento de que o útero está sendo agredido, nada disso deveria ser considerado comum em uma relação sexual. E não é tão incomum assim. Uma em cada dez mulheres sente dor no sexo, segundo uma pesquisa feita pela Universidade de Londres juntamente com outras instituições voltadas ao estudo de sexualidade e saúde da mulher em 2017. Foram ouvidas sete mil mulheres, com idades entre 16 e 74 anos. Neste levantamento, entre as que sentiam dor (pouco mais de 7%), um quarto disse que era frequente ou que doía sempre.

Sentir que algo não vai bem pode, sim, ter a ver com algo mais intenso durante o ato ou uma posição, mas mesmo assim deve ser sinal de alerta. Sexo não é para dar dor, mas para dar prazer. "Dor na penetração nunca é normal, mesmo se for momentâneo, por exemplo, por falta de lubrificação adequada" diz Lilian Fiorelli, ginecologista especialista em Sexualidade Feminina e Uroginecologia pela USP (Universidade de São Paulo). E não ficar molhada pode ter a ver tanto com falta de preliminar até com queda hormonal ou uso de medicamentos, como diuréticos e antidepressivos.

No caso da dor no sexo, ela pode por ser sinal, por exemplo, de candidíase, que provoca microlesões na região. "Uma mulher que teve candidíase de repetição pode ter aumento de receptores de dor. O canal fica mais frágil e ela sente dor e ardência. É uma doença chamada vulvodínia", explica a ginecologista.

Além dessas questões fisiológicas, entra na lista o vaginismo, que tem fundo psicológico e pode ser consequência de algum abuso, por exemplo, ou mesmo de crenças religiosas. "É uma contração involuntária diante de uma 'ameaça' de penetração — seja do pênis, de um absorvente interno ou do espéculo no exame ginecológico", diz Carla Maria de Abreu Pereira, fisioterapeuta sexual da Clínica Mantelli, em São Paulo.

Em todos os casos, se sentiu algo, precisa ver o que é. Depois de muito tempo com dor, essas duas mulheres com as quais conversamos abaixo descobriram que a dor no sexo precisava ser tratada. Elas contam sobre a descoberta e como o tratamento trouxe uma nova perspectiva em relação à vida sexual.

"Eu chorava sempre que tinha uma relação"

"Minha dor começou com 16 anos, na minha primeira vez, que foi traumática, de uma maneira que eu não queria. Eu idealizei muito o momento, mas meu namorado na época me pressionou muito e não foi nada romântico, em um lugar péssimo. Ele me penetrou de um jeito que não foi legal, humilhante. Eu não tinha coragem de contar para ninguém, mas meu corpo guardou a sensação do dia. Quando falo, consigo até sentir a sandália que eu usava e a textura do vestido. Depois dessa experiência, nas vezes em que transei, eu sentia uma ardência, que sempre era diagnosticada como infecção urinária, outras vezes como candidíase. Hoje sei que, dos 16 aos 19 anos, tinha vulvodínia.

Um dos tipos de vulvodínia, chamado de espontânea, faz com que a vagina arda do nada. Às vezes era na escola e não tinha o que fazer. A sensação é como o incômodo de uma queimadura, na entrada no canal, durante e depois da relação. Quando ele ejaculava dentro era pior ainda. Eu procurei ajuda desde o começo, mas demorou dez anos para sair o diagnóstico.

Como eu não contava nem pra minha mãe, na adolescência, paguei um plano de saúde para ter acesso a especialistas. Eu ouvi muito que era coisa da minha cabeça, que não era nada e isso me deprimia. Uma médica me diagnosticou depois de idas e vindas.

Passei a ter medo da relação, curtia as carícias, mas quando era penetração já ficava tensa e desenvolvi um vaginismo leve. Eu chorava sempre que tinha relação.

Procurando no Google, descobri essa palavra vulvodínia e achei uma médica de um blog que eu acompanhava. Estava casada na época, mas não estava rolando nossa vida sexual. Eu só reclamava. Ela me diagnosticou e confirmou a minha suspeita. Chorei muito. Não tem cura, mas tem tratamento, em diversas frentes. Eu fui tratada da depressão, precisei fazer uso contínuo de pomada para vagina, fazer massagem, além de fisioterapia.

Na relação com meu marido, a gente trabalhou também. Com o tempo foi dando certo, pois começamos a fazer tudo sem penetração. Depois passei a ir no sex shop comprar itens como gel e velas. Me ajudou muito música na hora do sexo pois, como tenho déficit de atenção, ajuda a limpar minha mente. Hoje não sinto mais ardência. Aprendi a relaxar na penetração e tenho prazer. Mudou a questão de como eu me olho e olho meu prazer."

Paula Pereantonia, 30 anos, artesã de Macaé (RJ)

"Cresci numa família religiosa, para mim, tudo era pecado"

"Me casei em 2019 e tive minha primeira vez na lua de mel. A viagem foi maravilhosa, super romântica, mas não rolou. Não havia penetração por nada e comecei a me esquivar. Na volta e, com o passar do tempo, continuamos assim. Sempre ia até somente no início do canal vaginal, depois doía muito.

Nesta mesma época, aconteceu algo que atrapalhou saber o que era. Fui fazer um exame transvaginal, expliquei para o médico que eu queria que ele avisasse o que estava fazendo, mas ele me ignorou. Senti uma dor horrível, engoli o choro. Então, nunca mais voltei a médico nenhum, nem à ginecologista.

No ano seguinte, em um dia comum, eu estava vendo um programa na televisão e falaram sobre vaginismo. Caiu a ficha de que era aquilo que eu tinha e mesmo assim não procurei nenhum especialista.

Foi ficando complicado no casamento. Fui me afastando não só emocionalmente como fisicamente do meu marido. Eu não conseguia falar. Como a situação no relacionamento estava insustentável, fui ao ginecologista e recebi a notícia, depois do exame clínico, que tinha vaginismo como suspeitava.

Eu cresci em uma família protestante, frequentei igreja e, para mim, tudo era pecado. Hoje sei que muito o que estava na minha cabeça influenciou na vida sexual. Inclusive faço um trabalho na igreja, de roda de conversa com as mulheres para quebrar tabus e desmistificar o sexo.

Acredito que meu primeiro namoro influenciou também para que eu tivesse, já que tem fundo psicológico. Eu era muito nova e fizemos aquele 'pacto de esperar', o que quer dizer não só não transar como não ter nenhum contato físico. Depois do diagnóstico, passei a fazer terapia com uma especialista em sexologia e exercícios com uma fisioterapeuta pélvica. Também faço meditação. É muito recente, tem ainda um caminho, mas posso dizer que meu casamento melhorou 80%. Temos mais intimidade. A gente trabalha muito beijos, abraços e carícias, pois há outras maneiras de fazer sexo. Estou ansiosa ainda para o momento só que preciso ter paciência pois, internamente, ainda tenho que desvencilhar a dor do ato sexual."

Israeli Andrade Lima, 31 anos, estudante de radiologia, Gravataí (RS)

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