Repórter da Globo deixa TV após ataques: 'É horrível mulheres te ofendendo'
"Você vai abandonar seu sonho?" A jornalista Veruska Donato, 49, conta que ouviu muito essa frase quando tornou pública a decisão de deixar o emprego na TV Globo, onde estava havia mais de 20 anos.
A gota d'água, segundo ela, foi uma onda de ataques que recebeu no Instagram após postar uma foto do padre Julio Lancellotti, falando do trabalho dele junto aos moradores de rua da região central de São Paulo. Assim, Veruska se tornou mais uma entre tantas jornalistas atacadas na internet.
"As agressões são maiores com as mulheres, e são agressões emocionais. É horrível ver outras mulheres te agredindo, atacando, usando palavras como puta, piranha. Falaram que quando alguém estuprasse a minha filha eu ia ver o trabalho legal do padre. Nossa, isso dói demais."
O episódio aconteceu em setembro e, em outubro, Veruska precisou se afastar do trabalho. As reportagens frequentes sobre covid, mortes, miséria e fome fragilizaram a saúde da jornalista, que já tinha histórico de depressão.
"Adoeci vendo tudo isso. Precisava fazer algo antes que eu piorasse, e fiz uma escolha. Porque nada disso vai acabar. São Paulo está mais pobre, mais faminta, e eu não posso fazer nada. Percebi, então, que eu tinha que fazer por mim", conta Veruska, que decidiu voltar para Campo Grande, sua cidade natal.
A jornalista conta que teve sua primeira depressão em 2002, quando foi transferida pela Globo de Brasília para São Paulo. "As pessoas aqui não são tão afetuosas."
Mas a descoberta da doença veio por causa de uma "dor de cabeça infernal". "Procurei um especialista, e ele viu que eu precisava me tratar de depressão crônica. Nunca fiquei sem remédio. E tenho histórico na minha família; meu pai se suicidou quando eu tinha 16 anos. Quando estou na beira de um precipício, tento fazer coisas para sair dali. Procuro médico, terapia. Agora é o momento de cuidar de mim."
Sem espaço na Globo
Outro ponto que fez com que Veruska deixasse a emissora, segundo ela, foi a falta de novas oportunidades. "Desde 2018 eu vinha sentido que não me alinhava mais à TV Globo, por uma série de questões."
Uma delas foi o fim do quadro "Sala de Emprego", do "Jornal Hoje". "Percebi que com o jornalismo eu poderia ajudar a vida das pessoas, e isso era compensador. Em 2016 acabaram com todos os quadros, sem muita explicação, dizendo apenas que era uma decisão editorial. Fiquei sem chão e comecei a pensar se eu queria seguir no jornalismo."
Veruska diz que tentou abrir outras portas na Globo, sem muito sucesso. E embora ninguém nunca tenha dito isso a ela claramente, ela acredita que a idade também virou uma questão. "A TV tem poucas mulheres mais velhas no ar. Em São Paulo tem a Ananda Apple, a Graziela Azevedo e a Zelda Mello. Eu vou fazer 50 anos. Já não aparecem mais oportunidades. Os projetos para a mulher mais velha na TV acabam, eles cessam. Não há mais oportunidade de fazer coisas novas e boas. Não tinha mais abertura."
Ela diz também que a onda de ódio contra a emissora a afetou. "Isso também mexe com quem trabalha lá, não dá para dizer que não. E eu sou sensível, me importo muito, sofro. Mas quanto a isso não posso reclamar da empresa. A TV Globo sempre disse para todos nós, jornalistas: segurança em primeiro lugar."
A assessoria de imprensa da Globo foi procurada para caso quisesse se posicionar, mas até a publicação desta reportagem não retornou.
Uma casa na lagoa, um amor de infância
A decisão final veio no mês passado, quando ainda estava em licença médica. "Fiquei doente, e estava chegando a hora de decidir se eu ia continuar ou se ia embora."
"Minha mãe está com um problema no coração. Não é nada tão grave, mas pensei que talvez seja importante conviver com ela. Além disso, redescobri um ex-namorado de Campo Grande com quem tinha me relacionado quando tinha 22 anos. Tudo isso me motivou a voltar para casa. Foi difícil, porque eu tinha um bom salário e agora estou desempregada. Mas tem outras coisas que compensam. Tenho dúvidas ainda, mas meu coração está tranquilo."
O objetivo, segundo ela, é se manter saudável, estar perto da família e da natureza. Com o namorado está comprando uma casa na lagoa. E diz que não se sente abandonando seus sonhos.
"Eu sonhava com algumas coisas. Em ser correspondente internacional, em virar comentarista de emprego. Mas desde 2018 eu sabia que não ia mais realizar meus sonhos profissionais. Virei a chave. Sempre quis ter uma família e um grande amor, alguém para somar comigo. Ele sempre me diz: 'Você rodou o mundo para terminar com seu vizinho de infância'. Surgiu uma possibilidade de ser feliz de novo e de sonhar de outro jeito."
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