'O Parkinson não me impediu de seguir meu sonho de ser bailarina'
"Tenho 41 anos e sou pedagoga, bailarina, palestrante motivacional, agente cultural e cadeirante devido à doença de Parkinson precoce. Realizei o sonho aprender balé depois de adulta, quando montei um estúdio de dança na minha cidade, Maragogipe, a 142 quilômetros de Salvador, na Bahia. Mas minha história começa lá atrás, na minha infância.
Eu tinha o sonho de ser bailarina, mas minha família não tinha condições financeiras para me colocar em uma aula de balé. Comecei a trabalhar aos 15 anos e me formei no magistério aos 18. Naquela época, fui dar aulas na zona rural da cidade e três anos depois minha família teve um problema que nos obrigou a nos mudarmos para Salvador.
A partir daí comecei em novo trabalho. Sempre senti muitas dores musculares que de acordo com os médicos eram problemas na coluna. Mas nenhuma dor me impedia de seguir em frente para alcançar meus objetivos.
Em 2002, consegui montar uma pequena escola particular e coloquei uma professora para dar aulas de balé às alunas. Então, o sonho aflorava cada dia mais. Tive minha filha em 2005 e devido a vários fatores precisei passar a escola para outra pessoa e fui trabalhar com pedagogia empresarial, gerindo pessoas na área cultural, já que tinha terminado a graduação em pedagogia.
Quando eu coloquei a professora para dar aulas às crianças na escola que montei de educação infantil em 2002, eu aproveitava as dicas e aulas de balé. Ficava por ali na minha contemplação. Mas ainda não era o meu momento.
O balé entrou mesmo na minha vida quando eu estava fazendo um trabalho de divulgação da Bahia na Argentina. Um dia, em Córdoba, fui convidada para participar de uma apresentação do Ballet de Buenos Aires, no Teatro Municipal de lá.
Eu chorei o tempo todo naquela apresentação. Aquilo me despertou. Vi que havia chegado a minha hora.
Então, no fim de 2013, passei a fazer cursos intensivos com diversos professores de balé. E em abril de 2014 montei um espaço para aulas de balé em Maragogipe. O objetivo era contemplar principalmente crianças que não podiam pagar pelas aulas, pois eu queria e ainda quero realizar esses sonhos dessas garotas.
As alunas que pagavam pelas aulas eram poucas e com esse valor era possível manter apenas as despesas do espaço, na frente da minha casa. Readaptamos a área da garagem, com autorização da proprietária do imóvel, que é alugado. Em 2015, atendemos 80 crianças do centro da cidade e mais 30 meninas de um distrito mais distante.
Fiz todos os cursos na área de balé dos quais eu pude participar enquanto trabalhava na cidade de Maragogipe novamente como professora e como coordenadora de educação ambiental de um projeto.
Mesmo sempre com vários problemas de saúde sem explicações corretas, que já eram todos os sintomas da doença de Parkinson, a dança foi ganhando cada vez mais espaço na minha vida.
O espaço do balé era a realização de meus sonhos e dos sonhos de muitas crianças e mães também. Em dezembro de 2017, tivemos intensas apresentações. Foi muito trabalho com ensaios e preparação. Porque, além de dar as aulas, eu também bordo cada roupa de cada criança para se apresentar.
Passei o mês de novembro e dezembro com dores intensas querendo me travar. O braço quase não conseguia subir. A perna muito cansada. Mas consegui realizar todas as atividades que estavam propostas para o encerramento do ano.
Em 2018, travei completamente o lado esquerdo do corpo. Não conseguia mexer braço, pescoço, perna, a fala estava se comprometendo, a mastigação ficou complicada, e surgiu um tremor no braço esquerdo.
Passei por cinco médicos de janeiro a março para conseguir descobrir a doença de Parkinson precoce —na minha família tem uma tia com o mesmo diagnóstico.
Foi um baque para mim, para minha família e meus amigos
Mas começava um novo processo de aprendizagem e em nenhum momento eu falei contra a minha vida ou contra Deus, nem me lamentei pelo que estava acontecendo ou estaria por vir.
Iniciamos o tratamento com as medicações, mas o equilíbrio e a firmeza da perna esquerda eu já não tinha mais. Precisei de uma cadeira de rodas. Ainda brinquei que se fosse para usar cadeira de rodas tinha que ser cor-de-rosa. Meu marido conseguiu uma usada e pintou.
A doença de Parkinson não me barrou na realização dos meus sonhos
Segui firme dando aulas de balé, mesmo na cadeira, com a ajuda de minha filha. Minhas asas foram podadas, mas não arrancadas, continuo voando, só que na cadeira de rodas.
Com a pandemia, tivemos de suspender as aulas presenciais. Uma saudade das crianças começou a tomar conta do meu coração. Iniciamos as aulas por vídeos e depois de alguns meses, de modo online.
Faço vídeos dançando na cadeira junto com o amigo saxofonista que também é cadeirante devido a um acidente. Mostramos para as pessoas que podemos voar, sim, que podemos realizar nossos sonhos e superar nossos limites.
Realizamos também diversas apresentações em eventos beneficentes e dou aulas online de dança a um grupo de pessoas que têm Parkinson e que se ajudam mutuamente. Nosso grupo no WhatsApp e no Instagram tem diversos profissionais atuando gratuitamente e eu dou aulas de dança para eles.
Já recebi comentários maldosos, do tipo: 'Será que ela é doente mesmo?'
Respondo que não sou doente... Eu tenho a doença de Parkinson. E sigo minha realidade, que agora é a de buscar reformar meu espaço de dança.
Com a pandemia ocorreram algumas infiltrações e acabei perdendo os espelhos e alguns forros de uma divisória de madeira. Então, pensando em um retorno presencial agora que a pandemia diminuiu, em agosto deste ano lancei uma vaquinha virtual para tentar reformar o espaço e voltar com as aulas.
Pedi também na vaquinha para conseguir comprar uma cadeira de rodas mais leve para que eu possa dançar e dar aula melhor. A que uso é muito pesada, fico muito cansada após uma aula.
Custos altos
Financeiramente falando, eu não tenho condições para fazer a reforma e nem comprar uma cadeira nova porque o meu custo com saúde é alto. Principalmente porque, devido à doença de Parkinson e à falta de mobilidade em pé, eu já tive várias tromboses e internações em UTI com embolia pulmonar e várias pneumonias por retorno alimentar.
Ainda não temos o valor para uma grande reforma, mas os amigos vêm ajudando. Minha mãe tirou o espelho do guarda-roupa dela e colocamos na parede da sala, reformamos a estrutura, ganhei o forro de tecido para as divisórias e ganhei também uma nova iluminação.
Venço com Deus na frente e com amor gerando amor por todos os lados. Penso na realização dos meus sonhos e nos sonhos de muitas crianças. A verdade é que sou uma criança, nunca deixei de ser.
As mulheres, principalmente, são as maiores fontes de amor e precisam se dar conta dessa virtude. Podemos muito, podemos tudo, podemos mudar o mundo através do amor e da caridade."
Rutileia Campos, 41 anos, pedagoga, bailarina, palestrante motivacional e agente cultural de Maragogipe (BA)
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