Ela reinventou o mercado digital de bairro e já captou R$ 176 milhões
Durante os quase quatro anos em que a sorocabana Marina Proença, 36, atuou como comentarista de empreendedorismo e trabalho no SP1, da Rede Globo, algo não saiu de sua cabeça: fazer alguma coisa para ajudar ainda mais as pessoas na jornada profissional. "Lá eu respondia perguntas diversas sobre trabalho e empresas, mas para mim não era suficiente. Eu queria conseguir fazer mais pelas pessoas, ajudá-las a ter mais renda e liberdade financeira", diz.
"Lembro, até, de uma frase do Tralli: 'você precisa fazer alguma coisa por essas pessoas, é sua cara'", completa. Assim, após deixar o cargo de chefe de operações na ClickBus, ela começou a acionar sua rede de contatos, inclusive do mercado de investimentos, para avisar que gostaria de empreender em algo de impacto social. Havia chegado a hora.
Até que um dos fundos com que tinha contato apresentou a Marina o peruano Alejandro Ponce, hoje seu sócio. A partir de um trabalho intenso de pesquisa sobre modelos de negócios promissores em outros países, nasceu a Favo, startup que usa uma rede de revendedores para vender itens de supermercado diretamente nos bairros e condomínios.
A empresa se inspirou no que já funciona muito bem no mercado internacional, a exemplo da China, e criou o seu próprio modelo de "comunidade de compras em grupo" adaptado à realidade dos países da América Latina, principalmente no que diz respeito ao poder de compra, acesso ao crédito e logística locais.
Com catálogos de promoções, os empreendedores parceiros da startup vendem para a vizinhança. Esse comércio de porta em porta é feito primordialmente pelo WhatsApp. Todos têm uma loja na plataforma e os pedidos são enviados automaticamente para a empresa, que faz as entregas na manhã seguinte. A distribuição na casa de cada cliente fica a cargo dos revendedores.
Atualmente, a Favo reúne mais de 10 mil empreendedores, 160 mil clientes e cerca de 700 mil pedidos entregues. Para a engrenagem funcionar, há dois centros de distribuição próprios, um em Osasco (SP) e outro em Lima (Peru). O plano é, no futuro, ter pequenos armazéns espalhados pelas cidades em que atua, para reduzir o custo e o tempo de entrega.
Propósito claro guia o negócio
Em pouco tempo, o modelo de negócios da empresa chamou a atenção de investidores. Até agora a Favo já captou R$ 176 milhões de instituições de peso, como GFC (Global Founders Capital) e Tiger Global, e de investidores como David Vélez, cofundador do Nubank.
"A Favo está crescendo continuamente de forma sustentável muito por conta da força das comunidades que se unem para comprar mais de 3,5 mil itens de supermercado, sempre com preço mais baixo do que no e-commerce tradicional, além de gerar renda e acesso à educação empreendedora em um contexto escasso de oportunidades", diz Marina.
Três pilares contribuíram para o sucesso do negócio, segundo Marina. O primeiro é ter um propósito muito claro. Algumas frases, por exemplo, guiam o trabalho da empresa: todo mundo ganha, é junto que se ganha e tudo pode ser mais justo.
A Favo nasceu para transformar a compra de supermercado numa tarefa mais fácil e barata, humanizando a experiência. E isso só é possível pela força das comunidades, da vizinhança, que se une para comprar e gerar renda para quem precisa.
O segundo pilar é ter um interesse genuíno de entender, de fato, que problema você resolve com o negócio e quem é o público que precisa dele. "Esse é um ponto bem importante, trata-se do famoso product market no mundo da tecnologia: eu tenho um problema real e achei uma boa solução para resolvê-lo", diz Marina. Segundo ela, isso envolve uma visão analítica, que vai além dos números. "É preciso analisar o problema e o cenário, e isso inclui observar o ser humano envolvido, seja dentro ou fora da empresa. É o olhar de sempre tentar entender o que está acontecendo", diz.
Ela afirma que é importante conectar estratégias na operação o tempo todo. "Há um objetivo central, claro, mas é necessário aprender ao longo do percurso com as mudanças que acontecem, com o feedback dos clientes e com os insights do mercado. Isso cria uma visão de curto, médio e longo prazos, e ajuda a traçar os planos para atingi-lo", afirma.
O terceiro ponto essencial, de acordo com Marina, é entender as finanças do negócio, mesmo que você não esteja à frente dessa área. "O empreendedor tem que ter uma visão 360°. Isso não quer dizer ser especialista em tudo. Para isso buscamos sócios. Mas é crucial saber juntar todos os pontos da empresa, entendendo como o processo inteiro funciona", diz.
'Precisamos desmitificar a ideia do empreendedor sabichão'
Como no mundo dos negócios tudo muda rapidamente, Marina também aconselha estar aberto a aprender sempre. "Precisamos desmitificar um pouco a ideia do empreendedor sabichão e bem resolvido que não tem dúvidas e receios. Isso é mentira", diz.
Para ela, ter humildade e capacidade de revisitar os pensamentos e planos é essencial. "É estar aberto a se questionar, a ouvir outras pessoas, a receber e pensar sob um ponto de vista diferente para checar se você não está deixando passar alguma coisa", afirma.
Nesse sentido, entra algo muito importante hoje para tocar os negócios: a colaboração. Na Favo, ela está presente tanto na relação com os empreendedores parceiros quanto internamente. "Ambientes colaborativos tendem a ser mais saudáveis, até emocionalmente. Assim, você consegue construir um lugar no qual as pessoas, de fato, estão felizes e dispostas a dar o melhor não apenas para uma área, mas para toda a empresa", diz.
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