'Enfrentei gordofobia, me tornei médica e ajudo pacientes a se aceitarem'
"Tenho 25 anos, nasci em Fortaleza (CE) e passei boa parte da minha infância entre os cajueiros, as praias e o sertão. A família da minha mãe é toda de Acaraú, litoral do Ceará, então tive uma infância muito gostosa. Não cresci em um meio agressor em relação ao meu corpo. Recebi muito afeto e carinho quando se tratava da minha autoestima, principalmente da minha mãe.
Hoje, como médica, uso minhas consultas para compartilhar carinho e afeto com mulheres gordas, assim como recebi ao longo da vida. É um trabalho que incentiva o autoamor e a autoaceitação.
Todo esse cuidado que minha mãe teve comigo me ajudou a ter uma ótima infância. O padrão de beleza conhecido hoje na sociedade começou a me afetar durante a adolescência. Fui uma menina magra até os 18 anos, mas ainda assim me questionava sobre o meu corpo, sobre estar magra o suficiente para estar bonita e isso afetava não só a minha autoestima física, mas intelectual também. Não acreditava que eu seria capaz de conquistar meus sonhos.
Durante o colégio, já entendia que o que eu queria como profissão era algo que envolvesse o cuidado. Sempre fui muito carinhosa e na medicina me encontrei para ofertar esse cuidado, educar e ajudar muitas pessoas.
No começo, achei que não seria possível, que eu não era inteligente o suficiente para passar em um vestibular. Cheguei até a iniciar outro curso com que me identificava, mas fui pega de surpresa e fui chamada na última prova que fiz para medicina. Caí no choro. Entendi que ali era o meu lugar e lutei cada dia dos últimos seis anos para me formar.
Durante a faculdade, vivenciei o processo de mudar totalmente meu corpo. Me tornei uma mulher gorda e não sabia o que fazer com isso. Não sabia como viver em um corpo gordo, sentia muita tristeza e me colocava em situações muito absurdas para emagrecer.
Em 2017, conheci o movimento bodypositive. Fiz uma amiga que foi extremamente importante para o meu processo e todos os dias me falava como eu era linda e importante para esse mundo. Aos pouquinhos, fui acreditando nela. Fiz alguns exercícios de olhar meu corpo como um todo, ver além do corpo, me olhar como Flora.
'Comecei a ver beleza onde os outros não viam'
A partir daí comecei a ver beleza onde os outros não viam. A barriga, os braços, as coxas. Fui entendendo que tudo ali fazia parte de mim e eu não iria melhorar ou cuidar sem amar cada pedacinho.
Em 2019, pertinho de me formar, buscava uma maneira de unir a minha profissão ao que eu falava e vivenciava nas redes sociais. Até que, em um jantar, uma amiga também gorda me falou: 'Não vejo a hora de você se formar. Faz mais de dois anos que não consigo ir ao médico pelo medo de sofrer gordofobia, de ver meu corpo ser tratado com descaso. Quero muito seu atendimento porque sei que serei acolhida'.
Aquela conversa foi uma luz para que eu pudesse entender como eu conseguiria unir os dois propósitos.
Decidi então abrir meus atendimentos focada em pessoas gordas que têm interesse em cuidar da saúde e aprender mais sobre autocuidado e autoamor.
Nas consultas, resolvemos qualquer demanda da paciente e também separamos um momento para colocar as principais formas de autocuidado em pauta: alimentação, exercício, saúde mental e rede de apoio, entre outros.
A gordofobia está muito presente na nossa sociedade e comigo não seria diferente. Já vivi várias ocasiões no mundo da moda, por exemplo. Estava fotografando como modelo e pessoas ao meu lado falavam sobre como ser gorda era a pior coisa que poderia acontecer com alguém.
Na medicina também já fui alvo. Fui atendida por uma médica que não conseguia olhar para mim. Ofereceu bariátrica, mesmo eu não me encaixando nos critérios para o procedimento.
É muito triste a forma como o corpo gordo é menosprezado. É um corpo que, para muita gente, não vale ser cuidado, ser amado, ser vivido.
Essa dor presente de ser uma mulher gorda, que se sente bem com seu corpo, disposta, animada para viver, que gosta de dançar e se exercitar, mas que mesmo assim a sociedade julga como doente, foi minha maior motivação.
Essa dor foi transformada em vontade de mudar, vontade de existir, inspirar outras pessoas e viver. Percebo o olhar brilhando quando entendem que não precisam estar sempre em busca do emagrecimento, que podem e devem conquistar um corpo saudável e forte, por inteiro, físico e mental.
Percebo uma virada de chave sobre como elas se veem, como querem cuidar de si e buscar um bem-estar que vai muito além de estar magra. Recebo muitos feedbacks carinhosos, agradecimento pelo olhar e cuidado diferenciado e isso me motiva a estudar, melhorar meus atendimentos e pedir ajuda de outros profissionais para acompanhamento dos pacientes.
Um mundo de portas se abre quando me sinto inspirada pelos meus pacientes a ser melhor por eles. Muitos me acompanham pelo Instagram e desenvolvemos até um carinho enorme nesse processo, pela empatia e cuidado envolvidos.
Sinto-me realizada ao vê-los olhando para si com amor.
Penso em chegar no máximo de pessoas que eu puder, tento sempre ver cada caso e entender como posso ajudar. Na vida podemos ter vários propósitos e esse vem sendo o meu nos últimos anos.
Se eu puder dar um conselho, é: mulher, seu processo é só seu, entenda sua motivação em fazer o que você faz em qualquer aspecto da sua vida. Olhe cada pedacinho desse corpo como uma possibilidade, como um presente. Isso envolve cuidar e o cuidado nem sempre é confortável, mas pode ser muito acolhedor ter como objetivo o seu bem-estar, seu autoamor e autocuidado. Seu corpo merece ser vivido, amado e feliz, em todas as formas." Flora Mota, 25 anos, médica e influencer, de Fortaleza (CE)
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