Contra pobreza menstrual, jovem escreve PL e arrecada 192 mil absorventes
A pobreza menstrual afeta 11 milhões de pessoas no Brasil —quem não pode comprar absorventes recorre a papelão, jornal e até miolo de pão para conter o sangue. Por isso, em 13 estados e no Distrito Federal, esse é um item de higiene distribuído pelos governos estaduais para meninas de escolas públicas e de baixa renda. Sergipe, que ainda não faz a distribuição, pode ser o próximo estado a entrar na lista, se depender do empenho da estudante Lenice Ramos, 18 anos.
A jovem nascida em Aracaju está em negociação com deputados da Alese (Assembleia Legislativa de Sergipe) para levar a votação um projeto de lei, escrito por ela mesma, para tornar a distribuição gratuita de absorventes uma política pública de seu estado. Enquanto isso não acontece, ela conseguiu arrecadar 192 mil unidades, a partir de doações da iniciativa privada, que serão doadas a até 6 mil alunas de 10 escolas públicas da capital sergipana.
O interesse de Lenice pelos direitos humanos e pelas políticas públicas nasceu quando ela começou a participar de uma simulação da ONU (Organização das Nações Unidas) na escola em que estuda, o Centro de Excelência Atheneu Sergipense, escola de Ensino Médio Integral, uma política pública de ensino nacional gratuito.
Depois de participar de alguns projetos sendo a única garota em postos de liderança, ela decidiu criar a primeira e ainda única simulação da ONU Mulheres em uma escola brasileira.
"Eu me descobri nesse projeto. Fizemos palestras com a Mariana Ferrão [apresentadora], com a Suzana Pires [atriz] e com a Luiza Trajano [empresária, dona da Magazine Luiza]. E foi em uma dessas conversas que eu me conectei pela primeira vez com esse tema, o da pobreza menstrual", lembra.
"Como a Luiza Trajano já tinha participado de um evento da simulação da ONU, decidi mandar uma mensagem para ela, que me respondeu, e me encaminhou para conversar com executivos da Magazine Luiza, e fizemos uma parceria. Depois de uns 90 dias, conseguimos as doações."
"Foi incrível ver os absorventes chegando de caminhão, lotando uma sala de aula de caixas. Eu não esperava que a gente conseguisse essa quantidade, veio o dobro do que a gente pediu", celebra. "Além de beneficiar mais meninas, isso garante que algumas dividam os absorventes com as mães ou com as irmãs."
'Pobreza menstrual está ao nosso redor o tempo todo'
De primeira, Lenice queria garantir a distribuição de absorventes para pessoas que menstruam dentro do sistema carcerário —ela inscreveu o projeto no Parlamento Jovem Brasileiro, da Câmara dos Deputados, e ficou em segundo lugar na seleção. Depois, por sugestão de professores, escreveu seu projeto para garantir este direito a alunas das escolas públicas, como ela.
"É um problema que está ao nosso redor o tempo todo, mas eu nunca percebi porque não sou um alvo, eu não tenho essa dificuldade", fala.
"Aqui no Nordeste tem meninas que têm vergonha até de receber a doação, porque existe essa cultura de tabu. As meninas crescem sem conhecer o próprio corpo e os meninos, com esse costume de fazer piada com menstruação ou de sentir nojo. E aí a gente não naturaliza nunca esse assunto."
Recebi muitas críticas de que o meu projeto não é necessário, que esse é um dinheiro que não vai ser bem gasto. Mas a camisinha está aí, sendo distribuída em toda esquina e ninguém questiona. Por que? Porque é colocada no homem. Se tudo que é para homem avança, nós queremos absorventes.
Lenice já teve uma reunião com a Secretaria de Educação de Sergipe e com alguns parlamentares da Alese, e agora aguarda ser chamada para as próximas conversas. Logo, ela deve apresentar o projeto em plenário para os deputados estaduais.
A pobreza menstrual ganhou um pouco mais de notoriedade em outubro, quando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou um projeto de lei que propunha distribuir absorventes em todo o país.
"Eu estava acompanhando a tramitação do projeto, que estava em andamento faz tempo, e fiquei muito feliz com o avanço, mas a gente tem aí esse presidente que não me agrada em nada, gosto de deixar claro", fala.
"É mais do que o absorvente, é uma questão de dignidade, de direitos humanos. E não foi vetada por falta de dinheiro, mas por incapacidade do governo de entender o problema".
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.