Em paz com a idade, Cissa Guimarães posaria nua de novo: 'sem Photoshop'
"Deixa eu brincar um pouquinho, descer para o play", brinca Cissa Guimarães ao ser questionada sobre seus próximos projetos, enquanto caminha para a analista. É a primeira vez em mais de 40 anos que a apresentadora e atriz vive sem horários fixos após finalizar contrato com a TV Globo, em outubro. Perto de ser avó pela terceira vez, ela fala que agora quer mais é curtir os netos e contemplar a vida.
"Estou muito feliz porque nesses últimos anos o universo feminino da minha família se abriu. Tenho três filhos, um neto de 12 anos, o José, a Aurora, de 10 meses, e a Isabel está chegando, então o quorum está empatado, em quatro homens e quatro mulheres, contando com a minha nora", ela celebra.
Os festejos em meio às dores e medos instalados no mundo por causa da pandemia do coronavírus, e a ausência do filho caçula, Rafael, morto aos 18 anos, em 2010, vítima de um atropelamento, são possíveis e mais leves com ajuda de muita terapia, meditação e espiritualidade, ela ensina.
"Sofri muito durante essa pandemia, tive iniciozinho de depressão, muitas inseguranças, muitos medos. Mas segui todos os protocolos, tudo direitinho: a OMS (Organização Mundial da Saúde), Deus, minha meditação, minha família e meu trabalho. E com muita positividade em vez de negacionismo", ela fala, após críticas ao governo Bolsonaro. "Foi ausente de cuidados."
E esse otimismo está tão bem trabalhado que aos 64 anos e esbanjando disposição nas imagens em que aparece fazendo trilhas, cachoeiras e mergulhos, e que compartilha com um milhão de seguidores, afirma que até encararia um ensaio nu. Mas diferente daqueles feitos para as revistas masculinas "Playboy", em 1994, e "Sexy", em 2005.
A gente não pode rotular a velhice de feia. Tem a sua beleza, porque é a história da gente. Acho legal mostrar uma certa flacidez. Encararia essa sem colocar Photoshop.
Leia os principais trechos da entrevista a seguir.
UNIVERSA: Foi uma decisão sua sair da TV após mais de 40 anos?
CISSA GUIMARÃES: Não é uma decisão. Acaba um contrato, e você discute se vai renovar ou não. Não houve, em nenhum momento, essa história de demissão. Há, obviamente, uma questão toda corporativa, de gastos. Para mim, é um ciclo que estava se fechando havia muito tempo. Quero mudar para outras coisas, ter uma certa liberdade, curtir minha vida. Trabalho desde muito cedo, e como qualquer artista, a gente tem o privilégio de poder trabalhar até a idade que a gente quiser. Mas a função de toda semana ter milhares de gravações, acordar 3 horas da manhã no sábado, estava cansando um pouco.
Há especulações de que você fechará contrato com a HBO. Quais os seus planos de carreira daqui para frente?
Na realidade eu estou contratada da Globo até o final de dezembro. E é claro que a Cissinha não vai ficar muito parada. Mas vou te falar a verdade verdadeira: são 45 anos de trabalho numa mesma empresa, e fazendo outras coisas, como teatro. Quero ficar um pouco na contemplação da vida, estudar história da arte, ler, ficar com os meus netos, não fazer nada com horário fixo. Parece que o mundo baixou a bola um pouco e estou querendo saborear essa liberdade. Deixa eu brincar um pouquinho, descer para o play.
Como foi trabalhar durante a pandemia, inclusive a sua saúde mental?
Eu inventei o quadro "Em casa com a gentem" e foi uma delícia, porque trabalhei o tempo todo. Mas fiz muita terapia, meditação, procurei cuidar mais ainda da minha alimentação. Nós não fomos massacrados só por um vírus --e ainda continuamos--, mas por um governo que foi ausente de cuidados. Então lutamos contra dois grandes inimigos.
Nada foi organizado, ficou tudo muito atrasado quando era pra gente estar vacinado há muito tempo. Não vou ficar aqui chovendo no molhado, mas eu acho que foi um terror para todos, uma violência dupla para nós, brasileiros. Mas segui todos os protocolos, tudo direitinho: a OMS (Organização Mundial da Saúde), Deus, minha meditação, minha família e meu trabalho. E com muita positividade em vez de negacionismo.
Houve um medo real de morrer?
Claro. Quem não teve? Sofri muito. Tive iniciozinho de depressão, muitas inseguranças, muitos medos. E nós, artistas, recebemos tanta violência. Nunca vi tanto ódio contra artistas, quando foi a arte que salvou muita gente através das lives de música, de tantas peças de teatro filmadas e colocadas para todos em casa assistirem. Nem assim o governo conseguiu reparar o quanto a arte é importante e salvou a cabeça e a emoção de muita gente que estava trancada. Mas eles não vão conseguir acabar com a gente nunca.
Nunca vimos tanta gente enlutada pelo mundo por causa da pandemia, e você vive o maior dos lutos, que é a perda de um filho. Como se aprende a superar ou conviver com essa dor?
Não se supera. É muita terapia e espiritualidade. Eu perdi uma coisa imensa, que é o contato físico, o crescimento, os netos que o Rafael podia ter me dado, mas ganhei um filho maravilhoso, o maior amor do mundo, e isso ninguém me tira. Penso sempre no que eu ganhei. Me foram dados 18 anos. Não penso nem sei os anos que me foram tirados com o Rafael. Espero morrer antes dos meus dois outros filhos, mas por enquanto eu estou ganhando. A morte é a coisa mais certa na nossa vida. Nesse ciclo, a gente nunca espera perder um filho, mas eu procuro me agarrar nesse grande amor que me foi dado. Só faço agradecer a Deus por ter me dado o Rafael.
Todo santo dia eu acordo, medito e rezo. Minha intenção é que eu evolua hoje um pouquinho mais. Tudo é aprendizado, inclusive as grandes dores e tragédias. Elas têm que servir para a gente aprender e não ficar de vítima, chorando e reclamando.
A gente viu muitos casos de violência contra a mulher aumentando durante a pandemia. Como você leva esse tema, da violência de gênero, para dentro da sua casa?
Quando mais nova, várias coisas não eram faladas, porque eram consideradas quase um pecado, uma coisa vergonhosa. Mas sempre tive uma conversa muito clara com os meus filhos. Eles são muito femininos e feministas. Meu mais velho, Thomaz, 43, que é casado, faz o serviço de casa, toma conta dos filhos, de maneira igual à da mulher. Nunca quis ter babá, e agora está indo para o terceiro filho. O João, 37, é um ativista do feminismo. Eu fico muito orgulhosa. Eles viram a minha vida. Sou uma mulher com atitude feminista. Nunca tive dinheiro dado pelo pai e pela mãe, nem pelo marido. Tudo que eu tenho na minha vida foi conquista minha. Nunca tive medo de encarar, dizer o que eu penso. Faço o que eu quero com todo respeito ao outro. Então criei três homens muito feministas.
O que falta para encorajar as mulheres que ainda não conseguem denunciar a violência, procurar a polícia?
Eu entendo o medo de falar com a polícia, porque nem sempre a gente é bem recebida, mas acho que o medo maior está dentro de si, da vergonha, e a gente tem que lutar contra essa vergonha de se expor, e também contra a codependência. As mulheres têm que ter muita consciência de que elas têm capacidade de sair de um relacionamento tóxico, doente. Mas entendo que a gente está num processo, que há mulheres sem trabalhar e que sofrem abuso e violência doméstica por dependência. Mas, mulherada, vamos trabalhar. Tive três filhos e nunca parei. O problema é que a gente não tem um estado que colabore, porque uma creche custa caro, e não há vagas nas públicas. É um dever do estado proteger a mulher.
Você posta muita foto fazendo trilha, pedalando, e vem recebendo muitos elogios pela disposição. Como você está se olhando no espelho hoje?
O tempo é rei e meu amigo. Ele me ajuda a acalmar as minhas dores. Claro que tem a lei da gravidade e não posso dizer que estou achando muito bom envelhecer, que é muito bom ver o meu tônus não ficar tão bom, ter rugas. Tem coisa que é difícil e acho que senti o início da minha velhice mais na pandemia, porque como sou muito ativa, sinto que o meu corpo não acompanha, fico cansada. Porém, olho para isso de uma forma poética.
Estou engatinhando na minha velhice e vou entrar nela linda. Fisicamente, tenho uma estrutura bacana e sinto orgulho dessa mulher que eu sou. Como pessoa eu acho que sou muito melhor agora, na questão de experiência e aprendizado. Só tenho saudade do meu pique.
Chegou a se sacrificar para manter o corpo dito padrão na TV?
Tá doida? Eu posto vídeo acordando de manhã na cama, não uso filtro e nem sei usar. Sou a pessoa que menos usa maquiagem. Sou hippie. Claro que eu me cuido, vou a dermatologistas, adoro cremes, cuido muito do meu cabelo. Nunca fiz uma plástica na cara, um lifting. Até me arrependo, porque agora morro de medo. Acho que vai mudar minha cara. Já fiz lipo uma vez, há 30 anos, coloco botox de vez em quando. Preenchimento não dá certo comigo. Fiz uma vez e ficou uma merda. Falo para minha dermatologista me deixar uma senhora digna.
Me emociona quando eu vejo mulheres maduras com essa dignidade da sua cara lavada, com as marcas do tempo.
Recentemente você relembrou na sua rede uma capa da 'Sexy', de 2005, 11 anos depois da 'Playboy'. Faria essas fotos de novo?
Faria um ensaio, sim, porque acho maravilhoso. E não seria aquela beleza da gostosa, mas um lugar muito além. É o ser humano na sua totalidade, no seu tempo. Eu acho o corpo de uma jovem mais bonito do que um corpo de uma pessoa velha, com pelanca. A juventude é a coisa mais bonita do mundo, mas ela passa, e a gente não pode rotular de feia a velhice. Ela tem a sua beleza, porque é a história da gente. Acho legal mostrar uma certa flacidez. Encararia essa sem colocar Photoshop.
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