Ela combate a malária e lutou para jogar futebol com os homens no Amapá
No fim da tarde de um domingo, um temporal começa a se formar no horizonte do povoado de Pancada do Camaipi, uma comunidade tradicional a 85 km de Macapá, no Amapá. É dia 7 de novembro, início do inverno amazônico, a época mais chuvosa na região.
Simone Oliveira dos Santos e sua filha Elaine deixam a cozinha, onde haviam preparado almoço para mais de 15 pessoas, calçam chuteiras e vão para o campo de futebol. A chuva chega, mas não espanta ninguém. A partida dura mais de uma hora e o time de Simone, que conta também com seu marido e com seu filho, vence. Desde a infância, ela luta pela sua posição em campo e até desobedecia a mãe para jogar futebol.
"Ela proibia, mas eu fugia para jogar bola. Sempre gostei de futebol, passou um período que eu não joguei, fui ficando sedentária e a minha pressão foi subindo. Há uns três anos eu voltei a jogar e pronto: a pressão normalizou e eu perdi uns quilinhos. No início, os homens não queriam as mulheres, mas conquistamos nosso espaço. Agora, em todo time, temos nosso lugar garantido. Se tiver mais gente querendo jogar, os homens saem e as mulheres continuam", conta.
Torcedora do São Paulo, ela assiste aos jogos em companhia do filho Everton, que também é são-paulino. Mãe de seis filhos, todos adultos, e avó de sete netos, ela se separou do pai das crianças e há doze anos vive com um novo companheiro, que é palmeirense.
Pancada do Camaipi é uma vila com uma dezena de casas coloridas, espalhadas ao redor do campo de futebol gramado. A poucos metros das casas, o rio Camaipi banha uma prainha de areia clara e fina, onde ficam estacionadas as catraias, as canoas com motores, fundamentais para quem vive na região amazônica.
Combate à malária
Simone nasceu no Pará, mas fez a vida no Amapá e não troca a vida no Camaipi pela cidade. Há cerca de 15 anos, ela assumiu um importante papel para a comunidade e para o seu entorno: é microscopista e realiza diagnósticos de malária, endêmica na região, de doença de Chagas e de leishmaniose.
"Dois anos atrás, só faltou dar malária em cachorro", lembra. "Eu não tinha tempo nem de sentar à mesa para almoçar de tanto trabalho. Chegava às 7h no posto, parava às 15h para almoçar e alguém já me chamava. Depois, meia-noite, uma da manhã, as pessoas batiam na minha porta tremendo de frio e febre. Malária precisa de atendimento imediato, principalmente quando é criança, é sempre algo muito preocupante."
Muitas famílias vivem à beira do rio Camaipi e, quando há casos de malária, ela vai de casa em casa para fazer testes rápidos e colher amostras de sangue. "A gente conhece a realidade de cada um, tem pessoas bem carentes rio acima", diz.
Ela mesma já teve malária pelo menos 20 vezes. Há dois tipos mais comuns na área: a vivax e a falciparum. "Quando dá um caso de falciparum, preocupa muito. Ela pode matar em 24 horas."
No alpendre da sua casa, há um grande cartaz com informações sobre a malária e, antes de fazer a foto que ilustra essa reportagem, ela fez questão de vestir o uniforme do controle da vigilância ambiental.
O posto de saúde de Pancada do Camaipi tem apenas mais duas funcionárias além de Simone — o médico vai apenas para ações específicas. Por isso, é a ela que os vizinhos recorrem diante de uma emergência. "Já chegou gente com o dedo pendurado, com a perna quebrada. Eu atendo e faço os primeiros socorros antes de levar para Macapá."
Simone também usa conhecimentos tradicionais, como a banha de anta, usada para desinflamação. "É muito bom para dor de garganta."
Já vacinada com a dose de reforço, Simone conta que a covid-19 abateu o lugar, ainda que não tenha causado mortes próximas. Ela e o marido adoeceram, tiveram sintomas, mas se recuperaram.
Com a malária e a covid-19 sob controle, a microscopista elogia a atuação das autoridades sanitárias locais que, segundo ela, realmente se preocupam com a saúde da população. De tempos em tempos, ela é chamada para cursos de reciclagem e fica até duas semanas na capital para essas capacitações.
Agora, ela torce para que os filhos mais novos se interessem em cursar faculdade. "A mais nova está com 18 anos e disse que quer. Eu a apoio e já falei que estou pronta para o que ela precisar. É nesse momento que a gente tem que ajudar."
A dedicação ao combate à malária na comunidade foi um grande exemplo que ela deu e que a possibilitou ser independente. "Tive meu emprego que garantiu o sustento deles, mesmo sem o pai. Consegui apresentar um caminho. Acho que o principal é mostrar para eles que uma pessoa deve ter suas responsabilidades."
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