Mães e imigrantes: elas contam as angústias de criar filhos no exterior
A maternidade é uma jornada solitária e cheia de culpa. A carga e a responsabilidade de criar um ser humano acaba caindo mais na conta da mulher e são poucas as que têm alguma rede de apoio. Maternar sem ter a família por perto, em um país que não é o seu, se torna ainda mais difícil. A vivência de mulheres imigrantes que decidem ter seus filhos fora do Brasil pode ser solitária, exaustiva e angustiante. Veja alguns relatos abaixo.
'Nossa rede de apoio é a escola e os amigos'
"Nossos dois filhos nasceram aqui na Austrália. Nós nos mudamos porque era um país cujo clima e estilo de vida é semelhante ao do Brasil, mas o fuso horário torna bem difícil falar com a família. São 14 horas de diferença, quase o horário oposto. Assim, temos medo que nossos filhos percam contato com sua família e suas raízes.
Por mais que estejamos super adaptados e as crianças sejam australianas, é bem exaustivo criá-las longe de todos. Não temos férias, não temos descanso nunca. Nossa única rede de apoio é a escola e amigos, mas todo mundo aqui é imigrante, está sozinho, então a ajuda é muito limitada.
Estamos sempre muito colados com as crianças, não conseguimos sair sozinhos, principalmente depois que a nossa segunda filha nasceu. Nunca mais saímos sem eles. Quando adoecemos, piora ainda mais, o outro fica sobrecarregado. Fiquei internada por uma semana quando o meu filho tinha mais ou menos um ano. Meu marido teve que assumir a casa e nem conseguia ir ao hospital (não queríamos que nosso filho ficasse exposto ao ambiente hospitalar).
Outra coisa que passa muito pela nossa cabeça é: e se algo acontecer com nós dois juntos? Como ficam as crianças? Do Brasil até aqui, são 25 horas de viagem. Elas ficariam sozinhas por dois, três dias, e teriam que ir para um abrigo. Um casal de brasileiros com dois filhos morreu num acidente de carro aqui e fez com que pensássemos muito nisso. As pessoas no Brasil estão mais ancoradas pela família.
Por mais que a paternidade e a maternidade sejam exaustivas, é diferente saber que, se acontece uma emergência, você tem alguém para contar. A gente é confrontado com isso o tempo todo: e se a gente perder o emprego? E se não conseguirmos pagar a conta da casa? Não temos família aqui, não temos o que fazer.
A gente acaba sendo muito mais cauteloso, temos vários seguros, para tudo. Agora estamos fazendo um testamento para, caso nosso filhos fiquem órfãos, eles não sejam levados para um abrigo até um parente nosso do Brasil chegar. Só temos que pensar quem poderia cuidar deles enquanto isso." Denise Gomes, 40 anos, mora em Sydney, na Austrália. É advogada e mãe de Lucas, 7, e Bella, 4.
'Abri mão de um emprego para ficar com meu filho'
"Nós saímos do Brasil quando o meu primeiro filho tinha 5 anos, então na fase de bebê dele eu tive a ajuda da minha mãe e da minha irmã. Voltei a trabalhar quando ele tinha sete meses. Sempre tive ajuda delas, não precisava ficar faltando no trabalho.
Quando fomos para a Alemanha, ele já tinha o sistema imunológico fortalecido. Nós nos mudamos para Portugal há dois anos e pouco tempo depois engravidei. Longe da minha família e sem uma rede de apoio, foi uma outra experiência com o meu segundo filho. Como virei autônoma, não tive licença-maternidade. Não tive vários direitos que nos dão mais tranquilidade. Trabalho enquanto cuido dele, que está com um ano e nove meses, uma idade que quer mexer em tudo e pode ser perigoso ficar sem uma supervisão. Porém, por estar longe, é uma maternidade muito mais solitária do que vivi na primeira vez.
Tenho a sensação de que tenho que dar conta de tudo, de que nada pode acontecer com a gente. Se ficarmos doentes, quem cuida deles? Não há ninguém por perto. Só eu e meu marido. É muita angústia. Quando nós tomamos a decisão de morar fora por questão de qualidade de vida, nós pensamos sempre no bem-estar do nosso filho, mas ao mesmo tempo a gente sente culpa por sentir saudade e, principalmente, por impossibilitar que nossa família possa acompanhar o crescimento deles. É uma escolha, né? Toda família que sai do país de origem passa por isso, mas a gente tem que conviver e lidar com ela.
Há alguns dias, consegui uma oportunidade de recolocação profissional aqui em Portugal e precisei colocar meu filho na creche. Porém, logo na primeira semana, ele ficou doente. Tive que deixar o trabalho de lado para cuidar dele. Passamos alguns dias refletindo e eu e meu marido chegamos à conclusão de que deveria abrir mão da oportunidade, porque não teria como focar todo o meu tempo ao trabalho. Vou continuar como autônoma porque tenho flexibilidade de horário." Cintia Romano, 40 anos, é advogada de Oeiras, Portugal, e mãe de Eduardo, 9, e Angelo, 1 ano e nove meses.
'O mais difícil é privar nossos filhos do contato com os avós'
"Na primeira vez que eu fiquei grávida, eu estava em uma grande empresa, tinha licença-maternidade e uma rede de apoio em casa. Meus pais, meus sogros, minha irmã, minha cunhada estavam todos próximos. Numa emergência, sempre tínhamos alguém para ajudar.
Quando viemos para cá, éramos apenas nós três e era muito cansativo, porque não tínhamos ninguém para contar. Até trouxe uma farmácia com medo da criança ficar doente. Quando tive meu segundo filho, a nossa maior preocupação foi com quem iríamos deixar a nossa mais velha? Porque ela precisaria ficar três ou quatro dias com alguém enquanto eu estava no hospital. Tive sorte que minha mãe conseguiu vir, mas e se algo acontecesse? Se eu parisse antes do esperado?
Uma vez, precisava trabalhar e meu filho mais novo adoeceu. Não tinha quem pudesse cuidar dele e eu precisava fotografar e filmar, porque meu marido estava desempregado. Eu o coloquei em um canguru e levei ele comigo. Ele ficou junto a mim enquanto eu ficava lá e para cá fazendo as imagens do evento. Tive que me virar nos 90, nem nos 30.
O mais difícil, no entanto, é afastar os nossos filhos do convívio diário com os avós, porque eu vejo como minha filha é apaixonada pela avó. Quando minha mãe vai embora, ela fica três dias chorando. O meu mais novo conheceu os avós aos 7 meses e demorou dias para se acostumar com eles e percebi que eles ficaram chateados. E não tenho com quem falar sobre essas angústias.
Não posso me abrir para a minha mãe porque ela vai ficar preocupada. Além disso, já ouvi que essa foi a minha escolha e eu tenho que aguentar. Eu que sempre fui uma mulher muito segura das minhas decisões, hoje em dia eu fico muito insegura. Sempre fico pensando que estou fazendo isso por eles e ainda sinto culpa." Ivy Jannibelli, 36 anos, mora em Lisboa, Portugal. É fotógrafa, videomaker e mãe de Amora, 4, e Romeo, 1.
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