Millennials em exaustão: em livro, autora explica 'geração burnout'
Parecia um recado irônico do universo a entrega do bestseller "Não aguento mais não aguentar mais: Como os Millennials se tornaram a geração do burnout" (ed. HarperCollins Brasil), da jornalista Anne Helen Petersen, em minha casa. Em março deste ano, depois de uma consulta com minha psicóloga e com uma psiquiatra, tive o diagnóstico de burnout. Passei por um esgotamento profissional que me fez ficar afastada do trabalho por um período. Tenho 32 anos, ou seja, sou da geração millennial, aqueles que nasceram entre o começo dos anos 1980 e o finalzinho dos anos 1990.
Anne decidiu se aprofundar sobre o burnout depois de publicar um artigo sobre o assunto que teve mais de 8 milhões de visualizações. No livro, ela relata o período em que viveu a exaustão ligada ao trabalho e como isso foi dificultando a realização de tarefas aparentemente simples da vida adulta.
Ao contar sobre o que fazia e sentia nesse longo e (não tão) silencioso "queimar lentamente", a escritora me fez entender duas coisas fundamentais: não é um problema pessoal e, realmente, as coisas não precisam ser assim. Nos últimos meses, a psicoterapia e a psiquiatria, com a prescrição de remédios, têm sido meus pontos de apoio, ao lado de estratégias para equilibrar a vida pessoal e a profissional, como dar pausas ao longo do dia, fazer yoga e tentar afastar a confusão mental que me assolava.
Anne, apesar de se basear na sociedade do país onde nasceu, também fala sobre isso e dá para reconhecer ali muitas experiências que vivemos como millenials brasileiros: muita cobrança, responsabilidade e busca por propósito no trabalho estão no rol dos sintomas que a jornalista levanta em sua pesquisa. Há ainda o agravamento dessas situações pela questão de gênero; ou seja, mulheres estão ainda mais cansadas. Por isso, fiz questão de conversar com ela para esta série.
Para investigar como e por que esse esgotamento atinge as mulheres brasileiras de forma mais massiva, Universa foi a fundo no assunto e publica, nesta semana, 5 reportagens sobre o tema. Além da entrevista que você lê a seguir, vamos falar sobre como carreira, trabalho, relacionamentos e maternidade se refletem sobre a saúde mental feminina.
UNIVERSA Você diz no livro que os millenials são a geração da "lista de afazeres". Mulheres são mais propensas a esse comportamento? Por quê?
Acho que organização, arrumação e "ordem" são características que associamos mais às mulheres, e parte da razão é que nós somos responsáveis por operar como "gerentes de projeto" de nossas famílias. As mulheres mantêm todo o empreendimento funcionando, e o quanto mais complicado ele é, mais listas são necessárias para manter as coisas realmente acontecendo.
As mulheres também sabem que, se alguma coisa não for feita, ou for perdida, ou alguma permissão não for assinada para seus filhos, a culpa quase sempre recairá sobre elas, não sobre seus parceiros ou maridos.
2021 pode ser visto como "o ano em que perdemos o fôlego"? E como recuperá-lo, principalmente aqueles que tiveram burnout ligado ao trabalho, para seguir em frente?
O primeiro passo é reconhecer que você perdeu o fôlego -- eu adorei essa frase -- e ativamente descobrir uma estratégia para lidar com isso que não seja apenas "tirar férias". Férias realmente ajudam (acabei de tirar minhas primeiras férias verdadeiramente repousantes desde a pandemia, e foram incrivelmente energizantes), mas não são suficientes.
A recuperação tem a ver com aprender a dizer "não"?
Como você vai redefinir e depois continuar a diminuir a carga geral de responsabilidades e reorientar a colocação do trabalho em sua vida? Para mim, tem sido realmente praticar o dizer "não", mesmo para coisas que quero dizer "sim". E, conscientemente, cavando horários dos dias que não estão abertos a incursões de trabalho.
Por que decidiu escrever sobre sua experiência com o burnout?
Sou formada como acadêmica, mas como acadêmica feminista, para quem o pessoal é sempre político. Sempre me pareceu importante priorizar os privilégios, o histórico de classe e a posição a partir dos quais estava escrevendo.
Mas, por ter escrito para a internet por tanto tempo, sabia que era importante ilustrar também os conceitos mais amplos do que estava falando no livro. Então, comecei a me interessar por esses conceitos porque, bem, eles aconteceram comigo.
Pensei que outras pessoas poderiam considerá-los identificáveis (especialmente o processo de negar que eu estava exausta). E esse parece ser o caso. No entanto, foi importante expandir o livro além de minha própria posição, e é por isso que tantas outras vozes e experiências de burnout estão incluídas.
Você teve vergonha do diagnóstico de burnout?
Estava definitivamente envergonhada antes de chegar aos termos do que ele pode ser, porque para mim ter burnout significava não poder lidar com a carga de trabalho, e eu ainda estava lidando com ela. Mas, assim que descobri que o esgotamento poderia se manifestar de maneira diferente, foi muito esclarecedor e até reconfortante.
Por que diz que os millenials não sabem descansar?
Essa geração se acostumou com o sentimento de instabilidade e precariedade. E para encontrar alguma aparência de segurança nesse sentimento, eles sentem a necessidade de trabalhar o tempo todo.
Uma pesquisa mostrou que, no Brasil, as mulheres se sentem mais ansiosas, oprimidas e sofrem mais de transtornos psicológicos do que os homens durante a pandemia. Como podemos nos ajudar a sair dessa realidade?
Muito disso está relacionado à minha primeira resposta: as mulheres são quem faz "gerenciamento de projetos" da casa. Por isso, são mais propensas a se responsabilizarem pelas questões de saúde de sua família (acompanhando em consultas médicas, etc.). Então faria sentido que elas também sentissem mais o estresse em torno do medo do coronavírus. Tudo isso enquanto também tentam "administrar" suas famílias em geral, as expectativas no trabalho e, dependendo da situação, as lacunas no cuidado dos filhos.
Vivermos focados em telas e redes sociais tem a ver com exaustão? E como escapar desse estilo de vida?
Existem pessoas que vivem muito menos focadas na tela, embora não sejam necessariamente avessas às novas tecnologias. E a maioria das pessoas que conheço que descobriram esse relacionamento mais saudável com as telas se protegeram contra os componentes mais viciantes de seus telefones/telas, especialmente as mídias sociais.
Muitos deles também mantêm o e-mail comercial fora do telefone. Se o seu telefone não tem mídia social, nem e-mail... É apenas um telefone, e menos um caça-níqueis que você não consegue parar de alimentar.
O que falar para alguém que está prestes a ter um burnout, mas não percebe?
O primeiro passo é reconhecer os comportamentos como "de esgotamento". Sempre sei que estou quase esgotada quando tenho dificuldade em ler à noite e, em vez disso, opto por apenas rolar o telefone. Então, quando sinto que esses sentimentos estão surgindo, tento encontrar espaços para me afastar, para criar mais oportunidade para fazer coisas que amo ou que envolvam "não fazer nada" (como jardinagem, dar uma longa caminhada com meus cachorros ou cozinhar demoradamente uma receita).
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