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Mulheres têm maternidade adiada após Anvisa proibir óvulos da EggBank

Cerca de 50 centros de reprodução assistida em todo Brasil utilizam os serviços da EggBank -  Dragos Gontariu/Unsplash
Cerca de 50 centros de reprodução assistida em todo Brasil utilizam os serviços da EggBank Imagem: Dragos Gontariu/Unsplash

Aline Dini

Colaboração para Universa

06/12/2021 04h00

Centenas de mulheres que recorreram aos óvulos doados vindos da empresa EggBank, localizada no Rio de Janeiro, estão com seus planos de maternidade indefinidos. Isso porque a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) interditou a instituição, proibindo o prosseguimento de procedimentos como coleta e recepção de óvulos.

A agência reguladora também proibiu que os centros de reprodução humana assistida que tenham adquirido ou mantenham armazenadas amostras da EggBank prosseguissem com os tratamentos e solicitou que informassem a data de aquisição, a quantidade de óvulos, e os nomes das doadoras e pacientes que adquiriram os gametas. Ao todo, são cerca de 50 centros em todo Brasil que utilizam os serviços da EggBank.

Maria Caroline T., 40, de São Paulo, é uma das pacientes que tiveram o sonho da maternidade interrompido. Ela, que já havia passado por três captações de óvulos próprios, sem conseguir nenhum embrião geneticamente saudável, recorreu aos óvulos doados para não ter que enfrentar uma nova frustração com seus próprios óvulos. "Eu resolvi que eu não passaria por aquilo novamente e segui o conselho do meu médico de procurar a EggBank. Mas agora, com a interdição da empresa e sem poder usar os óvulos adquiridos, acredito que a conduta mais decente seria oferecer o ressarcimento do valor, já que não se sabe quando e se os processos serão retomados", diz.

Segundo a agência reguladora, a EggBank não cumpria com os requisitos mínimos necessários da Resolução Diretória Colegiada (RDC) nº 23, de 27 de maio de 2011, não tendo uma licença para funcionamento de Banco de Células e Tecidos Germinativos (BCTG). A agência informou ainda que, entre o período de 2018 e 2021, a EggBank não foi inspecionada ou licenciada pelas autoridades sanitárias competentes.

Sem licenciamento sanitário

Em entrevista a Universa, a Anvisa reforçou que qualquer estabelecimento que trabalhe com gametas e embriões humanos para técnicas de reprodução humana assistida, no Brasil, deve ser constituído de acordo com a regulamentação citada acima. E que o estabelecimento deve seguir critérios técnico-sanitários mínimos de forma a assegurar que todos os processos de coleta de amostras, testagem, processamento, armazenamento, testes de controle de qualidade, transporte e distribuição sigam rígidos controles de forma a garantir segurança e qualidade das técnicas de fertilização realizadas.

"Em processo de monitoramento realizado pela Anvisa e pela Vigilância Sanitária do Rio de Janeiro, foi detectada a prestação de serviços de reprodução humana assistida pela empresa EggBank sem licenciamento sanitário, ou seja, sem a garantia do cumprimento dos critérios acima elencados. Por isso, o principal instrumento e primordial neste caso é o licenciamento sanitário. Inclusive, sem este documento a empresa está infringindo normas sanitárias e legais e atuando na clandestinidade", diz a Anvisa.

Além da falta de licenciamento específico (BCTG), a Anvisa apontou outras irregularidades: a classificação da empresa como um "banco multicêntrico" de gametas (não existe na legislação brasileira vigente essa possibilidade); indícios de não haver caráter gratuito ou altruísta por parte das doadoras; e o não envolvimento da figura da doação compartilhada. No Brasil, de acordo com as normas atuais do Conselho Federal de Medicina, a doação de óvulos não pode ter caráter lucrativo ou comercial, como beneficiamento financeiro para quem está doando. Além disso, a doação precisa ser feita de maneira anônima. E desde maio desse ano, o CFM autorizou que parentes de até 4º grau (mãe, irmã, tia, sobrinha ou prima) também podem doar seus óvulos.

Processo de adequação

Procurado por Universa, Felipe Gomes, diretor da EggBank, responsável por operações e relações públicas, disse ter feito as seguintes mudanças solicitadas pela agência reguladora: instalação de uma estrutura clínica; alteração na razão social, informando serviços de medicina reprodutiva; mudança no site, especificando os tratamentos oferecidos; e mudança nos termos assinados pelas pacientes, deixando de se auto intitular como "banco multicêntrico" e passando para "programa de óvulo recepção e óvulo doação".

Já a licença em questão, a empresa continua não possuindo. Quem tem são as duas clínicas contratadas pelo EggBank e para onde as doadoras são encaminhadas: Barra Femina e Clínica Origen, que correspondem à parte laboratorial, punção dos óvulos, congelamento e armazenamento. No entanto, para a Anvisa, se não houver o total cumprimento de todas as exigências de qualidade apontadas pela agência, a empresa não poderá voltar a funcionar.

Doação não gratuita ou altruísta?

Outro ponto importante levantado pela agência reguladora é que poderia haver indícios das doações de óvulos feitas ao EggBank não terem caráter gratuito ou altruísta.

"Sempre que se encontra um estabelecimento/empresa prestando serviços de uso de células e tecidos humanos em tratamentos clínicos sem licenciamento sanitário, essa é uma situação a ser verificada, considerando que, no Brasil, a comercialização de partes do corpo humano é proibida pela Constituição Federal. A Anvisa e Vigilância Sanitária local estão reunindo documentos em processos de fiscalização que se encontram em andamento", diz a agência.

Quem paga a conta?

O modelo de atuação da EggBank é diferente do oferecido pelas clínicas de reprodução assistida brasileiras: o grande incentivo e atrativo que faz centenas de mulheres se submeterem ao processo de doação de óvulos se dá porque elas têm, em contrapartida, a possibilidade de fazer um tratamento de reprodução assistida gratuito, seja ele uma fertilização in vitro ou um congelamento de óvulos. Mas quem paga essa conta? De acordo com Felipe Gomes, todos os custos são repassados às receptoras. Já nas clínicas convencionais, a maior parte dos casos de doação e recepção é compartilhada entre as pacientes, sendo que a doadora recebe em troca dos óvulos um desconto no tratamento, que é custeado apenas em parte pela receptora.

Vale dizer que o modelo atual faz com possa haver meses de espera em busca de uma doadora com características físicas semelhantes às da receptora. E nem sempre a receptora se contenta em ficar esperando aparecer a doadora ideal, o que faz com que recorram à ovorecepção feita em outros países, como a Espanha, onde as leis são mais flexíveis em relação à doação e recepção de óvulos, e as doadoras são remuneradas por isso. Só no Instituto Valenciano de Infertilidade (IVI), localizado na cidade de Valência, 100 pacientes brasileiras realizavam a fertilização in vitro por meio da ovorecepção anualmente, no período pré-pandemia.

Outra alternativa procurada pelas receptoras é a importação dos óvulos de bancos internacionais e que, portanto, permitem essa transação de caráter comercial. Porém, o preço do tratamento fica bem mais alto.

"Precisamos facilitar o acesso à recepção de óvulos no Brasil, reduzindo assim a dor que a dificuldade para gerar e a espera causa nessas pessoas, sejam elas mães solo, casais héteros ou homoafetivos, que precisam recorrer a esse recurso e encontram tantas barreiras. Seria importante termos ainda mais iniciativas que ligassem doadoras às receptoras, sempre com segurança e em conformidade com as normas das agências reguladoras", diz o ginecologista Paulo Gallo, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH).

O que fazer agora?

Essa é a pergunta que não quer calar para quem tem óvulos ou até mesmo embriões gerados a partir dos gametas vindos da EggBank. Ana Paula Carvalho de Oliveira, 52, de Juiz de Fora (MG), que tem seis óvulos obtidos através da empresa, diz ter esperanças que em breve tudo seja regularizado e ela possa prosseguir com o sonho de ser mãe.

"Apesar disso, estou emocionalmente muito abalada e até precisei aumentar a dosagem do meu ansiolítico. Não é fácil passar tantos anos tentando engravidar, depois ter que lidar com a ideia de precisar de óvulos de outra mulher e, quando finalmente tivemos a aceitação emocional para o processo, vem esse baque", desabafa Ana Paula.

A advogada Amanda Potgman, especializada em direito médico e da saúde, de São Paulo, diz ter sido procurada por diversas mulheres na mesma situação de incerteza. "Há quem esteja desesperada, querendo tomar atitudes judiciais o quanto antes, e outras que estão na esperança de tudo se resolver", conta. Seja qual for o caso, vale sempre se valer de orientações jurídicas a respeito de como proceder, conforme o andamento do caso. Aqui vão algumas recomendações da especialista:

- Entre em contato com a clínica para entender se ela está cumprindo o pedido da Anvisa de também enviar os dados dos gametas vindos da EggBank.

- Tenha contato direto com o atendimento do EggBank para entender quais são os esclarecimentos até o momento.

- Formalize um e-mail expondo o seu descontentamento e ponto de vista e, se não houver mais a intenção de continuar com o material adquirido da EggBank, tente uma revisão de contrato e acordo consensual para reaver o valor investido. Estipule um prazo para resposta, deixando-os cientes que a não resposta dentro daquele prazo é sinal de desinteresse no possível acordo.

- Se não houver acordo consensual, é possível recorrer ao Juizado Especial Cível de sua cidade, a fim de não ter custos com a ação, ou a um advogado especializado.