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'Projeto Xoxotista': Ela se inspira em vulvas para vender joias e adereços

A arquiteta Camila Gomes Barboza de Souza incentiva a mulher a conhecer mais seu corpo enquanto vende seus brincos - Zô Guimarães/UOL
A arquiteta Camila Gomes Barboza de Souza incentiva a mulher a conhecer mais seu corpo enquanto vende seus brincos Imagem: Zô Guimarães/UOL

Luiza Souto

De Universa

06/12/2021 04h00

Era um dia chuvoso de samba no Cardosão, conhecido bar em Laranjeiras, na zona sul do Rio de Janeiro, quando a arquiteta Camila Gomes Barboza de Souza, 41 anos, rodopiava com um estandarte cheio de brincos em forma de vulva: "Quer comprar uma xoxota? É para pagar minha cerveja", ela falava, segurando pepecas das mais variadas cores e tamanhos. Tinha para todos os gostos e nomes, como a barroca, a surrealista e a minimalista. Rolava até algumas menstruadas.

Desempregada desde 2015 após sofrer assédio moral e misoginia num escritório onde trabalhava, Camila transformou o hobby de produzir suas próprias fantasias de carnaval e bijuterias variadas em trabalho, e passou a vender brincos e colares em rodas de samba, bares e feiras. Surgiu assim o Arco Acessórios.

Até que, no início de 2019, ficou sem ideia de fantasia para o Carnaval, e uma amiga deu a dica de imprimir uma temática feminista em seus adereços. Passou, assim, a fazer acessórios em formato de vulva. "Para bancar a cerveja, pensei em vender uns brincos de xoxota", ressalta. Nascia aí o que ela chamaria mais tarde de Projeto Xoxotista.

Camila Gomes Barboza de Souza se inspira em vulvas para vender joias e adereços -  Zô Guimarães/UOL -  Zô Guimarães/UOL
A ideia do Projeto Xoxotista nasceu no Carnaval de 2019
Imagem: Zô Guimarães/UOL

Feminino festivo

E lá foi Camila tranquilona para o Bloco da Ansiedade, no Largo do Machado, também na zona sul, com seu estandarte de pepecas feitas de feltro, paetês e contas. A recepção até que foi boa:

"Houve olhares de curiosidade, e eu ficava meio que sem saber se as mulheres estavam entendendo o que era. Num primeiro momento, abordava com um termo técnico, falava que era de vulvas, mas depois já falava xoxota, e logo veio um monte de mulher —e alguns caras também— querendo tirar foto. Vi que tinha demanda."

A vendedora observou ali também a oportunidade de incentivar as mulheres a falar mais abertamente sobre o corpo.

"Acontece de mulher reclamar, justificando que não compra porque gosta de pênis, e outras ainda pedem para o companheiro escolher qual vulva se parece mais com a dela. E aí eu falo: 'Não, mana, é você quem tem de saber qual é a xoxota mais parecida com a sua. Se olhe no espelho!'".

Eu falo que é meu feminismo festivo, porque converso muito sério sobre sexualidade e tabus com as mulheres. É uma responsa, mas tenho muito orgulho. Faço por elas.

Camila Souza, criadora e vendedora de acessórios

Camila Gomes Barboza de Souza se inspira em vulvas para vender joias e adereços - Zô Guimarães/UOL - Zô Guimarães/UOL
A engenheira Debora Valadares (de preto) achou corajosa e revolucionária a atitude de Camila
Imagem: Zô Guimarães/UOL

O samba que elas querem

Duas semanas após encontrar Camila no Cardosão, Universa a acompanhou na volta da também tradicional roda de rua da Banca do André, na Cinelândia. Era Dia Nacional do Samba (2), e apresentação de uma banda só de mulheres, o Samba que Elas Querem. Noite perfeita para Camila rodopiar com suas vulvas coloridas e falar sobre o tema.

A engenheira Debora Valadares, 26 anos, achou corajosa e revolucionária a atitude de Camila.

"Ver uma mulher falando tão abertamente sobre vagina é algo natural, forte e potente. Faz eu sentir que não estou sozinha. Sinto admiração e isso me fortalece, me instiga a querer ter cada vez mais conhecimento sobre tudo que envolva esse assunto. Me sinto inspirada por mulheres como a Camila", diz Debora, enquanto compra um brinco.

Quanto mais pessoas passarem a ver a vulva, a vagina, como algo natural, mais rápido a gente vai chegar numa sociedade que nos respeita como devemos ser respeitadas. E queria dar força para o trabalho dela. Não é todo mundo que tem coragem de sair na rua vendendo vulvas.

Debora Valadares, engenheira

O vendedor Fellipe Moura, 33 anos, endossa e até escolheu uma pepeca verde para dar de presente para um amigo.

"Eu vim de uma geração machista, faço piada errada e peço perdão. E vamos aprendendo ao falar sobre isso abertamente", ele afirma.

Camila Gomes Barboza de Souza se inspira em vulvas para vender joias e adereços -  Zô Guimarães/UOL -  Zô Guimarães/UOL
O vendedor Fellipe Moura comprou um brinco para um amigo
Imagem: Zô Guimarães/UOL

'Aceitei minha vulva após os 30'

Por 10 anos, a vendedora teve um único relacionamento, e se viu solteira aos 31. Inexperiente, em suas palavras, diz que só começou a se olhar com profundidade depois do término. E prestou atenção na sua vulva. "Achava que tinha alguma coisa errada, que era anatomicamente esquisita", ela explica.

"Eu transava com muitas caras e quase nunca gozava. Só comecei a me masturbar depois dos 30. Ficava constrangida de abordar esses assuntos com as amigas, porque achava que todo mundo gozava sempre. Foi quando tive coragem de conversar sobre isso com uma amiga, que é psicóloga, e foi ela quem me incentivou a conhecer meu corpo."

Certa da importância de falar mais sobre essas questões, e percebendo que estava provocando as mulheres com sua arte, criou o Projeto Xoxotista, que a princípio aconteceria apenas no Carnaval, mas hoje ela divide seu tempo entre as joias que já confeccionava e os brincos em forma de vaginas.

Camila Gomes Barboza de Souza se inspira em vulvas para vender joias e adereços -  Zô Guimarães/UOL -  Zô Guimarães/UOL
Cada brinco que Camila produz tem um nome
Imagem: Zô Guimarães/UOL

Os brincos e colares vão de R$ 20 a R$ 100, e os do Projeto Xoxotista estão entre R$ 5 e 20. Quem quiser, pode também encomendar algum acessório, como coroa e ombreira, por até R$ 60. Mas tem que ser antes do Carnaval, porque se realmente o Rio de Janeiro confirmar as festividades, por conta da nova variante do coronavírus, Camila não pensa em colocar as xoxotas na rua.

"Estou me preparando psicologicamente para fugir do Carnaval. Sou apaixonada, mas não sei se terei coragem de curtir. Ainda estamos numa situação muito delicada e acho perigoso fazer."