Empreendedoras, elas vendem chá feminista, banhos e mandalas para mulheres
Você já deve ter ouvido a frase "Somos netas das bruxas que não conseguiram queimar". Propagada por algumas feministas, a expressão, em alguns casos, também se alia ao empreendedorismo feminino. Apostando em símbolos e discursos de busca pelo autoconhecimento e pela ancestralidade, empresas criadas por mulheres e para mulheres centralizam a criação de seus produtos nessa promessa de conexão feminina. São artigos como mandalas para o acompanhamento do ciclo menstrual, chás feministas e banhos de ervas para terapias holísticas.
Universa conversou com quatro empreendedoras sobre a trajetória para construírem suas próprias marcas e sobre como produzir para um mercado "alternativo" feminino impacta na vida delas, dentro e fora do expediente. Ao final, veja sugestões do que comprar de cada uma delas.
Escrever, acompanhar o ciclo: o sucesso da agenda "Mandala Lunar"
Criada em 2015, a agenda "Mandala Lunar" se tornou o caderno de cabeceira de pelo menos 70 mil pessoas, calculam as criadoras do produto.
A mandala une muitas propostas: é possível usá-la como um planner, para anotar compromissos, como um diário de reflexões ou como um livro para consultar textos e ilustrações sobre ciclo menstrual (não à toa, se chama mandala lunar, uma ferramenta que pessoas que menstruam podem usar para ter mais conhecimento sobre o próprio corpo), ecologia e outros temas de interesse feminino. Tudo é feito apenas por artistas mulheres, negras, trans.
Segundo uma das idealizadoras da marca, Naíla Andrade, a ideia da agenda reflete a vontade que ela e a parceira na empreitada, Ieve Holthausen, tinham de ver um livro assim. "Empreender vem desse lugar. Acho importante as mulheres abrirem espaços que não existem, porque estamos encontrando nossos caminhos". A empresa, que tem uma equipe de 14 pessoas e se preocupa em contratar com base na diversidade, não divulga a tiragem nem o faturamento anuais.
A mandala tem intenção de trazer conhecimento sobre a saúde e sobre o corpo, colocando-o nos ritmos naturais da vida, como dos ciclos da lua e das estações.
O que vende
De acordo com o site, o livro é um recurso para o registro diário das sensações físicas, emocionais e energéticas. As vendas são feitas pela internet e por uma rede de revendedoras. A agenda custa R$ 80. No perfil do Instagram @mandalalunar, é possível acompanhar novidades sobre a disponibilidade do produto.
Um chazinho feminista: caminho para cuidados naturais e ancestrais
Cinco mulheres em uma equipe central e a prioridade de criar vínculos com negócios femininos mantém em pé a marca "The Feminist Tea", da CEO Lais Trajano. Com chás embalados em pacotes com dizeres feministas, a empresa criada há três anos vende seus produtos para "mulheres comuns, de 25 a 55 anos, que estão na jornada de se desprender de limitações impostas pela sociedade, buscando se conectar mais com sua deusa interior, querendo ser mais livres", descreve a fundadora, que não abre informações sobre vendagem e faturamento anuais.
A bebida é o carro-chefe da marca. Segundo Lais, os sachês trazem mais de mil mensagens feministas, de empoderamento e de mulheres que se tornaram referência. "Funciona como um biscoito chinês".
Para ela, o chá tem o poder de resgatar a valorização da sabedoria ancestral feminina e inspira mulheres a se observarem e pararem um tempinho para respirar. "A mulher começa a fazer suas poções, percebe que ela mesma pode ser a sua cura, a sua 'abuela' ["avó" em espanhol], a sua maga, a sua melhor amiga, a sua medicina."
A empresa causou furor nas redes sociais com o boné "Feminista exausta", usado por famosas como Taís Araújo. O feminismo serve como inspiração para outras mercadorias, como roupão, ecobag e fitinha para celular.
"Meu empreendedorismo veio da vontade de viver num mundo melhor. A indignação vira uma potência que move. Antes de fundar a marca, ficava indignada de ver mulheres trabalhando pra caramba e sempre homens saindo em capas de revista. Vivemos em uma sociedade onde o dinheiro e o poder ficaram por muitas anos nas mãos dos homens, em sua maioria brancos", diz a CEO.
"Empoderamento financeiro é fundamental dentro do empoderamento feminino. O empreendedorismo tem papel importante para tentar mudar essas estruturas de poder e acesso a dinheiro."
O que vende
No site da empresa, o pacote de chás com 15 sachês custam R$ 32,90. Já o boné "Feminista exausta" sai por R$ 92,90.
Banhos de erva: a empresa de uma mulher só de Fernanda Saba
Em 2017, a publicitária Fernanda Saba buscou um caminho alternativo à rotina profissional desgastante na área da comunicação. Depois de fazer cursos sobre autoconhecimento e espiritualidade, passou a escrever sobre os temas no Instagram. Foi na rede social que também passou a gerenciar parte das vendas da marca autoral Semente Solar, que vende banhos de ervas e sprays aromáticos.
Pesquisando sobre as plantas medicinais, a empreendedora criou um catálogo de produtos e passou a vender principalmente para o uso em rituais de Ano-Novo. Para ela, o empreendimento está alinhado com o lado intuitivo e de sensibilidade das mulheres e suas crenças.
Empreender neste tipo de marca autoral nunca é só sobre o produto. Penso em como a planta vai atuar na energia vibracional das pessoas. E entendo que as mulheres têm mais essa conexão e a busca por acolhimento e autoconhecimento.
Tocando uma empresa de uma pessoa só, Fernanda retomou alguns trabalhos na publicidade durante a pandemia. No ano passado, fechou as vendas em um valor de R$ 3 mil. No final do ano, no entanto, a busca aumenta, além de ter mais movimento em datas comerciais como o Dia das Mães e dos Namorados. "Além dos produtos, mantive o atendimento de terapias holísticas: Reiki, Barra de Access, cama de ervas e thetahealing."
O que vende
Entre os banhos vendidos no Instagram @sementesolar, há o de amor e autoestima, para quem deseja se conectar com a energia do amor incondicional, da autovalorização, do amor-próprio. O vidrinho custa R$ 17.
Chá como terapia holística: a história de Flávia Barbosa
Depois de fazer um curso de sommelier de chá, há cinco anos, a empreendedora Flávia Barbosa imaginou um blend (mistura) que demoraria um tempo até sair do papel.
Nascida em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, ela foi para a capital com uma faculdade de moda incompleta e trabalhou em casas de chá. Após dois anos de carteira assinada na função, Flávia resolveu empreender e criou a Capins da Terra.
"A energia de São Paulo nos deixa muito cansados e as ervas foram um bálsamo, uma forma de criar rituais de sobrevivência nesse centro urbano", explica.
Chás e banhos artesanais compõem o catálogo da empresa, que começou a atender o público em feiras de produtos e, na pandemia, migrou para o funcionamento pela internet.
"O formato de que gosto mesmo é olhar no olho da pessoa, para indicar o que ela está mais precisando. Os chás, nosso carro-chefe, são uma ferramenta para nosso público, que é composto por mulheres que estão em processo de autoconhecimento, fazem práticas como yoga, são vegetarianas e muitas vezes já conhecem o lado ritualístico das ervas."
Flávia explica que a Capins da Terra surgiu com a proposta de oferecer o chá como uma terapia holística às mulheres que o consomem e que há uma troca nesse processo.
Elas me dão força, dou força para elas e, com isso, construímos lugares possíveis de se habitar. Aí é possível imaginar a criação de um futuro feminino.
A empresa, diz a fundadora, conta hoje com quatro funcionárias e, no último ano, teve faturamento de R$ 80 mil. Neste ano, a previsão é que as contas ultrapassem esse valor, contando com o fato de que a marca também atende a encomendas de empresas e eventos.
O que vende
O chá Blend Energy (a partir de R$ 28), de acordo com a marca, é naturalmente estimulante, aumenta a imunidade e melhora a digestão. Feito à base de chá verde com gengibre, semente de coentro, ginseng, cardamomo, cravo, noz-moscada e raiz de açafrão.
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