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'Sex and the City' de volta: como série contaminou minha vida amorosa

"And Just Like That", revival de "Sex and the City", estreia na quinta (9) na HBO Max - Divulgação/HBO Max
"And Just Like That", revival de "Sex and the City", estreia na quinta (9) na HBO Max Imagem: Divulgação/HBO Max

Camila Brandalise

De Universa

08/12/2021 04h00

Lembro a primeira cena de "Sex and the City" que vi e como fiquei hipnotizada pelo que aparecia na tela. Tinha 14 anos, fazia parte de uma família extremamente católica onde sexo era assunto proibido, acreditava que tinha que casar virgem e que aos 30 anos teria marido, filhos, casa própria e carro na garagem. Aquela velha história.

E aí eu vejo a personagem da Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker), com 31 anos, se questionando por ter transado no primeiro encontro com o crush que ela apelidou de Big (Chris Noth). Era uma cena do sexto episódio da primeira temporada, estavam os dois no chão do quarto dele enquanto o fluxo mental da protagonista jogava na minha cara um jeito de ser mulher que até então eu nem sabia que existia, ainda que essa dúvida dela, hoje, me soe muito careta.

Mais velha, passei a assistir aos episódios semanais que eram exibidos na televisão. Em outra época, aluguei em DVD para ver a série completa. Fui acompanhando o avanço da tecnologia: baixei o programa em um site pirata, depois comprei os DVDs para ter em casa e hoje, no streaming da HBO Max, faço o que já fiz várias vezes no passado: assisto à série sempre que tenho o coração partido ou quando quero ver mulheres vivendo uma vida sem grandes problemas. Agora aguardo um novo capítulo dessa história: na quinta-feira (9), estreia "And Just Like That", uma continuação de "Sex and the City", também na HBO Max.

As protagonistas da continuação de "Sex and the City" - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
As protagonistas da continuação de "Sex and the City"
Imagem: Reprodução/Instagram

Pelos meus cálculos, devo ter assistido todos os episódios, do começo ao fim, 13 vezes. Podem me julgar. Por um lado, me confortou. É como se as histórias me dessem uma certa esperança ao normalizar o fato de que passa muita gente pelo nosso caminho até aparecer aquela pessoa que vai ficar por mais tempo. Todas as quatro personagens principais têm encontros atrás de encontros e diversas decepções amorosas — sempre contadas entre piadas e facilmente superadas. No meio de tudo isso, havia muita conversa sobre sexo e alguma sobre trabalho.

Por outro lado, mostra uma mulher apegadíssima a um homem e que só tem um final feliz porque fica com ele — vocês já devem saber que Carrie e Big ficam juntos. A gente já recebe esse tipo de mensagem de todo o lado, seria melhor que uma das séries mais icônicas já vistas não apertasse essa tecla com tanta força. Ainda assim, ao dizer com todas as letras que mulheres são poderosas e também querem viver sua sexualidade, fez escola. Diversos outros programas surgiram depois disso, e até hoje, com premissa parecida.

Carrie é chata, e série é revolucionária, mas estereotipada

A autora do livro homônimo que deu origem à série vê o programa como uma história não muito positiva para as mulheres. Candace Bushnell disse em entrevista ao jornal "New York Post", em outubro, que não considera o programa feminista, principalmente por causa das incessantes tentativas de Carrie de ficar com Big. No final das contas, segue o estereótipo da mulher heterossexual: então a felicidade só será completa se eu tiver um homem ao meu lado?

A personagem Carrie Bradshaw - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
A personagem Carrie Bradshaw
Imagem: Reprodução/Instagram

Com os olhos de hoje, há vários outros problemas, começando pela falta de representatividade. No programa, a mulher branca hetero e rica está no centro do que se chama de feminino. É como se representassem um perfil universal de mulher.

O conceito deveria englobar diferentes raças, classes, orientações sexuais. E nem dá para colocar a culpa em uma possível falta de discussão da época: a filósofa Angela Davis fala disso, pelo menos, desde 1981. Eu, uma mulher branca de classe média, não percebi o problema por muito tempo. Errei. Hoje me salta aos olhos.

Charlotte (Kristin Davis) continua sendo a madame da série - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Charlotte (Kristin Davis) continua sendo a madame da série
Imagem: Reprodução/Instagram

Com o tempo também comecei a achar a Carrie uma amiga chata, autocentrada e pouco empática. É sarcástica quando ouve desabafos de amigas, desliga o telefone na cara delas e fala de si o tempo todo, como se tudo girasse em torno de sua vida.

Mais nova, não tinha muita simpatia pela Samantha (Kim Cattrall), talvez por me assustar com sua sexualidade. Hoje me parece a mais divertida das quatro. A imprensa americana diz que foi por causa do brilho da personagem que, nos bastidores, Cattrall passou a ser destratada pelas outras três colegas, especialmente por Sarah Jessica Parker. Por isso, e por não querer mais falar tanto sobre sexo aos 61 anos, Cattrall não quis participar da continuação da série.

O que eu gostaria de ver nos novos episódios

Miranda (Cynthia Nixon) abandonou o ruivo e abraçou os cabelos brancos - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Miranda (Cynthia Nixon) abandonou o ruivo e abraçou os cabelos brancos
Imagem: Reprodução/Instagram

Espero ver na continuação a essência do que vi aos 14 anos: alguma discussão nova sobre ser mulher. Pelos trailers, me parece que o foco será no envelhecimento. Assim como ainda não pensava tanto em sexo na adolescência mas gostei de ver o tema ser tratado abertamente, a velhice feminina começa a me interessar aos 36 anos, principalmente por ser um tabu que ainda precisa ser discutido longe da ideia de juventude eterna.

Também senti, pelas prévias do que virá, que os diálogos não serão tão forçados quanto nos dois filmes lançados após o fim do seriado.

Lisa, vivida pela atriz Nicole Ari Parker (ao centro), será a nova melhor amiga de Carrie - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Lisa, vivida pela atriz Nicole Ari Parker (ao centro), será a nova melhor amiga de Carrie
Imagem: Reprodução/Instagram

Vi que no elenco há mulheres negras e outras com corpos diferentes do padrão de magreza que a série sempre mostrou. Agora é ver como suas histórias serão abordadas, se serão apenas um step para as protagonistas brancas e magras ou terão personalidades complexas, como deveria ser. Além disso, espero que os relacionamentos com homens — e tomara que haja relações homoafetivas também — sejam tratados como uma parte da vida, e não a prioridade.

Falei bem mal de "Sex and the City" aqui, mas a verdade é que ainda é minha série preferida. É para onde volto quando não há nada de novo e interessante para ver nos serviços streamings. Tenho uma ligação afetiva, um carinho. É o programa que cito nas conversas com as amigas e é de onde saem algumas frases que decorei e reproduzo de vez em quando. Por muito tempo tive vergonha de admitir isso, por já ter ouvido que é uma série de "mulherzinha". Bom, se for assim, posso me considerar uma.