Wanessa sobre TOC e pânico: 'Não entendiam de onde vinha; terapia ajudou'
Pela primeira vez em 20 anos de carreira, Wanessa conseguiu casar a agenda de compromissos com a do pai, Zezé Di Camargo, para gravar e lançar a série documental "É o Amor: Família Camargo", que chega à Netflix nesta quinta-feira (9), um dia antes de apresentar o álbum "Pai & Filha", com músicas cantadas pelos dois.
Nos três primeiros episódios aos quais Universa teve acesso, a dupla mostra a rotina de gravações ao mesmo tempo em que entrega momentos em família, como discussões sobre o divórcio do artista com sua mãe, Zilu Camargo, em 2014, e seu namoro com Graciele Lacerda, as cobranças e críticas que acompanharam sua trajetória por ser filha de quem é —e ser mulher—, e até a crise de pânico, que voltou com a pandemia da covid-19. Wanessa contraiu a doença.
"No primeiro momento em que tive crise de pânico, com 21 anos, foi muito mais difícil, porque meus pais me viram me transformar num bicho do mato assustado e não entendiam de onde vinha aquilo. Quando me colocaram numa terapeuta, isso me ajudou a explicar", ela conta, em conversa por vídeo com Universa.
Na entrevista, Wanessa deu ainda detalhes das dores físicas e psicológicas pelas quais passou ao perder o terceiro filho por um aborto espontâneo: o feto, que seria uma menina, tinha Síndrome de Edwards, considerada incompatível com a vida. Wanessa é mãe de José Marcus, 9 anos, e João Francisco, 7, de seu casamento com o empresário Marcus Buaiz.
"Me veio uma tristeza muito grande, porque queria o terceiro filho, mas agradeci por ter dois. No entanto, isso não te impede de ficar mal."
UNIVERSA: Na série, você fala sobre desconstruir a ideia que se tinha no início da sua carreira, por ter começado com a ajuda do seu pai, de que você estava se tornando cantora por causa dele. Olhando para trás, você enxerga isso como machismo?
WANESSA CAMARGO: São coisas separadas. Acho que qualquer filho de alguém muito grande que vai seguir a mesma profissão tem uma pressão diferente. As pessoas vão sempre olhar como se essa pessoa tivesse passado por um caminho asfaltado, que não apanhou para chegar ali, e desmerecem o seu talento. Outra questão é que existe, sim, um machismo, tanto de homem como de mulher, que é a questão de eu ter sido uma menina de 17 anos com a pressão de ter um corpo magro, uma cara bonita, de não poder falar qualquer coisa, que não tinha capacidade de gerir a carreira, e que toda mulher cantora passa, não só no sertanejo. Lembro de a mídia pegar no meu pé com manchetes do tipo "cantoria de menos e gordurinha a mais", e tinha a coisa da virgindade.
Passa por isso ainda hoje?
Sim. Recentemente lancei uma música de cunho sexual chamada "Mulher gato", e recebi muita pancada por acharem que não cabia uma mulher e mãe cantar aquilo. A letra está toda subjetiva ["Me chama, me toca, me cheira. Quero brincar. Me pega na marra, me amarra. Me faz miar"]. Por que essas que cantam que sentam podem e eu não? Não cabe à mãe falar de sexualidade? Foi uma música altamente criticada e rejeitada por acharem a letra ruim. Acho magnífica, porque ela fala de mulher gato, de tomar leitinho quente, brinca muito com sexualidade, que uma mulher casada tem. E melhor que uma menininha, porque já tem experiência, está mais pronta para falar disso.
A gente está num lugar melhor que antes, mas ainda pegam no pé de meninas mais novas, e se espera muito uma postura Madre Teresa.
Você tinha essas conversas sobre sexualidade, machismo, identidade de gênero abertamente em casa?
Em casa, sempre foi muito de igual para igual. Minha mãe era uma mulher muito respeitada dentro de casa, e ela que comandava. Meu pai, artista, cabeça na nuvem, sempre foi muito sério e disciplinado, mas minha mãe sempre foi a fortaleza, que trabalhou, apoiou e construiu junto. Ela não era dona de casa, mas gerente de uma empresa familiar gigantesca, e sem isso meu pai não teria tido condições de trabalhar. Lembro ainda da minha bisavó, com 90 anos, falando que a gente não tem que baixar a cabeça para homem. Por isso eu faço muita questão de não depender do meu pai e do meu marido. Agradeço a ajuda quando preciso, mas eu sei que o que posso ter é o que eu construí.
Você já deu bronca no seu pai, marido, irmão ou sobrinhos por atitudes machistas?
Pouquíssimas vezes. É mais em piada. Às vezes, falo: "pai, piada de tiozão". Mas meu pai respeita muito. Ele foi o primeiro a me ver chorando por namoradinho, e falou: "filha, se dê o valor". Ele sempre foi um cara que respeitou muito as mulheres ao redor dele. Quando eu falava merda, ele me entendia. O que sinto, às vezes, é que nós temos que nos policiar. Quantas vezes me peguei envergonhada por uma postura porque achava que a mulher não poderia ser assim. Quando tomava um porre, morria de vergonha porque era mulher. E isso está dentro da gente. Muitas vezes sinto mais machismo em mulher do que em homem, de nós mesmas nos julgarmos, de acharmos que têm que casar com cara com estrutura legal, que não pode pagar mico.
Há uma cena em que você fala sobre a sua síndrome do pânico, aparece chorando nos braços do seu pai e se lembra de pessoas comentarem que esses problemas de saúde mental são frescura. Qual a melhor forma de acolher quem precisa de ajuda?
Fui diagnosticada com Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). E na terapia, descobri que minha mãe teve crises de pânico quando nasci, mas não conseguiu me acolher porque não sabia o que era. E no primeiro momento em que tive crise de pânico, com 21 anos, foi muito mais difícil, porque meus pais me viram me transformar num bicho do mato assustado e não entendiam de onde vinha aquilo, já que eu era uma menina com boas condições financeiras, "sem problemas" reais. E ouvia isso, de amigas que amo, que eu queria chamar atenção.
Estava apavorada, de ir para hospital, achar que estava morrendo. Quando colocaram numa terapeuta isso me ajudou a explicar para a família.
E como foi voltar a passar por isso recentemente?
Quando veio a pandemia, houve vários acontecimentos, como a perda do meu avô [Francisco, pai de Zezé Di Camargo], o aborto, e aflorou tudo. Mas nessa segunda vez meus pais e meu marido já tinham me visto assim. Então, quando ficam desesperados, peço para que eles apenas estejam ao meu lado, e que não falem nada. E converso com pessoas que vivem a mesma coisa que eu. A fé também me ajuda muito.
A gente tem que reeducar as pessoas. Mesmo estando frágeis, temos que ser fortes para ter paciência, senão começa a não querer falar mais.
Muitas vezes eu tinha crise e ficava quietinha, porque sentia que estava pesando na casa, com meu marido, e percebi que estava cansando as pessoas. Péssimo. Então expliquei que é um conjunto de coisas dentro de uma personalidade que eu construí. Peço paciência, digo que eu vou lutar para não ficar nesse lugar e peço desculpas.
Mas seus filhos são pequenos. Como foi lidar com eles?
É pior quando você tem dois filhos pequenos, porque às vezes estava com eles brincando e vinha a crise. E não conseguia disfarçar. Ficava muito mal porque você fica se sentindo culpada por não estar conseguindo ser uma boa mãe naquele momento. Precisei de muita terapia para aceitar esse tombo e me fortalecer e estar presente como mãe, mulher e profissional. E não é um processo da noite para o dia. Antes, tinha [crise] todo dia, passou para uma vez por semana, e agora tem intervalo de meses. Durante o "Show dos Famosos" me deu um dia, e fui para o camarim, fiz uma oração, meditei, fiquei respirando. Você vai criando ferramentas para ter forças e sair desse lugar.
Há um ano você perdeu um filho. Como foi passar por isso?
Quando o médico falou que não evoluiu, me veio uma tristeza muito grande porque queria o terceiro filho, mas agradeci por ter dois. No entanto isso não te impede de ficar mal, e no meu caso teve um agravante. Para você fazer a curetagem [raspagem da cavidade uterina para retirar os restos placentários de um aborto], e como não é permitido o aborto no Brasil [somente em casos de risco para a mãe, de estupro e anencefalia], a gente tem que provar que o feto não evoluiu.
Mesmo sabendo que ele estava morto, eu sentia todos os sintomas de gravidez, e tive que esperar 15 dias para refazer o exame para provar. Então eu estava grávida, mas com um ser que não estava mais ali. Aconteceu um aborto espontâneo no dia do meu aniversário [28 de dezembro]. Só que não eliminou. Entrei um quadro de febre depois de 15 dias sangrando sem parar, tive infecção generalizada, com risco de morte, e entrei num estado de pânico absurdo. Me deu febre depois da curetagem também. Foi complicado, mas graças a Deus pude ter acesso a um bom médico. Como mulher, fico pensando em quem não tem essa condição.
Você sentiu culpa?
Sim. A gente acha que fez alguma coisa errada. Senti culpa, rejeitei meu corpo, achei que ele não estava legal, ou que podia ser da covid, do hipotireoidismo. Só depois de exames entendi que era uma menina que tinha a Síndrome de Edwards. E aí o meu corpo, por alguma razão, rejeitou. Sou muito espírita, e acredito que esse ser tinha só que passar.
Você fala, na série, que tem medo de passar por isso de novo, mas seu marido diz que queria ter uma menina. Se sente pressionada?
Eu bloqueei isso, porque passar por isso de novo me dá muito medo. E quando vivi isso, vi que muitas mulheres passam por isso várias vezes. Adoraria ter um terceiro filho, mas não sei se vou conseguir desbloquear a tempo de ser mãe de novo. E meu corpo deu problema, tive cisto hemorrágico, ficou bagunçado, e isso mexe com o emocional. E tudo isso gravando a série. Tentei dar uma de "já passou", mas não tem como.
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