'Nós também temos história': travestis visitam Museu da Língua Portuguesa
"A sociedade nos impõe a marginalidade, vivemos afastadas e acabamos assumindo esse papel, de ficar reclusas, mas precisamos ocupar espaços públicos e de cultura." Quem fala é Danee Amorim, durante uma visita guiada organizada nesta semana pelo Museu da Língua Portuguesa para um grupo de travestis que mora na vizinhança, no centro de São Paulo. Assim como ela, participaram do evento cerca de 20 pessoas, a maioria delas da Casa Florescer, do coletivo Tem Sentimento e do Centro de Referência da Diversidade.
Durante cerca de três horas na manhã de quarta-feira (8), Universa acompanhou a educadora Uma dos Reis Sorrequia enquanto guiava o grupo por pontos do Museu que se relacionam com a questão T: depoimentos em vídeo da atriz e cantora Linn da Quebrada, da cartunista Laerte e da professora e ativista Amara Moira e um totem que explica o significado e a origem da palavra travesti.
"O que a maioria das pessoas sabe sobre o universo trans é sempre sob uma visão cisgênera, nunca por uma visão transexual ou travesti, e eu acho que nós temos que falar sobre nós mesmas", fala Danee, 29 anos, a Universa.
Para ela, que visitou o Museu pela segunda vez, é muito importante se ver representada nas exposições: "Nós também temos uma história e fazemos parte da sociedade. Mesmo que tudo isso seja velado, temos de enaltecer".
Barreiras simbólicas impedem acesso ao Museu
Evelyn Lauro, articuladora social do Museu da Língua Portuguesa, foi quem idealizou e preparou o roteiro da visita a partir de pesquisas sobre o acervo do espaço, reaberto em julho após seis anos fechado, em decorrência de um incêndio em 2015.
"Quando voltamos a abrir as portas, precisamos comunicar que este não é mais um local só de transporte [o Museu fica no complexo da Estação da Luz], mas um espaço cultural", observa. "Mas abrir as portas não é suficiente, é preciso chamar as pessoas e dizer: 'Isso aqui agora é um espaço de educação, lazer, cultura', e garantir um acolhimento qualificado para todos os públicos."
Evelyn explica que, para além do público que já está habituado a frequentar o Museu, como os grupos escolares e uma parcela da classe média que consome arte e cultura, é preciso aproximar quem ainda não acessa o espaço.
"Existe toda uma sociedade que não chega ao Museu por causa de uma série de barreiras —sociais, econômicas e também simbólicas. Meu trabalho consiste em romper essas barreiras para garantir o acesso qualificado e garantir que as pessoas cheguem", explica.
"Em geral, públicos em situação de vulnerabilidade não chegam aqui dentro porque acham que isso aqui não é para eles. O que nós fazemos é dizer: 'Travesti é uma palavra importante no vocabulário e está no nosso acervo, venha ver'. Assim, tentamos fazer com que as pessoas cheguem, ocupem, se sintam pertencentes. E quando a gente faz esse recorte específico para a população T, estamos dizendo que elas são importantes para nós e queremos elas presentes aqui no museu."
A articuladora conta que também fazem parte da programação visitas guiadas especialmente para outros grupos em situação de vulnerabilidade, como moradores de rua e usuários de drogas em tratamento na região.
Uma, que guiou o grupo pelo Museu, conta, a Universa, que é a única educadora trans trabalhando no espaço —e que, além de não se reconhecer nos colegas educadores, raramente vê outras pessoas trans ou travestis circulando como visitantes.
"Passo horas ali dentro e não vejo uma travesti circulando. E, quando elas passam lá fora, não têm nem ideia de que estão representadas aqui no acervo", afirma.
As pessoas estão falando de nós sem nós e nós não somos convidadas para conversar. É necessário construir essas pontes para que o museu também seja um local de acolhimento para as travestis.
Uma dos Reis Sorrequia, arte-educadora do Museu da Língua Portuguesa
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