'Deixei de ser freira e me descobri lésbica. Deus quer nossa felicidade'
"Sou de uma família humilde. Meus pais, que faleceram há oito anos, tiveram 22 filhos. Desses, não sobreviveram todos. Eles tinham a fé deles, mas não eram de frequentar a igreja. Eu ia desde pequena. Quando eu tinha mais ou menos 12 anos, houve uma missão vocacional das irmãs na minha cidade natal, Terra Roxa, no interior de São Paulo. É uma pequena cidade vizinha de Bebedouro, onde vivo hoje. Eu senti aquele desejo de servir como elas.
Foi quando conheci a congregação bebedourense das Irmãzinhas Pobres de São Pedro Claver, do Lar do Idoso do município. O que eu ouvia de todo mundo é que eu não servia para ser freira. Eu não tive apoio, de início, nem da minha família. Mas não me arrependo de nada. Só sinto felicidade.
Fiz o aspirantado no Brasil e depois fui para Roma fazer o postulado e o noviciado. Me tornei freira. Lembro como se fosse hoje que só contei para os meus pais quando a passagem já estava comprada. De lá fui para Madri, onde permaneci por anos. Passei também por Verdú, perto de Barcelona, e pela Colômbia. Trabalhei em hospitais geriátricos e orfanatos em outros países, conheci modos de vida diferentes dos nossos aqui no Brasil.
'Achei que seria expulsa por causa de uma colega'
Eu era muito feliz dentro do convento. Gostava do que eu fazia. Eu não queria sair, na verdade. Mas houve um acontecimento e me senti obrigada, porque fiquei com medo.
Todo ano a gente tinha de escrever uma carta para a congregação falando que a gente estava feliz e que queria continuar. Essa colega disse para mim que iria mandar uma carta dizendo que eu estava infeliz lá. Foi isso que me levou a sair do convento.
A pessoa que me disse aquilo não se encontra mais na congregação, foi expulsa. E quando fui contar para a madre ela disse que eu não deveria ter saído. Era uma irmã, colega de serviço.
Hoje eu entendo tudo. Estando aqui fora, acho que ela também era lésbica e foi motivada por isso.
Ela só queria que eu ficasse sempre perto dela, que eu comesse com ela, mas até então, para mim, era tudo normal. Desde criança, eu achava as mulheres bonitas, mas eu não entendia o que acontecia. Assim que eu saí do convento, conheci uma pessoa. Foi o primeiro homem da minha vida. Ficamos um tempo namorando, mas daí tive a certeza de que não era aquilo o que eu queria.
Só há cinco anos eu tive minha primeira experiência com uma mulher. Fui noiva durante três anos.
Na minha cidade, ainda ouço de muitas pessoas que sou pecadora. Que devo ter sofrido alguma decepção amorosa. Minha orientação sexual é algo de que eu tenho certeza e que me faz feliz. A minha família não aceita.
Tenho dois irmãos que declaradamente não aceitam minha sexualidade, mas que não me tratam mal. A vontade da minha família é que eu volte com meu ex. Mas eu jamais faria isso. Quero viver a minha felicidade.
Não me importo com isso. O único que nos julga é Deus e ele quer a nossa felicidade.
O mundo seria muito melhor se as pessoas realmente saíssem do armário e assumissem o que elas querem. Não aceito muitas coisas da Igreja Católica, mas minha fé continua firme e forte.
'Venci um câncer de mama e hoje crio meu sobrinho'
Tenho muita fé em Nossa Senhora Aparecida. Não perdi a fé em Deus. Passei por um câncer maligno há cinco anos. Não era para eu estar aqui nesse mundo hoje.
Passei por duas cirurgias. Não precisei fazer a quimioterapia, só radio. Eu fui curada. Mas eu dobrei meus joelhos no chão e pedi para Nossa Senhora, porque tenho meu sobrinho para cuidar. Tenho a guarda definitiva dele, porque os pais cederam por estarem envolvidos com drogas.
Eram meus pais que cuidavam dele e eu ajudava com tudo o que eles precisavam. Ia atrás de tudo. Com o falecimento deles, o menino ficou comigo. Paulo Henrique está hoje com 15 anos e é o amor da minha vida.
O meu intuito é crescer na vida! Terminar o curso de necropsia que estou fazendo, ser uma tradutora, já que eu falo dois idiomas, conhecer coisas novas, lugares novos e viver experiências novas. Também vou me mudar para Ribeirão Preto, em breve. Quero crescer materialmente e espiritualmente."
Paulina Ricobello, 51 anos, ex-freira, de Bebedouro (SP)
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