Orçamento em políticas para mulheres terá corte de 33% em 2022
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, terá um corte de orçamento de 33% nas políticas destinadas a mulheres em 2022. Os dados foram levantados pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e obtidos por Universa. O plano orçamentário do governo para o ano que vem já foi elaborado e está em tramitação no Congresso, aguardando aprovação.
A provável causa dessa queda de recurso é a falta de investimento do MMFDH em políticas públicas na área nos últimos anos, mesmo com dinheiro disponível, a ponto de o Ministério Público Federal ter aberto um inquérito, em outubro deste ano, para investigar a baixa execução do orçamento em 2020. Segundo a entidade, no ano passado foram gastos apenas 44% do orçamento previsto — no que diz respeito apenas à proteção de mulheres, foram executados apenas 30% do orçamento, ainda que essa tenha sido uma das bandeiras principais levantadas por Damares.
Em fevereiro deste ano, a ministra anunciou publicamente que aumentaria o trabalho nessa área, citando a implantação do Plano de Enfrentamento ao Feminicídio, prevista para o início de março. Também se comprometeu com a ampliação da rede de Casas da Mulher Brasileira, lugar que reúne diversos serviços de proteção como delegacia, psicólogos e acolhimento para vítimas de violência.
"Diria que há má gestão. Quando um ministério passa vários anos sem gastar o que tem, o que vem acontecendo com o MDH, a tendência é que os gestores do orçamento repassem menos recursos. Por que vai dar R$ 100 milhões se só gasta R$ 20 milhões?", explica Carmela Zigoni, doutora em antropologia social e assessora política do Inesc, que monitora os gastos da pasta de Damares na área de gênero.
Ainda de acordo com o Inesc, em 2021, a Secretaria de Políticas Nacionais para Mulheres havia gasto, até junho, 23,2% do total de verba disponível, mas a pasta deu um salto nos gastos e vai concluir o ano com 66% do dinheiro aplicado.
Zigoni ressalta, porém, que o alto valor investido na área de enfrentamento à violência contra a mulher, R$ 13 milhões, muito maior do que o autorizado, que havia sido de R$ 2 milhões, diz respeito a pagamentos referentes a compromissos assumidos em anos anteriores. "Isso acontece na administração pública, mas não é desejável, porque está deixando de fazer o dinheiro do ano ser aplicado. E ainda infla o orçamento. Nesse caso, em 2021, a área recebeu investimento zero."
A análise do orçamento e dos gastos foi feita a partir de levantamento de dados disponíveis no portal Siga Brasil, sistema de informações sobre orçamento público federal disponível no site do Senado.
O MDH foi procurado pela reportagem. Até a publicação deste texto, não houve resposta sobre o corte no orçamento para o ano que vem. Em relação aos gastos de 2021, afirmou que "a execução dos recursos da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres já alcançou 91% do orçamento aprovado".
Disque 100 e Ligue 180 receberão 74% dos investimentos do próximo ano
O maior valor para o ano que vem será destinado aos canais do governo federal voltados para denúncias e orientações em casos de violações de direitos humanos. Tanto o Disque 100 quanto o Ligue 180 atendem violência de gênero, mas, segundo Carmela, essa é apenas a "porta de entrada" para a resolução do problema.
"A vítima tem de ser encaminhada para algum lugar — abrigo, delegacia, hospital — e ser recebida por profissionais capacitados. Isso tudo exige recursos. Claro que tem que ter uma porta de entrada forte, ter muitas linhas nesses canais do governo para uma vítima ligar e não dar ocupado. Mas ela será encaminhada para onde, a partir disso, se não há investimento nos próximos passos?", questiona.
A pesquisadora ressalta que a rede de proteção a mulheres é complexa e multidisciplinar, por isso há necessidade de ter verbas disponíveis para formar profissionais e garantir o atendimento adequado a quem precisa. "É uma vítima que tem de ser inserida no sistema de saúde, no policial, no de assistência social e no jurídico."
Em contato com Universa, o ministério afirmou que "o valor atualmente previsto [para o Disque 100 e o Ligue 180] é o adequado e necessário para a manutenção dos patamares de qualidade atualmente alcançados pelos serviços".
Diz, ainda, que "o orçamento previsto atenderá principalmente os custos com a Central de Atendimento da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, que conta com mais de 400 colaboradores e recebe cerca de 10.000 ligações por dia. Além disso, haverá outros investimentos nas melhorias e modernização dos serviços tais como: contratação de dados patrocinados aos usuários dos serviços do MMFDH, Plataforma Omnichannel — que permite o uso integrado de diversos canais de comunicação — e serviço de ouvidoria itinerante", sem dar detalhes sobre os gastos destinados a cada projeto.
Casa da Mulher Brasileira recebeu 5% da verba proposta até dezembro e terá corte de 70% em 2022
Uma das principais políticas públicas na área, a Casa da Mulher Brasileira foi a que mais sofreu impacto pela falta de investimentos tanto em 2021 quanto na previsão para o ano que vem.
Neste ano, dos R$ 21 milhões autorizados para serem gastos, apenas R$ 1 milhão foi investido, representando 5% do total da verba disponível. Em 2022, a verba disponível deve cair drasticamente, passando para R$ 6 milhões. É um corte de 70%.
O projeto da Casa da Mulher Brasileira foi criado para oferecer, em um mesmo lugar, diversos tipos de atendimento às vítimas de violência doméstica —psicológico, jurídico e policial. Atualmente, há oito unidades em funcionamento no país, segundo o ministério.
Em julho, Universa publicou outro levantamento mostrando que o gasto do MDH com mulheres foi o menor desde que a área deixou de ser um ministério e passou a ser uma secretaria, em 2015. Na época, o ministério afirmou que uma unidade da Casa da Mulher Brasileira seria inaugurada em Uberaba (MG), até dezembro, o que não aconteceu até o momento, e que outras 22 unidades seriam entregues em 2022. Em nota, a prefeitura de Uberaba informou que "o município está em tratativas com o governo federal para a efetivação do convênio" e que "não há previsão de Casa da Mulher Brasileira iniciará as atividades" na cidade.
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