Mulheres nem sempre identificam violência obstétrica na hora; veja por quê
Nos últimos dias, discussões sobre violência obstétrica ganharam força nas redes sociais: em áudios e vídeos vazados de um grupo de WhatsApp, a influenciadora Shantal Verdelho criticou a postura do médico responsável pelo seu parto, o ginecologista Renato Kalil.
Nos vídeos, o profissional aparece utilizando palavrões e xingamentos durante o procedimento. Já no áudio, que foi direcionado a um grupo de amigas, ela afirma que não consegue assistir à gravação do parto porque é "xingada a todo momento". Segundo a influenciadora, o ginecologista "fez birra" por ela ter negado se submeter a uma episiotomia — um corte entre o períneo e a vagina, cuja utilidade vem sendo questionada entre a comunidade médica.
À Universa, a assessoria de imprensa do médico enviou um posicionamento negando que tenha acontecido qualquer intercorrência durante o parto e afirmando que o vídeo em questão foi editado e está fora de contexto. "A íntegra do vídeo mostra que não há irregularidade ou postura inapropriada durante o procedimento", diz a nota.
Após a divulgação do material, muitos colocaram em dúvida a palavra de Shantal. Isso porque logo depois do parto, que aconteceu em setembro, ela postou uma série de vídeos no Instagram contando detalhes sobre o momento, sem demonstrar nenhum tipo de desconforto em relação ao ginecologista.
Nas gravações, ela relembra que passou três dias em trabalho de parto e fala sobre como as contrações se desenrolaram até o nascimento de Domênica, fruto de seu casamento com o também influenciador Matheus Verdelho. Ela diz que suas vontades foram respeitadas pela equipe médica e usa a palavra "emocionante" para descrever o momento.
Mulheres podem demorar a perceber que foram vítimas de violência
De acordo com a ginecologista e obstetra Gabriela Bezerra, é comum entre as vítimas de violência obstétrica sair do parto com uma sensação boa — e só depois entender que o processo foi desrespeitoso.
Para entender por que isso acontece, a profissional relembra a definição do termo. "A violência obstétrica é, na verdade, uma violência de gênero. Ela pode ser praticada não apenas pelos médicos, mas também por enfermeiros, doulas e qualquer pessoa vinculada à assistência do parto ou do pré-natal", explica.
Segundo a médica, a violência pode ser mais fácil de identificar quando ocorre xingamentos e procedimentos físicos que contrariam a vontade da mulher. Mas também pode ser mais sutil, como quando o médico induz a uma cesárea argumentando que se trata de um caso de segurança, mas não há indicações clínicas que comprovam isso.
Gabriela pontua que a maior parte das mulheres não se dá conta do que passou. "O ginecologista é visto como um médico da família, uma vez que participa da vida da mulher no longo prazo. Muitas depositam ampla confiança nos profissionais e nem consideram a possibilidade de serem traídas ou desrespeitadas por alguém tão íntimo", afirma.
Além disso, também existe a carga emocional da reta final da gravidez. "A pessoa está focada no nascimento, prestes a completar a linha de chegada. Quando finalmente atravessa esse desafio, pode chegar lá destruída, mas celebra o fato de ter conseguido", exemplifica.
A psicóloga perinatal Juliana Juliatti concorda que, durante o parto, o nível de consciência racional diminui, justamente pela introspecção que o corpo pede.
O problema, no entanto, tende a aparecer depois. "A violência obstétrica tende a provocar traumas, que trazem consequências. Muitas vezes as mulheres não querem nem lembrar da dor pela qual passaram, mas precisam levar essas questões a um profissional da área de saúde para tratarem as feridas, elaborarem as próprias memórias e conseguirem se livrar do peso do que aconteceu", diz.
Gabriela ressalta ainda os danos para a autoestima e a sensação de culpa. "Pacientes já chegaram ao meu consultório considerando que deveriam se sentir gratas, já que os médicos diziam ter salvo suas vidas e a vida dos seus filhos. Com isso, sentiam culpa até de questionarem aquilo pelo que passaram. Mas é preciso relembrar que a culpa nunca é da mulher. Ela deve ser a protagonista do momento e o médico deve estar ali apenas para acompanhar e prestar assistência durante o processo", finaliza.
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