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Mari Ferrer relembra três anos de estupro: 'Fecho os olhos e revivo a dor'

Mari Ferrer denunciou estupro dentro do Café de La Musique, um beach club de luxo em Florianópolis (SC) - reprodução / Instagram
Mari Ferrer denunciou estupro dentro do Café de La Musique, um beach club de luxo em Florianópolis (SC) Imagem: reprodução / Instagram

Luiza Souto

De Universa

16/12/2021 13h21

Em um post em sua conta no Twitter, feito na noite de quarta-feira (15), a influenciadora digital e modelo Mari Ferrer contou aos seguidores que o estupro que sofreu dentro do Café de La Musique, um beach club de luxo em Florianópolis (SC), completou três anos.

No texto, ela diz que quando fecha os olhos revive toda dor "em um looping de sensações angustiantes mas também vejo tudo que suportei e sobrevivi". Fala ainda que aguenta passar por tudo isso e avisa que nunca vai parar. "'Finalmente a justiça foi feita por mim e por todas nós". "Este também é um tweet premonitório", ela escreve.

Entenda a cronologia do caso

Em 2018, a jovem Mariana Ferreira Borges, que na época estava com 21 anos, trabalhava como influenciadora digital. Ela, que ficou conhecida nas redes sociais como Mari Ferrer, também ocupava o cargo de embaixadora do Café de La Musique. Em 15 de dezembro daquele ano, a jovem participou de um evento no local. No dia seguinte, registrou um boletim de ocorrência relatando ter sido drogada e estuprada.

Em 20 de maio de 2019, usou as redes sociais pela primeira vez para expor sua versão dos fatos. Desde então, usa as contas do Instagram e do Twitter para desabafar, expor materiais ligados ao dia da festa e pedir por justiça. Segundo sua mãe relatou a Universa, em entrevista concedida em novembro de 2019, desde a noite da festa, ela desenvolveu "sequelas irreversíveis": passa a maior parte do tempo em seu quarto e hoje tem problemas para confiar nas pessoas.

Mariana afirma que o agressor não teria se aproximado enquanto estava lúcida e, por isso, não teria lembranças dele. "Fui levada para um lugar desconhecido por mim e acredito que também seja para a grande maioria das pessoas que lá frequentam", referindo-se a uma área privativa do Café de La Musique.

Cinco meses após o registro da ocorrência, em maio de 2019, o caso não havia caminhado e Mariana decidiu compartilhar seus relatos nas redes sociais. A história viralizou e foi compartilhada por milhares de pessoas, incluindo famosos.

Polícia chega a nome de empresário

Em julho, André de Camargo Aranha se tornou réu do caso, investigado como estupro de vulnerável. Foi a polícia quem chegou a seu nome, não Mariana.

No início das investigações, Aranha, empresário que trabalha no ramo de marketing esportivo, negou ter se aproximado da jovem naquela noite. Ele também se recusou a fazer um exame de DNA a fim de que a polícia avaliasse se o seu material genético era compatível com o do esperma encontrado na roupa da influenciadora.

No entanto, a delegada responsável pelo caso na época, Caroline Monavique Pedreira, pediu que um copo de água usado pelo empresário durante seu depoimento fosse estudado. Os resultados comprovaram a compatibilidade entre o seu material genético e o esperma presente na calcinha. Além disso, ele foi reconhecido nas imagens das câmeras de segurança do local subindo uma escada de mãos dadas com ela e foi apontado como suspeito por duas testemunhas.

Um laudo do IML (Instituto Médico Legal) comprovou o rompimento recente do seu hímen.

Aranha é absolvido

No dia 9 de setembro deste ano, o juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, julgou como improcedentes as denúncias da jovem e absolveu o réu da acusação de estupro de vulnerável. Em novo depoimento, Aranha mudou sua versão dos fatos e confirmou ter tido contato com a jovem, porém alegou não se lembrar completamente do que aconteceu. Disse apenas que ela o seduziu, que o contato entre os dois se deu de maneira breve e que ela teria praticado nele sexo oral.

O crime de estupro de vulnerável caracteriza a prática de "conjunção carnal ou ato libidinoso" —que significa qualquer tipo de relação sexual, de penetração a sexo oral— com a vítima sem que ela possa oferecer resistência. No caso de Mariana, o crime teria acontecido porque ela afirma ter sido dopada. No entanto, o exame toxicológico mostrou um resultado negativo para ingestão de substâncias que pudessem ter alterado o seu estado de consciência.

Na sentença, o juiz também levou em conta as imagens da câmera de segurança que mostram Mariana descendo uma escada. "[...] Com base nas imagens percebe-se claramente que a ofendida possui controle motor, não apresenta distúrbio de marcha, característico de pessoas com a capacidade motora alterada pela ingestão de bebida alcoólica ou de substâncias químicas", analisou em um dos trechos. Ele também citou "um antigo dito liberal" que afirma ser "melhor absolver cem culpados do que condenar um inocente".

'Estupro culposo' e ataques de advogado do acusado

Em 2020, o The Intercept Brasil publicou uma reportagem associando o julgamento de Mariana ao termo "estupro culposo". As palavras foram escolhidas para se referir à tese usada pelo Ministério Público de Santa Catarina para pedir a absolvição do réu, que teria sido acatada, na sequência, pelo juiz. O termo, entretanto, não está presente nas 51 páginas da sentença nem nas 91 páginas das conclusões do promotor de Justiça, Thiago Carriço de Oliveira, que se posicionou pela absolvição.

Existe, no entanto, uma justificativa para o termo. As alegações finais do MP afirmam que não seria "razoável presumir que [o réu] soubesse ou que deveria saber que a vítima não desejava a relação" e que "não há, nos autos [do processo] qualquer comprovação de que o acusado tinha conhecimento ou deu origem à suposta incapacidade da vítima para resistir a sua investida".

Também foram divulgados pelo The Intercept Brasil trechos da última audiência do caso. Neles, o advogado de Aranha, Cláudio Gastão da Rosa Filho, dirige à influenciadora afirmações como a de que "não gostaria de ter uma filha 'no nível' dela", além de mostrar aos presentes fotos supostamente sensuais, que não têm a ver com o caso. Na gravação, ele afirma que Mariana tirou fotos em "posições ginecológicas" e "chupando o dedinho".

No vídeo, a jovem parece abalada e, mesmo assim, o advogado continua. "Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lágrima de crocodilo". Então a jovem clama por respeito. "Eu tô implorando por respeito, no mínimo. Nem os acusados, nem os assassinos são tratados da forma como eu tô sendo tratada. Pelo amor de Deus, gente".

Por causa disso, Gastão foi acusado de humilhar e desrespeitar Mariana. A maneira como a audiência foi conduzida gerou críticas até mesmo do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que opinou: "As cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram".

Lei Mari Ferrer

Em novembro último, foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) a Lei 14.245/21 (Lei Mariana Ferrer), que proíbe que vítimas de crimes sexuais e testemunhas sejam constrangidas durante audiências e julgamentos. O texto ainda aumenta a pena do crime de coação no curso do processo de um terço para até a metade se o processo envolver crime contra a dignidade sexual.

A Universa, Júlio Cesar Ferreira da Fonseca, advogado da modelo e influenciadora digital, disse que Mariana chorou ao saber que lei que leva seu nome foi sancionada. Ele afirmou ainda que, apesar de levar o nome de Mariana, a lei é uma conquista para todas as pessoas, sejam vítimas ou testemunhas dentro de um processo judicial.