'Começou a namorar e sumiu': é errado se afastar de amigos ao se envolver?
A queixa é frequente entre os diferentes grupos de amigos: sempre existe aquele que, ao iniciar um relacionamento sério, muda seus hábitos, parece não ser mais o mesmo e, consequentemente, se afasta das pessoas queridas. Em muitos casos, o assunto é motivo de mágoa, como se a decisão de afrouxar os laços pudesse ser considerada uma traição.
Afinal, é errado se afastar de um ou mais amigos depois de começar a namorar? A resposta é complexa, afirma a psicóloga Zaionara Gomes.
Afastamentos são naturais, com ou sem relacionamento
Zaionara relembra que, ao longo da vida, é comum deixarmos de nos sentir pertencentes a um determinado grupo. Para muitas pessoas, essa sensação vem acompanhada de um novo relacionamento, seja por uma maior dedicação de tempo ao parceiro —principalmente no início do envolvimento—, seja por uma mudança de interesses.
"Alguns relacionamentos funcionam de forma terapêutica e impulsionam um salto de amadurecimento. Com isso, a pessoa deixa de se identificar com atividades e assuntos aos quais estava acostumada antes", aponta. Por exemplo: se gostava de frequentar baladas, agora ela pode preferir outros tipos de lazer. Movimentos como esses, garante, são naturais e saudáveis, já que ninguém permanece da mesma forma durante toda a vida.
Com as mudanças, cabe à pessoa identificar quais amigos podem permanecer ao seu lado. "A maior parte dos laços que temos são criados a partir de circunstâncias, assuntos e objetivos em comum. Quando nos desvencilhamos dessas conexões, é possível que uma relação não faça mais sentido e por isso precise ser reavaliada", explica.
Foi o caso de Michele Bernardes, 33 anos, que trabalha como instrutora de idiomas e tradutora e mora em São Paulo (SP). Antes da pandemia, ela era adepta de uma rotina noturna agitada: "Costumava sair às 17h aos sábados, quando estava de folga, e encontrar vários grupos de amigos em uma mesma noite. Algumas vezes, só voltava para casa no dia seguinte de manhã", conta. Com a chegada da covid-19, aderiu ao isolamento social e manteve os vínculos virtualmente.
Em maio do ano passado, conheceu um rapaz em um grupo do Facebook. "Passamos um mês nos falando via WhatsApp e montamos um esquema para poder nos encontrar. Como eu morava sozinha, decidi aceitar o risco", relembra. Ao contar sobre a novidade para uma amiga, no entanto, a reação foi de julgamento. "Nossa relação não andava das melhores: ela não reagia com entusiasmo às minhas ideias, sempre dava um jeito de me colocar para baixo. Quando comecei a namorar, nem tive coragem de contar", afirma.
Com isso, viu a relação esfriar. O mesmo aconteceu com uma parcela de seus amigos homens. "Depois de saberem da novidade, alguns simplesmente pararam de responder minhas mensagens. Hoje tenho menos amigos e moro com meu parceiro. Estou retomando a vida social aos poucos, mas entendo que todos crescem com o passar do tempo —e não enxergo isso como um problema", opina.
Afastamento demais pode indicar relação abusiva
Nem todos os afastamentos, no entanto, têm a ver com maturidade. Alguns deles podem estar relacionados com uma dependência emocional do vínculo amoroso, criando um ambiente favorável para o desenvolvimento de relações abusivas, diz a psicóloga Zaionara.
Muitos evitam se encontrar com outras pessoas por uma insegurança emocional. Pensam que permitir que o parceiro mantenha contato com colegas e amigos é o mesmo que deixá-lo livre para se apaixonar por um terceiro e trair. Por isso se fecham, o que é pouco saudável.
Ela alerta que é importante permitir que o parceiro tenha um espaço pessoal preservado: que possa manter contato com amigos, sem que isso desperte a fantasia de que "está na pista". Outro grande sinal de atenção é quando uma das partes se afasta até mesmo de vínculos familiares saudáveis em função da outra.
Foi o que aconteceu com Adnis Silva, 24 anos, que mora em Americana (SP) e trabalha como analista de faturamento. Ela conta que, aos 17 anos, começou a namorar um rapaz de 23, e que o envolvimento era bastante conturbado. "Ele costumava arranjar confusões. Uma vez gritou comigo em uma lanchonete, com todos olhando. Nós éramos de cidades diferentes e ele não gostava que eu me encontrasse com as minhas amigas. Se fizesse isso, nem se dava ao trabalho de me visitar durante todo o final de semana", relembra.
Com isso, ela acabou se afastando de grande parte das suas amizades, porque passou a priorizar o relacionamento. Quando o namoro acabou, se arrependeu de ter criado esse distanciamento e voltou a procurá-las. "Hoje em dia, tenho uma relação saudável e sei o quanto é importante termos vivências separadas, respeitando a individualidade de cada um", garante.
Como identificar os limites?
A psicóloga Zaionara afirma que as situações são bem diferentes. "Quando existe um amadurecimento, você percebe uma mudança genuína de gostos. É algo leve e natural. Já em uma relação abusiva, normalmente o parceiro tenta exercer poder sobre a outra pessoa, falando mal das amigas, do jeito que se vestem, dos parentes e de outras pessoas queridas", pontua.
Nestes casos, é como se existisse uma eterna disputa de poder. "Quando um sai sozinho, o outro faz o mesmo como vingança ou pirraça. Existe um jogo emocional e psicológico que leva à manipulação", alerta.
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