Psicólogo cria sistema para mapear acusados de violência doméstica
Quando uma mulher é vítima de violência doméstica e registra queixa na polícia, ela responde a um questionário que mapeia as características dela e do acusado a fim de investigar o histórico daquelas agressões. Por lei decretada em maio deste ano, a aplicação do Formulário Nacional de Avaliação de Risco, pela Polícia Civil ou pelo Ministério Público, é obrigatória. São 27 perguntas feitas à vítima, entre elas, se o agressor tem armas, se ela está grávida, se a violência acontece na frente dos filhos.
Antônio da Conceição Montes, um psicólogo que atua no Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ - AM), está formatando um instrumento semelhante para que os homens acusados de violência também sejam ouvidos. Após conviver com os acusados pela Lei Maria da Penha, ele entendeu que olhar para o comportamento deles também seria uma forma de agilizar os processos que chegam aos tribunais do país.
Antônio atua na equipe de atendimento multidisciplinar do 1º Juizado Especializado no Combate à Violência Domestica e Familiar Contra a Mulher do TJ- AM. Ele se dedica ao doutorado em Psicologia na Universidade São Francisco para o projeto de criação do que chama de "Escala de Comportamentos Agressivos de Parceiros Íntimos". A ideia é testar o instrumento por etapas para que depois tenha aplicação nacional. Segundo Antônio, será uma ferramenta inédita para o mapeamento do comportamento do agressor.
Perfil do homem enquadrado na Maria da Penha
Desde a graduação em Psicologia, Antônio tem proximidade com a abordagem a homens que foram enquadrados pela Lei Maria da Penha e passam a responder à Justiça pelas acusações.
"Comecei a trabalhar no grupo de apoio aos homens naquela época e, depois que passei no concurso no Tribunal de Justiça, escolhi ficar nesse Juizado. Ali, muitos homens chegam na defensiva porque estão sendo acusados. Meu trabalho é oferecer orientação, sem julgar, para que aqueles possíveis autores de violência não repitam o que fizeram", comenta. "Até porque eles voltarão a ter relacionamentos com suas companheiras ou com outras mulheres".
Em 2020, os canais Disque 100 e Ligue 180, do Governo Federal, registraram 105.821 denúncias de violência contra mulher no ano passado. O dado corresponde a cerca de 12 denúncias por hora. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho, uma mulher foi morta a cada sete horas no Brasil no ano passado.
A Lei Maria da Penha prevê e recomenda os chamados "grupos reflexivos" como espaços de reabilitação e reflexão aos autores de violência. Desde maio do ano passado, os acusados, por lei, são obrigados a passar por eles. Segundo pesquisa divulgada na semana passada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há pelo menos 312 turmas que atendem esses homens, em todo o país, exceto em Tocantins. Paraná informou ter 50 iniciativas desse tipo, enquanto Rio Grande do Norte e Amazonas, onde Antônio atua, têm um grupo cada.
O psicólogo avalia que o instrumento que está elaborando no doutorado pode contribuir na resolução dos processos de violência doméstica à medida que facilita e sistematiza a avaliação da parte acusada.
"O homem responde a uma ficha de teste psicológico, baseada em perfis já desenvolvidos em outros países. Nela, são abordados níveis de ciúmes, hostilidade-agressividade, empatia, frustração, expressão emocional, entre outros."
O estudo se utiliza das propriedades da psicometria, área da psicologia voltada para a elaboração de métodos de mensuração e avaliação de fenômenos e características psicológicas. Para se preparar para a aplicação do projeto, Antônio recebeu um apoio da Fundação Tide Setúbal e está fazendo uma especialização avançada em Violência Doméstica, Maus Tratos e Abuso Sexual, no Instituto Criap.
"Há homens que não reconhecem a violência"
Há estudos que mostram que os grupos de reflexão fazem com que a reincidência da violência doméstica diminua. Escutar o agressor, o que faz parte da rotina profissional de Antônio, e criar ferramentas para entender o perfil comportamental desses homens podem ajudar nesse cenário.
"Existe o homem que não reconhece que cometeu violência e aquele que diz que foi justificado, que está corrigindo a companheira. Isso vem de uma cultura machista e patriarcal da sociedade em que vivemos", analisa.
"Já atendemos mulheres que o parceiro estava esperando do lado de fora do Tribunal ou que estava andando de mão dada com ela, mas na verdade a coagia para que ela retirasse a queixa. Os processos judicializados, geralmente, são de pessoas pobres, e os homens nem sempre têm acesso a atendimento psicológico antes de chegar na Justiça".
Com a escala, que terá fases de avaliação envolvendo o público geral e grupos específicos de homens acusados de violência, a expectativa é que a Justiça tenha mais informações sobre esses agressores.
Como procurar ajuda
Se você está sofrendo violência doméstica ou conhece alguém que esteja passando por isso, pode ligar para o número 180, a Central de Atendimento à Mulher. Funciona em todo o país e no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita. O serviço recebe denúncias, dá orientação de especialistas e faz encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. O contato também pode ser feito pelo WhatsApp no número (61) 99656-5008.
Para denunciar, procure a delegacia próxima de sua casa ou então faça o boletim de ocorrência eletrônico, pela internet. Outra sugestão, caso tenha receio de procurar as autoridades policiais, é ir até um CRAS (Centro de Referência de Assistência Social). Em alguns deles, há núcleos específicos para identificar que tipo de ajuda a mulher agredida pelo marido precisa — psicológica ou financeira, por exemplo — e dar o encaminhamento necessário.
Também é possível realizar denúncias de violência contra a mulher pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil e na página da Ouvidoria Nacional de Diretos Humanos, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
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