'Já morei na rua, sou ambulante e passei no curso de letras da UERJ'
"Morei na rua dos meus oito aos 21 anos. A luta foi grande, e continua sendo. Atualmente, mesmo eu não morando mais na rua, ainda dependo dela para sobreviver e me encontro em situação de vulnerabilidade. A história da minha vida pode ser sofrida, mas não me impediu de realizar meus sonhos. Consegui uma bolsa para ser treinadora de futebol e passei no curso de letras da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Ninguém escolhe ir para as ruas. Eu fui porque não tinha os meus direitos estabelecidos pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) respeitados. Nasci no Maranhão, mas me mudei para Brasília (DF) muito nova. Na minha casa, era uma violação de direito atrás da outra.
A saída das ruas? Essa foi escolha minha. Muito por causa do nascimento do meu filho. Eu não queria que ele passasse por tudo que eu vivi. Quando eu me deparei com uma vida que dependia de mim para seguir o seu fluxo, eu junto com ele comecei a respirar. E fui em busca de um lar para meu filho.
Eu sempre fui vendedora de rua, sempre fiz da rua meu ponto de existência e resistência. Atualmente, eu sou vendedora de queijo na praia de Copacabana. Saio de casa às 9h e volto às 19h, isso quando a chuva deixa ou o movimento é fraco.
Trabalho de terça a domingo e tiro as segundas para comprar material, arrumar a casa, revisar alguma matéria e tentar descansar um pouco.
Sonho de viver do futebol
Paralelamente a isso, mantenho a satisfação que o futebol me proporciona. Eu sempre sonhei ser jogadora de futebol. Com o crescimento do meu filho, hoje com 14 anos, ele também passou a alimentar esse sonho. Então, começamos a buscar por times, fazendo algumas peneiras e nada de ele ser aprovado.
Eu, com idade avançada, não poderia ser jogadora. Mas ganhei uma bolsa de um projeto chamado Gol Transformando Vidas para o curso de treinadora de futebol. Foi um alívio poder trabalhar com o que amo e ajudar meu filho em seu aprimoramento. Atualmente não estou atuando como treinadora, pois fui enganada por um time do Rio e voltei a vender alimentos na praia.
Esse sonho de viver do futebol é compartilhado com meu filho. Aliás, Arthur é minha fonte de inspiração, meu alicerce. Ele é meu exemplo e eu, o dele. Meu filho caminha lado a lado comigo. Somos muito ligados. Eu, como mãe, faço de tudo para que as dores cheguem até ele de forma mais branda. Não o blindo da realidade, apenas faço com que elas sejam mais suaves.
Sonhamos juntos. Eu bato nas portas de times em busca de uma oportunidade. Tento fazer com que ele seja visto em uma avaliação. Não quero que ele entre em um time porque estão com dó da nossa vida. Quero que entre pelo que ele é.
'Amiga pagou internet para que pudéssemos estudar'
Com o futebol no modo espera, outro grande sonho surgiu na minha frente. Foi bem naquela máxima que diz que Deus fecha uma porta, mas abre uma janela. Passar no curso de letras, em uma universidade pública, era um grande desejo meu. Para isso, precisei manter uma rotina de estudos que não era longa e que ocorria em meio à luta do meu cotidiano.
Eu estudei para o Enem como faço todo ano, no tempo e com a frequência que minha vida permite. Isso porque tem a correria para pagar meu aluguel e minha comida, entre outras coisas.
Meu tempo de estudo nunca foi fixo, mas ele precisava acontecer em alguma hora do dia. Então, eu buscava referências na internet para me basear em redação, refazia minhas provas de Enem, entrava em site que tinha aulas online.
Isso em meio a vários obstáculos, porque muitas vezes fiquei sem internet, sem computador ou sem energia em casa. Tenho uma amiga que me pagou um plano de internet só para que meu filho e eu pudéssemos estudar.
Agora, além de meu filho, meu foco será nos estudos. Quero conseguir sugar tudo que a universidade me oferecer e continuar a buscar por um time para o Arthur. Hoje eu sou 50% realizada na vida. Os outros 50% virão das conquistas dele.
Após me formar em letras, pretendo continuar na universidade. Ainda tenho dois cursos que são sonhos de criança: educação física e serviço social. Ambos são para cuidar de pessoas.
Essa é minha história. De muita luta, mas com muito amor envolvido. Porque nunca me deixei abalar pelos baques da vida. Sempre me olhei no espelho com orgulho. É meu conselho para as pessoas: que se olhem no espelho e se orgulhem. Dentro de nós, cabe tudo: medo, tristeza, insegurança... Mas não podemos deixar que esses sentimentos nos pressionem a desistir. Nossa força e determinação devem prevalecer."
Dayana dos Santos, 36 anos, ambulante e estudante de letras, do Rio de Janeiro (RJ)
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.