Racismo, assédio, transfobia: o que não queremos ver de novo no próximo BBB
Não é de hoje que o Big Brother Brasil é palco de episódios racistas, machistas e homofóbicos. Embora essas pautas avancem aqui fora e até lá dentro, práticas e discursos de preconceito continuam se repetindo dentro do reality show, ano após ano.
A nova edição do programa estreia na próxima segunda-feira (17), e amanhã, quinta-feira (13), serão revelados os participantes deste ano. Com a proximidade do início do BBB22, Universa ouviu ativistas que acompanham o programa, para relembrarem episódios negativos da última edição que não querem ver novamente neste ano.
"Reality show não é só entretenimento porque também consegue levantar debates substanciais. A TV aberta chega a lugares do Brasil que a internet não alcança e tem um papel muito importante quando se posiciona em casos de preconceito", acredita a atriz a ativista Luana Xavier, que é fã de BBB.
"O que eu espero nessa nova edição é que os participantes tenham estudado um pouquinho e se preparado para não cometer os mesmos erros de outras edições. Alguns absurdos não serão mais aceitos."
Racismo
Embora tenha apresentado pela primeira vez um elenco 50% negro, o BBB21 levantou pelo menos duas grandes discussões sobre racismo: ofensas ao cabelo crespo e cancelamento seletivo de pessoas negras.
Quando o cantor Rodolffo fez piada com uma peruca de fantasia pré-histórica dizendo que parecia o cabelo black power do professor João Luiz, a Globo se posicionou com um discurso antirracista e ressaltando a importância do cabelo crespo para a autoestima de pessoas negras.
Para a atriz Luana Xavier, que acompanhou a última edição e fez dezenas de conteúdos comentando o reality, "o episódio nos mostrou que ainda temos muito o que debater sobre branquitude e seus privilégios nesse país". Ela acha positivo que essa pauta tenha sido discutida em um programa de tanta audiência.
"Duvido que alguém que tenha assistido ao episódio sobre o cabelo do João e não tenha aprendido que colocar apelidos pejorativos falando de cabelos crespos não é nada engraçado", fala. Agora, depois do que aconteceu, o importante é que um caso assim não se repita no programa.
Mais tarde, participantes negros foram saindo e sofrendo com cancelamento e ataques violentos, caso de Karol Conká e Lumena, por exemplo. O fenômeno não atingiu da mesma forma participantes brancos que também tiveram atitudes controversas no reality, como o próprio Rodolffo, que além de ser acusado de racismo pelo episódio da peruca, também fez comentários homofóbicos contra Gil e Fiuk.
"Algumas pessoas são muito mais fáceis de cancelar, como mulheres negras, militantes que têm personalidade forte, em vez de um homem branco, que foi homofóbico e racista de forma clara. Ele é perdoado, elas, não", fala a ativista negra e body positive Juliana Santana.
"E essa diferença de tratamento que a Karol recebeu fora da casa em comparação com o que o Rodolffo recebeu é o reflexo dessa nossa sociedade tão desigual e que deseja dizimar pessoas negras", completa Luana
Assédio sexual
Difícil se lembrar de uma edição do Big Brother Brasil que tenha terminado sem uma cena de assédio sexual, abuso ou outra forma de violência contra a mulher — em casos extremos, como o do médico Marcos Harter, que agrediu a modelo Emily Araújo, em 2017, levou à expulsão do agressor.
Em 2021, a violência contra a mulher apareceu de forma mais velada em pelo menos dois episódios: quando o humorista Nego Di disse que se masturbaria ao lado das participantes Thais e Carla; e quando o educador físico Arthur pareceu ter beijado a atriz Carla Diaz à força, enquanto ela estava embriagada.
Isabela Del Monde, advogada, fundadora do #MeToo Brasil e colunista de Universa, percebe que, além de uma forte cultura machista, "que permite a exposição da mulher de maneira objetificada", existe toda uma indústria que lucra com polêmicas e também há falhas na lei brasileira que permitem que a violência contra a mulher seja transmitida na TV como entretenimento.
"Precisamos questionar quanto lucro gera praticar violências, pois polêmica gera engajamento, que gera audiência, que aumenta valor de patrocínio", fala.
"O Brasil ainda não tem uma lei que proíba práticas ou discurso de ódio públicos contra as mulheres", critica ela. "No caso da LGBTfobia ou do racismo, que são crimes, é possível intervir mesmo quando a violência aparece apenas no discurso, mas na violência de gênero, ainda não".
Transfobia
A transfobia foi uma das primeiras discussões a movimentar a edição passada, quando poucos dias após a estreia do programa alguns homens resolveram se maquiar e simular trejeitos femininos. Ao ver a cena em que Caio, Rodolffo, Fiuk e Gil riem da situação, a psicóloga Lumena criticou, dizendo que aquela brincadeira poderia ser violenta para pessoas trans.
"Pessoas se maquiam para serem reconhecidas, é algo muito sério, não é apenas uma brincadeira, é identitário", falou a participante, na ocasião.
A influenciadora e ativista Rebecca Gaia concorda com a posição de Lumena. Ela acrescenta que práticas como as de Fiuk, Caio e os outros participantes ajudam a sustentar a violência contra pessoas trans.
"É muito comum homens cisgênero e heterossexuais se fantasiarem com roupas ditas femininas, falar que são travestis e rirem disso. E evidenciar essas características estereotipadas do que é ser uma travesti é atacar de forma gratuita uma população que é já é atacada todos os dias", diz, lembrando que o Brasil é um dos países mais violentos para pessoas trans em todo o mundo.
Vale lembrar que, em 21 edições de BBB, apenas uma pessoa trans foi escalada como participante — Ariadna Arantes, em 2011 — e que ela foi eliminada na primeira semana de programa.
Ainda não sabemos se a próxima edição terá pessoas trans no elenco, mas, para Rebecca, "mesmo essas pessoas não estando lá dentro, existe espaço para debater nossos assuntos e, cada vez mais, é inevitável que o assunto seja pautado".
Homofobia
Outro preconceito que apareceu de forma mais velada, mas esteve presente na 21ª edição do Big Brother Brasil foi a homofobia, especialmente contra Gil, que é gay, e Fiuk, que se identifica como um homem heterossexual, mas que usou saia, vestido e maquiagem algumas vezes durante o programa, além de ter dado um beijo em Gil.
Dentro da casa, Fiuk sofreu com piadas sobre suas roupas, feitas por Rodolffo. Fora, recebeu muitos comentários ofensivos e até algumas ameaças — "Sabia que esse Fiuk era viadinho do caralh*" e "esse Fiuk quer entrar na porrada, mané", "cara muito viadinho" foram apenas alguns dos comentários feitos sobre o cantor nas redes sociais.
"O patriarcado afeta obviamente as mulheres mas também bate nos homens, afeta todo mundo, porque espera que o homem seja aquela figura do machão. Por isso o Fiuk, quando usa saia, causa esse alarde todo", fala Rebecca.
Em diversos momentos, Rodolffo também fez comentários homofóbicos contra Gil — todos a respeito da forma como ele se expressa.
Gil também recebeu incontáveis comentários homofóbicos nas redes sociais durante todo o programa — para a ativista, a simples presença dele, de João Luiz (que também é gay) e de Lumena (que é lésbica) no horário nobre da TV aberta, "causa um desconforto".
"Se um homem hétero de saia causa incômodo porque foge do que se espera da figura masculina, imagine o Gil, que é um homem gay afeminadíssimo e com orgulho disso". fala. "É um afronta à família tradicional brasileira".
Gordofobia
A última edição não teve uma pessoa gorda sequer entre os 20 participantes, que tinham todos corpos dentro do padrão estético magro. Nas edições anteriores do BBB, gordos foram no máximo dois ou três entre todos os escalados.
"As pessoas não estão preparadas para lidar com gente gorda na sociedade. A gente vê isso o tempo todo por aí: cadeiras frágeis em bares e restaurantes, portas de banheiro estreitas, catracas pelas quais não conseguimos passa", afirma Luana Xavier.
Além disso, para a influenciadora e ativista body positive Juliana Santana, o BBB é uma porta de entrada para personalidades na mídia, que precisa cada vez mais de pessoas com diferentes corpos: "Quem sai do BBB ganha programa de TV, vira influenciador, ultrapassa os limites do reality — e a gente precisa de cada vez mais diversidade de corpos na mídia".
Xenofobia
Por último, mas não menos importante, teve destaque na edição passada a xenofobia contra a vencedora, Juliette, que é paraibana. Comentários sobre seu jeito de se expressar e seu hábito de "falar pegando", feitos dentro da casa por Karol Conká, e sobre seu sotaque, feitos lá e aqui fora, nas redes sociais, não passaram despercebidos.
Na época, personalidades como a chef Irina Cordeiro, a atriz Lucy Alves, a humorista GKay e a ex-BBB Flayslane, que também são paraibanas, saíram em defesa de Juliette e compartilharam experiências parecidas sobre o preconceito por serem nordestinas, em entrevista a Universa.
"Como paraibana, sinto que nosso jeito carismático e muito expressivo no primeiro momento cativa. Mas não demora até você ser acusada de ser forçada. No fundo, não acham normal ser assim", disse Flay.
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