'Percebi que o trabalho não era pra mim': como decidir a hora de se demitir
No final de 2021, a product owner Carol Corrêia passou no processo seletivo de uma empresa "dos sonhos" para sua área. Aos 23 anos, com dois estágios anteriores em que desenvolveu o conhecimento em Matemática Computacional, ela estava feliz pela oportunidade. Até que percebeu que a vaga e a empresa, a Ambev Tech, não tinham dado "match" com ela.
O périplo para chegar a essa conclusão seria mais uma fase particular em sua vida profissional, se ela não tivesse publicado um texto sobre a situação no LinkedIn: "Sofri por quase dois meses, porque não me encaixei em nada. A forma de trabalhar, de se comunicar, organizar a rotina e a cultura não fizeram sentido nenhum para mim", disse a jovem, na publicação que teve mais de 20 mil curtidas na rede social e pouco mais de 1.500 comentários.
Com o desabafo de Carol, outros profissionais, sobretudo mulheres, revelaram que esbarram em seus próprios desconfortos no trabalho. Para alguns, é hora de mudar de emprego. O que levar em conta nesse momento, principalmente em um período de incertezas, como na pandemia?
Mudar de emprego porque não está gostando: como fazer?
No relato publicado no LinkedIn, Carol explica que "faltou encaixe" entre a corporação e ela, que foi contratada para ser product owner (cargo de quem é responsável pelo produto dentro de um projeto em atendimento a um cliente).
"Há umas 1.500 pessoas trabalhando felizes lá. Eu que não me encaixei. E ficou bem claro que isso não era responsabilidade ou culpa de ninguém. Era problema meu mesmo e quem teria que se adaptar e mudar era euzinha. Só que eu não via sentido, nesse caso, em mudar o que acredito e negar para mim mesma que esse negócio todo estava me fazendo muito mal", escreveu.
A Universa, ela contou que a decisão veio depois de muitas conversas com a psicóloga que a acompanha. E que, ao postar o depoimento, não esperava tanta repercussão de apoio a seu movimento de troca de emprego.
A terapia me ajudou a ter maturidade para ver que as coisas poderiam mudar. Me perguntei muito se não estava desistindo muito cedo, mas entendi quais eram meus valores e que não precisava sofrer para crescer na minha carreira.
Segundo a profissional, o estalo para repensar o trabalho veio de duas questões que a deixaram insatisfeita: a forma de comunicação usada pelas equipes na empresa e as atribuições que ela teria no cargo. Depois da decisão de sair da vaga, conta, passou a procurar uma recolocação que tivesse mais sua cara. "Já nas entrevistas quis saber mais sobre a rotina do cargo e as ferramentas de comunicação. Não queria me decepcionar de novo."
Autoestima profissional precisa estar alta, diz consultora
Para a consultora de carreira especialista em recolocação profissional Tamires Cruz, perceber que ir para o trabalho é algo desgastante ou que gera nervosismo é um dos indícios de que é hora de trocar de emprego. Quando há o sentimento de que não se está sendo mais útil ou se desenvolvendo na área, vale a pena repensar se uma mudança para outra equipe ou empresa seria benéfica.
Em todo o processo, é preciso ter autoestima profissional, diz Tamires.
"Na busca por outras vagas, a pessoa deve decidir pela razão, e não pela emoção. Se não, é capaz que, na entrevista, a empresa se venda como boa e, ao chegar, a pessoa veja que o ambiente é ruim e que trocou seis por meia dúzia."
O exercício, diz, é entender o que a empresa pode oferecer e o que você deverá cumprir dentro do expediente. "Avalie tudo, o local, os benefícios, e saiba que não adianta ficar em um lugar em que não será valorizado."
Nas entrevistas, vale destacar os pontos positivos que tem na carreira. "Se é uma pessoa mais velha, por exemplo, vale pontuar que tem maior gestão de emoções, que sabe resolver conflitos. Isso faz com que ela seja mais segura, que tenha autoestima profissional."
Mudar de emprego assim é para todo mundo?
A consultora de carreira Priscilla Couto afirma que uma mudança assim só é possível, claro, com planejamento, sobretudo das mulheres, que tiveram recuos no mercado de trabalho decorrentes da pandemia.
"Primeiro, é preciso coragem para falar 'basta' para entender esse momento", avalia a profissional, que é focada em atender pessoas que buscam transição de carreira. "Depois é importante entender se nesse trabalho você está perdendo a sanidade, a autoconfiança, ou mesmo sofrendo assédio moral."
Priscilla alerta que trocar de emprego, ainda que esteja difícil de permanecer na vaga, não é uma decisão fácil. Envolve, aliás, crenças que alimentamos socialmente, como a de que não é possível ser feliz trabalhando.
Quase sempre ficamos limitados pela questão financeira, mas há também, principalmente para mulheres, a falta de confiança nas próprias habilidades e o medo de ouvir do outro que 'precisamos aturar tudo, que todo lugar é ruim para trabalhar'. Mas é possível, sim, ser feliz no trabalho.
Feita essa autoavaliação, é hora de traçar estratégias, explica Priscilla:
- A insatisfação com o trabalho deve ser colocada na ponta do lápis. Priscilla orienta que se faça uma lista de ganhos e perdas em diferentes situações: o que pode acontecer de ruim permanecendo na ocupação? E o que pode acontecer de bom?
- Antes de sair disparando currículos para novas oportunidades, é fundamental mapear o que profissionais da mesma área fazem em outras empresas também. Ter ideia de como as outras corporações exigem dos profissionais ajuda a entender mais sobre sua própria situação
- Estar em eventos do segmento em que você atua, conversando com gestores e pares, faz parte da "desromantização" do trabalho. "Converse com alguém sobre os perrengues e o que mais gosta no dia a dia. Compartilhando, a gente vê como cada um vivencia as coisas", pondera a consultora.
- Buscar apoio de consultoras, psicólogos ou especialistas em carreira também pode ser válido. "O autoconhecimento e a clareza de si mesmo fazem diferença no mercado de trabalho", diz Priscilla.
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