Natália Lage terá amor lésbico em novela: 'Mexerá com brios conservadores'
Natália Lage passou os últimos 15 anos dedicada a atuar em séries, filmes e peças de teatro. Desde sábado (1º), voltou ao horário nobre da Globo como a obstetra Gabriela, que em breve terá uma relação homoafetiva com uma paciente, Ilana, personagem de Mariana Lima, em "Um Lugar Ao Sol". A história, que além de ter um casal de mulheres acontece em meio a um divórcio e ao nascimento de um filho, "vai mexer com os brios conservadores", diz Natália.
Em entrevista a Universa, a atriz, que estreou na TV aos oito anos de idade, defende que as novelas tenham cada vez mais personagens LGBTQIA+, mas diz que está "apreensiva" com a reação do público diante das personagens.
"Achei que a gente tinha andado com esse assunto no Brasil, que estava caminhando para frente, mas, por conta desse governo [do presidente Jair Bolsonaro (PL)], voltamos 40 anos na história. De repente, posso ser xingada na rua por esse papel, mas estamos aqui para isso: para levantar o debate".
Na conversa, feita por telefone durante o segundo dia de isolamento decorrente de um resultado positivo para covid-19, a atriz falou, também, sobre a paixão pela pintura, descoberta da pandemia. Natália analisou ainda a experiência "um pouco perturbada" de ter crescido em frente às câmeras e não se esquivou de fazer posicionamentos políticos. Leia os melhores trechos.
UNIVERSA - Você entrou na novela para formar um casal com uma mulher, tipo de relação ainda rara em novelas. Sentiu uma dose extra de responsabilidade com o papel?
Natália Lage - Sim, tem uma super-responsabilidade. A representação das minorias acaba caindo na caricatura, e a gente teve o cuidado de não deixar isso acontecer. As personagens vão viver uma história de amor muito bonita, que merece ser contada. Para isso, eu, a Mariana Lima, a Lícia [Manzo, autora da novela] trabalhamos para trazer essa história da maneira mais humana possível, tentando naturalizar o discurso.
A minha preocupação como atriz, ao me aproximar da Gabriela, foi entender quem é essa pessoa, como é ser uma médica, como elas se comportam — o que para mim foi mais importante do que representar uma mulher gay, com trejeitos mais masculinos, que caiam no estereótipo. Os estereótipos existem, claro, mas quando a gente só representa o estereótipo, apaga todos os outros que são de outra forma.
Casais de mulheres têm o histórico de sofrerem rejeição do público nas novelas -- aconteceu em Torre de Babel (1998), Babilônia (2015) e Segundo Sol (2018). Acha que há risco de Gabriela e Ilana serem rejeitadas?
Estou muito curiosa. Achei que a gente tinha andado com esse assunto no Brasil, que a gente estava caminhando para frente, mas, por conta desse governo, a gente voltou uns 40 anos na história. Parece que não passamos por uma ditadura, que não temos números absurdos de feminicídio e de agressões contra pessoas LGBTQIA+.
Vivemos um retorno brutal e violento. De repente a gente está num momento em que eu posso ser xingada na rua [por representar uma mulher lésbica], ainda mais se eu estiver de camiseta vermelha. Então, neste sentido, fico apreensiva, curiosa para saber como as pessoas vão se manifestar, porque além da relação entre as duas mulheres, a personagem da Mariana Lima acabou de ter um filho. Vai mexer com os brios conservadores, mas estamos aqui para levantar essas questões, abrir o debate.
As mulheres são maioria entre os roteiristas de "Um Lugar Ao Sol", que tem sido elogiada por tratar de forma sensível temas como a violência obstétrica e a sexualidade feminina. Como esse olhar feminino impacta seu trabalho como atriz?
Não desmerecendo os homens, não sou uma feminista que briga com os caras, acho que eles têm muito valor também, mas em algumas circunstâncias as mulheres têm um olhar que faz a gente se sentir representada. É maravilhoso ter esse time de roteiristas mulheres construindo essas histórias tão delicadas, como a relação de duas mulheres que começa depois de uma separação, com filhos. Não são duas jovens que estão ali para dar uns beijinhos, é uma trama mais delicada. É muito legal ver cada vez mais mulheres como cabeças de equipe -- além das roteiristas, temos diretoras mulheres, câmeras mulheres, cenógrafas, fotógrafas.
Assim como "Um Lugar Ao Sol", a novela anterior, "Amor de Mãe", também foi escrita por uma mulher. Vem aí uma nova safra de histórias contadas por mulheres? E de que formas isso pode mudar a tradição das novelas?
Se essa não é uma tendência, eu espero que seja, que a gente tenha cada vez mais mulheres que destaque no audiovisual. A gente teve Janete Clair em algum momento, depois a Glória Perez, mas até então não eram muitas as autoras. Tem que ter mais mulher, mais preto, mais LGBTQIA+, abrir espaço para todo mundo, para que a gente tenha uma sociedade com menos preconceito. Quando as coisas se naturalizam, a gente vai aprendendo a lidar melhor com as diferenças.
Você está na TV desde os oitos anos e, mesmo antes disso, já gravava comerciais. Como foi a sua experiência crescendo em frente às câmeras?
Enquanto criança, foi tudo muito natural. Gravar era uma extensão das minhas brincadeiras em casa, com as bonecas, só que com atores de verdade. Mas nunca é fácil crescer exposta. Na adolescência, eu passei a questionar se era isso mesmo que eu queria e foi um pouco perturbado mesmo. Comecei a negar um pouco [a televisão] e correr atrás de outro caminho, então fui fazer teatro e me apaixonei.
Foi bom porque fugi um pouco desse universo das celebridades. O teatro e o cinema, para mim, foram um refúgio, que me fortaleceram e não me deixaram virar refém da televisão. Então, em algum momento essa exposição me perturbou, sim, mas hoje eu lido bem. É o que eu amo fazer e tive sorte de encontrar bons trabalhos, bons personagens.
Você disse que não é fácil crescer exposta ao público. Sofreu pressão estética na adolescência?
Acho que senti sim essa pressão, mas talvez parte dela viesse de mim mesma. Dei uma engordada na adolescência, que me tirou de um caminho padrão para virar a garotinha 'sex symbol' da novela. E acho que foi um processo que me levou, graças a Deus, para o lugar onde eu queria estar.
No ano passado estreou a série "Hard" (HBO), em que interpreta uma produtora de filmes pornô. Como você enxerga a pornografia? E acredita que é possível produzir pornô de uma perspectiva feminista?
A gente é criado com a cultura deste pornô masculino, feito por homens e para homens, e isso está no nosso inconsciente, na forma como a gente transa, como se a gente tivesse que dar prazer para os caras e não pensar no nosso próprio prazer.
Mas acho muito fácil simplesmente detonar o pornô. É uma indústria gigante, as pessoas estão lá trabalhando, e não tem como colocar barreiras na sexualidade humana, dizer "isso está certo" ou "isso está errado". Cada um tem que viver a sexualidade da maneira que acredita, mas é importante que existam alternativas para isso. Nós merecemos outro tipo de conteúdo e tem muitas mulheres fazendo isso — um desses expoentes é a Erika Lust, e a minha personagem na série tem pinceladas dela. Se o pornô existe, mas está educando as pessoas de determinada forma, vamos fazer diferente. Acho que todo mundo sai ganhando com isso.
Nas redes sociais, você já declarou seu voto em Lula (PT) para presidente nas próximas eleições. Acredita que artistas devem se posicionar politicamente? E como vê a cobrança do público para que se posicionem?
Escolho falar porque é minha natureza, mas acho que os atores não são obrigados a se posicionar. Não é porque são pessoas públicas que têm que ter opinião sobre tudo e fazer campanha política. Porém, a gente vive um momento de exceção. Não é uma briga de esquerda e direita, é uma briga entre democracia e ditadura, fascismo. É um momento muito delicado. Quem não quiser dizer "sou a favor do Lula", tudo bem, mas não vem dizer que é a favor do Bolsonaro a essa altura do campeonato.
Ouviu em algum momento que falar de política poderia te prejudicar profissionalmente?
Sim, várias vezes. Mas eu não consigo, porque uma das coisas boas de crescer sendo atriz é que o lugar da dissimulação fica no set. Eu sou muito verdadeira, até demais. Não tenho como ter uma convicção tão forte e não me colocar.
Você tem se dedicado à pintura e, até semana passada, estava expondo suas obras no Rio. Como e quando descobriu essa outra faceta artística?
Eu já fazia colagens desde 2014. Fiz outros cursos, tentei aquarela, mas achei difícil. Até que, com a pandemia, comecei a pintar com tinta acrílica. É algo que me dá muito prazer e que me resgatou. Eu tinha muitos trabalhos engatilhados e tudo foi suspenso. Fiquei enlouquecida. Sempre gostei do abstrato, desse traço livre, errôneo, que é quase uma performance. Comecei a produzir muito, passar horas pintando. Até que recebi o convite para expor. Foi uma surpresa.
"Corda Bamba", como eu chamei minha exposição, tem mais de 20 obras de médio a grande formato. Tenho quadro de 1,70 m por 2 m. Só não faço maior porque não tenho pé direito mais alto em casa. Quando tiver meu galpão, vou pintar tela de 8 m. Meu sonho é fazer essas obras gigantes.
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