Ana Baird, a Nicole de 'Um Lugar ao Sol': 'Gordo na TV incomoda'
Nascida em uma família em que as coxias e os bastidores eram lugar de criança, a atriz e cantora Ana Baird, que interpreta Nicole em "Um Lugar ao Sol", da TV Globo, está na televisão, nas redes sociais e na vida defendendo a liberdade de ser quem é: uma mulher gorda, que faz dança burlesca, gosta do próprio corpo e usa o destaque que tem ganhado na novela com a personagem, que é irmã de Bárbara (Alinne Moraes) e Rebeca (Andrea Beltrão), para falar de autoaceitação.
Ana Baird é filha dos atores Antônio Pedro e Margot Baird. Na infância, viu o teatro como mundo de possibilidades e entrou na arte de cabeça, ao lado da irmã Alice Borges. A liberdade que a atuação proporcionou, no entanto, não a eximiu de viver a pressão estética por ser mulher, na adolescência. "Minha família dizia que atriz não poderia ser gorda", contou a Universa.
Fez dietas, tomou remédios para emagrecer, passou por lipoaspiração no bumbum. Até que, há três anos, começou a consumir conteúdos na internet sobre corpo livre e autoestima feminina.
Com Nicole, personagem que aborda temas como gordofobia e autoestima no horário nobre global, Ana, que tem 51 anos, revê a trajetória que construiu para respeitar o próprio corpo. "A Nicole tem trinta e poucos anos e me lembro muito bem de mim na idade dela, principalmente sobre o auto ódio", conta.
Ana atuou nas novelas "Final Feliz" (1982) e em "O Sexo dos Anjos" (1989). Agora, 30 anos depois, volta às telinhas.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
UNIVERSA - Como foi crescer em uma família artística?
ANA BAIRD - Desde criança, vivo a arte de perto. Isso foi maravilhoso. Morava com meu pai, quando ele e minha mãe [o ator Antônio Pedro e a atriz Margot Baird] se separaram. Acompanhava as leituras em casa, porque ele era diretor, produtor, ator. Depois, ainda se casou com uma outra atriz e com figurinista. Minha mãe também trabalhava em casa. E quando não tinha onde deixar as crianças, íamos para o teatro.
Por isso, o teatro é minha casa. Além das informações que recebi, em livros, discos.
Ao mesmo tempo, conhecia o lado de não ter dinheiro para nada, de ler uma crítica ruim, de ter brigas nas peças, de ter o papel trocado para outro ator. Mesmo tendo tudo isso, acho que havia um destino, porque eu e minha irmã seguimos na profissão.
A música e a atuação vieram meio emboladas, trabalho desde os 7 anos. Fazia teatro infantil, que é bem musical. E com 18 anos fui estudar canto lírico, há uma Ana Baird cantora lírica em um universo paralelo [risos].
Por que ficou 30 anos fora das novelas?
Enquanto estava fora das novelas, fiz muito teatro, programas de humor. Bateu um: "De repente, não é isso, cansei de ser atriz". Aí me afastei, fui morar em São Pedro da Serra, em Nova Friburgo, para ter um respiro, sabe? Entendi que não precisava dar meu fígado para pagar as contas, revisei tudo para ter uma vida mais tranquila. E foi bom, porque a vida me fez retomar a noção de que sou artista, não só atriz, nem só cantora. Para isso, foi muita terapia também.
Ter a possibilidade de parar e reavaliar a rota é um lugar de privilégio que você conquistou?
Sim, não tiro o privilégio que tenho. Tive algumas facilidades na vida, não pagava aluguel porque o apartamento em que morava era da minha tia-avó, por exemplo. Escolhi não ter filhos. Isso simplificou a ideia de que "minhas contas são minhas". Então, construí esse privilégio, com algumas facilidades.
Como tem sido viver a pandemia nesta situação?
Já estava na novela, recebia meu dinheiro todo mês, moro nesse lugar com gatos, plantas, uma área verde. Fiz muita terapia, aula de dança. Pude fazer coisas como trazer amigos para morar comigo, cozinharmos juntos e brigarmos também [risos]. Minha sogra alugou a casa do lado. Criamos uma minicomunidade, onde podia fazer fogueira no quintal, jardim. A pandemia me mostrou que preciso viver em comunidade.
Ao mesmo tempo, trouxe questões emocionais profundas, passei a ver coisas que estavam escondidas no fundo de um baú. Veio até o questionamento de que eu estava muito gorda. Fiz muito thetahealing [tipo de terapia alternativa] e terapia porque, se não olhasse para isso, seria como um ogro morando em um sótão.
Pude fazer tudo isso, saí melhor da pandemia do que entrei. Sou grata e sei que sou privilegiada por isso.
Quando a gordofobia virou uma pauta na sua vida?
Faz uns três anos. Quando parei de me culpar pela minha gordura e passei a entender que há uma construção social e cultural que me faz ter auto ódio. Saquei: "Então, não sou eu o problema? Não sou eu que estou errada?".
Entendi com vídeos no YouTube de "Tour pelo corpo", com a atriz Mariana Xavier e com a criadora de conteúdo Alexandra Gurgel por que achava o corpo delas bonito e o meu, feio.
A ideia de que se emagrecemos os problemas serão resolvidos foi incutida em nós. Mas eu já estive muito mais magra e me olhava do mesmo jeito, violentava meu corpo, tomava remédio para perder peso. E continuava não me sentindo bem.
A pressão estética é maior para mulheres do que para homens?
Com certeza, porque o homem não é visto como um objeto para agradar outras pessoas, como pensam que somos neste maldito patriarcado. A gente não pode envelhecer, homem é charmoso se tem cabelo grisalho, se tem uma barriguinha.
É mais forte em mim o costume de reparar que minha bochecha está caindo, que é uma besteira, do que de aceitar envelhecer. Disseram para nós que a beleza é jovem e magra. Mas uma mulher que tem flacidez no rosto, pescoço marcado, traz sua história na pele. E a gente precisa honrá-la. Achar beleza em tudo.
Um corpo gordo na TV incomoda?
Incomoda, sim, porque a gente é educado para achar que ser gordo é errado, perigoso. Eu ouvia, na minha família, que atriz não podia ser gorda.
Sempre fui uma garota fora do padrão, com uma barriguinha ridícula de pequena, mas com bunda, culote e quadril gigantes. E aí, diziam que tinha que emagrecer. Então, tomei muito remédio, fiz várias dietas. Em 2005, fiz lipoaspiração e meu corpo ficou 'harmônico'. Só que passei seis meses fora do Brasil, engordei 20 kg. Meu corpo estava exausto de tanto sofrimento que passava.
Foi quando entendi que tinha alguma coisa errada com esse olhar de ódio por mim mesma. A partir daí, digo para as mulheres sobre pararem de sofrer, porque morei nesse lugar por muito tempo e, hoje, consigo me sentir mais à vontade no meu corpo do que quando tinha 30 kg a menos.
O audiovisual e a arte têm contribuído para falar da pauta da gordofobia, da pressão estética e de outras questões sociais?
Muito. Amém, Lícia Manso [autora da novela "Um Lugar ao Sol"]. Acho que ainda estamos na fase dura de mostrar que as coisas existem: relacionamento abusivo, racismo, etarismo, gordofobia. Depois, haverá mais coisa de inspirar. De mostrar que será melhor se for mais plural, todo mundo vai ser mais feliz.
Você publicou um vídeo fazendo dança burlesca no Instagram, que inclusive foi removido pela rede social. Qual foi o impacto desse episódio?
A plataforma tirou porque entende que o corpo exposto é pornografia. Mas vamos falar de burlesco, que tem a ver com liberdade. Ele é a celebração de corpos de todos os formatos e desperta a sensualidade para si mesma. É tirar a roupa, curtir seu corpo.
Fiz cursos de burlesco, com técnicas de strip tease, leque, cadeira, salto alto. Parece que estive todo tempo andando no recreio errado e agora achei minha turma! É uma coisa de se divertir, em conjunto, mas principalmente para si.
Quem são as mulheres que a inspiram?
Além de muitas que não são conhecidas, a Mariana Xavier, a Alexandra Gurgel e a Hel Mother, que fala das mudanças do corpo, no caso dela, depois que foi mãe. A Jout Jout também me ajudou a resolver vários problemas, falando sobre celulite, por exemplo. Falar de pressão estética é sobre questionar porque o belo só pode ser ter a barriga chapada, a bunda empinada?
Qual é sua posição sobre o futuro político do Brasil? É possível que seja tranquilo?
Sou "Lula Lá" de novo, 'assumidaça'. Não tem outro jeito, quero Lula de volta. Não sou petista ferrenha, sempre fiz ressalvas. Mas, olha o que a gente está vivendo. Como deixamos esse homem, Jair Bolsonaro, entrar? Minha posição é que desde o golpe de 2016 acontece um retrocesso inaceitável.
Não sei se terá tranquilo, no meu lugar de privilégio, talvez sim, mas para muita gente neste último ano de 'desgoverno', não.
O que sei é que a gente aprendeu a dar as mãos e confiar uns nos outros. Apesar de o capitalismo não ajudar a olhar para o coleguinha do lado, acho que temos que dar as mãos. Inclusive, a pandemia se arrasta por não fazerem isso, né? Acredito que a gente é cocriador da nossa vida, tenho um monte de ferramentas para lidar com as coisas; e se eu puder usá-las para tranquilizar as pessoas, vou fazer.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.