Gordas também têm anorexia: modelo plus size faz desabafo na internet
A modelo americana Tess Holliday veio a público recentemente rebater os questionamentos que recebeu depois de anunciar sofrer de anorexia. "As pessoas falaram que eu estava mentindo, dizendo aquilo apenas para chamar atenção. Corpos gordos continuam sendo invisibilizados", escreveu Tess em um post do Instagram.
Ela comunicou que sofria de anorexia em maio de 2021. "Escolhi compartilhar meu diagnóstico porque não se trata apenas de uma vontade de ser magra. Eu gostaria de poder dizer que sou boa em alimentar meu corpo, mas não sou. Eu ainda luto para pensar: 'Como posso estar em um corpo gordo e estar morrendo de fome?' Então, percebi que corpos de todos os tamanhos e formas morrem de fome", desabafou.
Nesta semana, a modelo fez outro post sobre o tema, relembrando o momento em que tornou o transtorno um assunto público.
De acordo com Caroline Bartholo, nutricionista especializada em Transtornos Alimentares pelo Ambulim/IPq HCFMUSP, Tess sofre de anorexia nervosa atípica, um transtorno alimentar restritivo que ocorre em pacientes cujo peso corporal é igual ou acima do normal. Os sintomas são os mesmos da anorexia clássica — restrição do consumo alimentar, perda de peso, autoavaliação negativa e relação conturbada com o corpo —, mas atinge pessoas que não estão em baixo peso.
Ouvimos uma paciente de Caroline que, assim como Tess, também recebeu diagnóstico recente de anorexia atípica:
"Pensar em comer me deixa estranha"
A professora Talita Rodrigues, de 25 anos, faz acompanhamento com psicólogo, nutricionista e psiquiatra desde o fim de 2020 para tratar o distúrbio. "Cheguei ao meu peso mais baixo em 2015 e naquela época estava muito infeliz, psicologicamente destroçada. Então, comer não era uma prioridade", relembra. "Em 2018, passei por um trauma muito grande e descontei essa dor na comida, ganhando 40 kg".
Existe o estereótipo de que a pessoa anoréxica é esquelética, sendo que se formos olhar na origem da palavra, anorexia é a falta de apetite, e isso acomete qualquer um, independente de biotipo - Talita Rodrigues
Talita conta que tem uma relação conturbada com a comida. "Passei anos ignorando os sinais de fome e não sentia nem o estômago roncar mais. É um processo sinuoso. Nesse um ano e meio de diagnóstico, já tive diversas recaídas de não querer comer, de sentir raiva de pensar em nutrientes e afins. Mas, nos dias bons, o orgulho de ir ao mercado e comprar os ingredientes para o almoço", comenta.
A nutricionista Caroline Bartholo esclarece que qualquer pessoa pode sofrer de anorexia nervosa atípica, pois a doença está relacionada ao sofrimento - e não ao peso. Ela alerta: "O discurso do peso como parâmetro de saúde e a busca pelo saudável acaba colocando essas pessoas em uma situação de doença".
Mesmo com tratamento e diagnóstico, Talita relata ainda ter dificuldades em pensar em comer. "Isso me deixa um pouco estranha, que bom que a sensação de obrigação bate forte."
Qual o tratamento para a anorexia nervosa atípica?
Em seu desabafo no Instagram, a modelo Tess Holliday levantou um debate sobre como a doença pode afetar a qualidade de vida de suas vítimas. "Para as pessoas que [comentam o meu peso] dizem: 'Eu só quero que você seja saudável'. Saúde mental é saúde. Se você realmente se importa com as pessoas ao seu redor, não pode ignorar a saúde mental."
Talita ressalta que muito se associa o corpo gordo às doenças físicas, "tipo pressão alta, artrite, colesterol... Acham que a pessoa só é gorda porque come muito. Como comer poderia ser um sofrimento para alguém? Mas pode ser, sim. Sofro isso diariamente".
Com base nos desabafos de Tess e Talita, é possível notar que acompanhamento com psicólogo e outro profissional da saúde mental é tão importante quanto consultas com nutricionista em casos de anorexia atípica.
A especialista Caroline Bartholo reforça que transtornos alimentares são doenças psíquicas, antes de tudo e que, muitas vezes, o estigma do peso distancia os pacientes de um tratamento adequado. "Comportamentos considerados não saudáveis em pessoas magras são normalizados em pessoas com sobrepeso/obesidade. No fundo, a verdade é que a gordofobia adoece as pessoas", pontua.
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