Vítima de violência doméstica, ela fez 11 BOs contra ex, que segue foragido
A técnica em enfermagem Martha Oliveira, 40, moradora de Tamoios, em Cabo Frio, região dos lagos do Rio de Janeiro, já fez mais de 11 boletins de ocorrência nos últimos sete anos contra uma mesma pessoa. Ela acusa o ex- namorado, Tiago Martins Rangel, 29, de agressão, estupro e ameaça. São seis denúncias na Delegacia de Rio das Ostras e outras cinco na Deam (Delegacia de Atendimento a Mulher) de Cabo Frio.
A Universa, Martha conta que é vítima do ex mesmo depois do fim do relacionamento. O último episódio foi no dia 30 de dezembro de 2021, quando ele a ameaçou pessoalmente porque ela não quis passar o Ano-Novo com o agressor, segundo seu relato. Antes disso, em outubro, foi agredida fisicamente na rua da casa onde vive. Ele a chamou para fora de casa dizendo que queria conversar, mas desferiu socos e tentou enforcá-la assim que soube que ela estava conhecendo uma pessoa.
"Apanhava todos os dias. Ele quebrou minhas coisas, me bateu, ameaçou a mim e ao meu filho e me manteve em cárcere privado", diz ela. Diariamente, a técnica de enfermagem conta que recebe ameaças dele por ligações, mensagens e áudios.
Rangel, que teve prisão preventiva expedida na terça-feira (11) em um inquérito de estupro cometido contra Martha em 2021, está foragido. Ele foi procurado pela reportagem e afirmou, por mensagem de Whatsapp, que quer se apresentar à polícia e "provar que não agredi ela nem os seus familiares". Afirma, ainda, que irá "provar tudo na Justiça" e que quer "ser julgado por um delegado ou um juiz e não por um tribunal que não seja a Justiça brasileira", diz, referindo-se a supostos julgamentos que viria recebendo nas redes sociais.
Agressões começaram no segundo mês de namoro
Desde o segundo mês de namoro, em 2015, Martha conta que é agredida, ameaçada e violentada. Não só ela como também sua mãe de 64 anos, que sofreu agressões ao tentar defender a filha.
"Nesse primeiro episódio, ouvi uma conversa dele no telefone com o pai. Ele falava de uma forma muito grosseira, usando xingamentos. Saí de casa e fui à praia que fica bem próxima de onde moro. Quando voltei, ele perguntou se eu tinha saído por causa de homem. Expliquei que fiquei nervosa porque não achei certa a forma que ele falou com o pai", relembra Martha.
"Ele começou a me xingar, me ofender, mandei ele sair de casa. Nesse momento, ele começou a me sufocar, pressionando as mãos no meu nariz e na minha boca, socando minha cabeça no chão enquanto eu perdia a força e o ar", diz ela, que registrou a queixa na sequência.
"O que impede a prisão dele é o fato de estar escondido", diz delegada
Os 11 registros de ocorrência foram feitos desde 2015. Rangel nunca foi preso por violência doméstica. Hoje, é considerado foragido e responde por crimes de lesão corporal, ameaça, injúria, estupro e descumprimento de medidas protetivas, tudo isso no contexto de violência doméstica tratada na Lei Maria da Penha.
O caso está sendo investigado pela Delegacia da Mulher de Cabo Frio e, segundo a delegada Waleska Garcez, a maior dificuldade da polícia é encontrar o acusado.
"A vítima já fez cinco registros de ocorrência aqui. O inquérito de 2021, que investiga o estupro, já está com mandado de prisão expedido, e a delegacia já foi aos endereços conhecidos do homem, mas não obtivemos êxito na prisão. Surgiram informações de que ele está escondido na casa de algum familiar. O que impede a prisão dele é o fato de estar escondido. A outra representação de prisão contra ele já foi enviada à Vara da Violência Doméstica de Cabo Frio desde 11 de janeiro e estamos aguardando resposta", disse a delegada.
"Vivi sete anos pedindo socorro e ninguém me ouviu"
O caso está sendo investigado sob sigilo, o que impede a consulta processual. Nas redes sociais, o suspeito, que não é encontrado pela polícia, faz publicações no Facebook com fotos íntimas da ex-namorada. "Quem não conhece me julga, mas olha a vítima aí", diz a legenda de uma das imagens postadas.
Em outra publicação, ele coloca uma foto de Martha usando lingerie. Na tarde desta quarta-feira (19), ele postou um vídeo dizendo: "Eu repudio qualquer violência contra mulher, apesar [sic] de ser pai de duas meninas e ter uma mãe. Estou pronto para esclarecer tudo na delegacia. Estou sofrendo ameaças e represálias, por isso não me apresentei ainda".
Sobre as fotos e as publicações, a técnica de enfermagem diz registrar tudo para guardar como prova. "Vivi sete anos pedindo socorro e ninguém me ouviu. Tudo que falo, tenho provas, e ele só tem a palavra dele. Essas fotos são antigas, desconexas, de momentos que eu vivia uma mentira para sobreviver".
Martha conta que conseguiu dar um fim definitivo na relação em novembro de 2021, mas que por muito tempo antes disso viveu ao lado do agressor em um estado de submissão e com medo de se separar, já que vivia sob ameaças constantes. "Não tinha outra opção, eu fazia o boletim de ocorrência e ele continuava solto, vinha na minha casa, me ameaçava. Esse medo me fazia voltar para ganhar um tempo até vê-lo preso. Pensava que não tinha saída."
Ela ressalta que é ameaçada até hoje. Em um áudio enviado recentemente a Martha, o ex-namorado lhe diz: "Você não perde por esperar, Martha. Fica tranquila que a partir de hoje eu não vou te ligar mais não. A hora que você tiver um encontro comigo será o último".
Apesar de falhas das autoridades, denunciar ainda é importante, diz advogada
Especialista em casos de violência contra a mulher, a advogada Maira Fernandes reforça a importância de denunciar para a proteção da vítima. Reforça, ainda, a necessidade de se melhorar o atendimento.
"A Lei Maria da Penha é um marco no combate à violência contra a mulher. Mas é fundamental que haja delegacias acolhedoras e estruturadas e um Poder Judiciário preparado para atender essas demandas, sob uma perspectiva de gênero", diz. Especialistas na área também reforçam a necessidade de se pedir medida protetiva para, com isso, ter mais provas contra o agressor para condená-lo, além de diminuir o risco de uma nova agressão.
Como denunciar violência doméstica
Se você está sofrendo violência doméstica ou conhece alguém que esteja passando por isso, pode ligar para o número 180, a Central de Atendimento à Mulher. Funciona em todo o país e no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita. O serviço recebe denúncias, dá orientação de especialistas e faz encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. O contato também pode ser feito pelo Whatsapp no número (61) 99656-5008.
Para denunciar, procure a delegacia próxima de sua casa ou então faça o boletim de ocorrência eletrônico, pela internet.
Outra sugestão, caso tenha receio em procurar as autoridades policiais, é ir até um Cras (Centro de Referência de Assistência Social) ou Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) da sua cidade. Em alguns deles, há núcleos específicos para identificar que tipo de ajuda a mulher agredida pelo marido precisa, se é psicológica ou financeira, por exemplo, e dar o encaminhamento necessário.
Também é possível realizar denúncias de violência contra a mulher pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil e na página da Ouvidoria Nacional de Diretos Humanos, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos.
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