Shantal criará projeto de lei contra violência obstétrica: 'Vou até o fim'
Em entrevista exclusiva a Universa no sábado (22), a influenciadora e empresária Shantal Verdelho, que foi vítima de violência obstétrica no parto de sua segunda filha, em setembro, e denunciou o médico Renato Kalil pela prática, disse que vai "lutar com todas as armas" para evitar que sua experiência continue se repetindo. Segundo pesquisa da Fiocruz divulgada em 2021, essa é uma violência que atinge 36% das gestantes, tanto na rede pública quanto na privada.
Shantal e seu advogado, Sergei Cobra Arbex, estudam agora a possibilidade de protocolar um projeto de lei que criminaliza a violência obstétrica — o termo, que se refere a maus tratos antes, durante e depois do parto, não consta no Código Penal e não é reconhecido pelo Ministério da Saúde, o que dá margem para que médicos sigam cometendo-a.
"Não quero que outras mulheres passem pelo que eu passei. Por isso, agora, vou até o fim dessa história". Eles aguardam a conclusão do inquérito que investiga o caso para formalizar a proposta e apresentá-la a parlamentares.
Em um primeiro momento, quando o relato de Shantal veio à tona, em dezembro passado, depois do vazamento de um áudio que enviou a um grupo de mães no WhatsApp, ela teve medo de denunciar o médico formalmente.
Mesmo com o vídeo do nascimento da filha mostrar ela sendo chamada de "viadinha" pelo médico e, segundo Shantal, exibir imagens de Kalil "rasgando" sua vagina com a própria mão, manter o trauma em sigilo era o mais plausível.
Primeiro porque seria sua palavra contra a de um médico renomado; e, segundo, para não expor a filha recém-nascida. Mas, depois de receber dezenas de histórias "desumanas" de mulheres que também foram vítimas de violência obstétrica, mudou de ideia. E a luta pelo combate ao que ela mesma viveu virou sua bandeira.
Desde que decidiu se pronunciar sobre o caso, a história tomou proporções ainda maiores: as buscas por "violência obstétrica" cresceram cinco vezes no Google, e muitas mulheres passaram a compartilhar seus próprios relatos de violência obstétrica — alguns reproduzidos aqui, em Universa.
Além disso, outras mulheres denunciaram Kalil por violência obstétrica, assédio moral e abuso sexual. Em relação ao caso de Shantal, 15 testemunhas já foram à delegacia prestar depoimentos, revelaram à reportagem a influenciadora e seu advogado.
"Quanto mais denúncias forem feitas por violência obstétrica, principalmente neste momento, antes faremos com que seja criminalizada. O Estado precisa ver que é muito sofrido para a mulher passar por isso, e ninguém vai ver se a gente não falar", acrescenta a influenciadora.
Renato Kalil nega que tenha acontecido qualquer intercorrência durante o parto de Shantal e afirma que o vídeo em questão foi editado e está fora de contexto: "A íntegra do vídeo mostra que não há irregularidade ou postura inapropriada durante o procedimento", diz nota enviada anteriormente à reportagem por sua equipe.
Leia trechos da conversa com Shantal e, no vídeo acima, assista a entrevista na íntegra.
Violência começou antes do parto
"No nascimento do meu primeiro filho, fiz um plano de parto porque tive essa abertura com meu médico. Com o Renato Kalil, sentia muita resistência em relação ao que eu queria que acontecesse.
A única coisa que eu questionei e que realmente exigi era que não fosse feita a episiotomia [corte entre a vagina e o ânus que facilitaria a passagem do bebê, hoje contestado por especialistas]. Todas as vezes que eu falava sobre isso, ele respondia: 'Vou pensar no seu caso', tirando meu poder de decidir. Eu ficava muito à mercê.
Quando eu expressava um desejo meu, sentia uma represália como se ele dissesse: 'Pô, que folgada. O parto é meu, eu sou o médico, eu que decido as coisas'. Ele nunca falou isso, mas é o que eu sentia que falaria caso eu apresentasse um plano de parto.
Você pode me perguntar porque não mudei de médico se não estava à vontade com o Kalil, mas entrei em trabalho de parto prematuro, e ele segurou minha filha na barriga até o momento certo de ela nascer. Tinha medo de fazer essa mudança e um próximo médico não saber lidar com a situação ou conduzir um tratamento que já estava em andamento.
Então, contei com a sorte de chegar no parto e ter um pouco de autonomia sobre o meu corpo, mas não foi possível."
"Revi vídeo do nascimento da minha filha para acreditar que aquilo realmente aconteceu comigo"
Saí do parto grata de estar com saúde e de ver a criança bem. Eu mesma saí muito feliz, contando nas redes sociais que tinha sido perfeito, até porque, no meu caso, a minha filha entrou em trabalho de parto prematuro, com 25 semanas. Se ela nascesse àquela altura, provavelmente não teria sobrevivido ou teria graves sequelas. Como ela nasceu a termo [após a 37ª semana de gestação], eu estava muito feliz.
Mas o fato de ela ter vindo bem e saudável não dá o direito de que o parto tenha sido ruim, agressivo e sem respeitar o que eu gostaria que fosse feito com o meu corpo naquele momento tão especial.
Quando meu áudio vazou, eu ainda estava processando o que tinha acontecido.
Precisei de um tempo de reclusão com a minha família para pensar, ver e rever os vídeos do parto, acreditar que aquilo realmente aconteceu comigo. Nunca fiquei tão mal emocionalmente quanto com essa história.
"Se áudio não vazasse, talvez não tivesse denunciado"
"Logo de cara, como a maioria das mulheres, tive medo de denunciar. Honestamente, talvez nem tivesse denunciado se o áudio não vazasse.
Mas, quando vi que tudo vazou, precisava me defender porque ouvi dizer que ele [Renato Kalil] ia entrar com processo de calúnia contra mim, como se eu estivesse mentindo sobre o que aconteceu no meu parto.
No começo, não queria aparecer nem falar com ninguém da imprensa, porque aquilo me machucava muito e porque minha filha seria exposta de um jeito que eu não gostaria.
Fui vendo o médico indo viajar, impune, enquanto eu e minha família estávamos vivendo um luto por tudo que aconteceu. Então pensei: 'É isso que Deus quer de mim? Ficar protegendo alguém que fez e ainda faz tanto mal para as pessoas?'.
"Volto forte porque vi quantas mulheres passaram pelo mesmo que eu"
"Agora volto forte, porque vi o tanto de mulher que passou pela mesma violência — e sinto muito que isso precise acontecer com uma pessoa pública para, então, todas essas mulheres serem ouvidas.
Recebi muitos relatos, alguns muito graves, de mulheres que perderam seus filhos no parto por conta da violência obstétrica. Histórias desumanas, grotescas, que me fizeram entender meu papel e a minha responsabilidade.
É um assunto muito sério. A gente tem que unir forças e dar um jeito de resolver."
Projeto vai propor 'reciclagem' de médicos
"O médico é um ser imaculado no Brasil. A gente coloca eles num patamar acima dos seres humanos, então a palavra dele geralmente tem mais peso, é tomada como verdade. A gente já tem um lugar abaixo do homem, quem dirá de um médico.
Depois de tudo que aconteceu, existem duas coisas pelas quais eu vou lutar com as armas que tiver. Primeiro, criminalizar a violência obstétrica, ou seja, virar uma lei que proíba e que puna. Se não existir punição, as pessoas vão continuar fazendo.
Depois, queria que existisse um curso obrigatório de reciclagem, que o Cremesp [Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo] ou o CFM [Conselho Federal de Medicina] obrigue os obstetras a passarem por isso, porque várias coisas que, hoje em dia, são violentas, antigamente eram processos padrões ensinados na faculdade.
Quanto mais denúncias sobre violência obstétrica forem feitas, principalmente neste momento, antes a gente vai conseguir que isso seja criminalizado. O Estado precisa ver que é muito sofrido para a mulher passar por isso, e ninguém vai ver se a gente não falar.
A partir do momento que for criminalizado, não vamos mais precisar suplicar para que o parto seja feito da forma que queremos."
"Delegada do meu caso já ouviu 15 pessoas"
"Não quero que outras mulheres passem pelo que eu passei, então, agora, vou até o fim dessa história.
Recebi muitos relatos e, infelizmente, nem metade dessas mulheres teve coragem de denunciar formalmente, até por terem passado por coisas muito mais sérias do que comigo — e aqui estamos falando de violência obstétrica, assédio sexual, estupro, quebra de sigilo médico.
Até agora, 15 pessoas foram ouvidas pela delegada que está investigando o meu caso. A história está ganhando um peso muito importante para caminhar adiante nesse processo de criminalização da violência obstétrica."
"Não tenho raiva do Kalil. Rezo por ele todos os dias"
"Do Renato Kalil eu não espero nada, nem um pedido de desculpas.
Outro dia me perguntaram se eu perdoaria o Kalil. Honestamente, perdoaria. Rezo por ele todas as noites, para que ele consiga seguir um caminho de luz e que tenha tempo de entender que aquilo é errado. Também rezo para a família dele ficar bem e protegida.
De tanto orar por ele, não tenho raiva. Não desejo nada de ruim, não quero que ele perca a carreira dele. Também não preciso que ele pague, só quero que ele não faça o que ele fez comigo com mais ninguém."
"Independentemente do que aconteceu, nada muda a bênção que é ser mãe"
"Vai demorar muito para os meus filhos entenderem o que aconteceu, e eu prefiro não me antecipar [além de Domenica, hoje com quatro meses, Shantal é mãe de Felippo, 2].
Mas, se um dia eles perguntarem, vou explicar: 'Olha, aconteceu isso, sim, foi ruim, mas depois foi bom, porque ajudou muitas mulheres e muitos bebês a nascerem de uma forma linda, que é de direito deles. Às vezes algumas pessoas precisam passar por alguma coisa ruim para ajudar muita gente a passar por coisas boas, e nós fomos essas pessoas'.
A maternidade para mim sempre foi linda. Amo ser mãe. Independentemente do que aconteceu, nada muda essa bênção divina que é ser mãe das minhas crianças e de dividir as minhas experiências com eles.
Sou muito grata, amo maternar e falar sobre o assunto. Amo, amo, amo."
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