Quem é Renato Kalil e qual a situação do processo que investiga o médico
Até dezembro de 2021, o ginecologista e obstetra Renato Kalil tinha seu nome ligado ao de mulheres famosas. Ele já atendeu a apresentadora Luciana Gimenez, a jornalista Andréa Sadi, a influenciadora Júlia Faria e a cantora Maraísa. Após o relato da influenciadora digital e empresária Shantal Verdelho, que o denunciou por violência obstétrica, Kalil agora é alvo de uma investigação policial.
Formado em medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo em 1988, Kalil tem especialização em ginecologia e obstetrícia e é membro da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo e da Sogesp (Sociedade Brasileira de Reprodução Humana).
O médico atende majoritariamente em São Paulo, onde tem uma clínica localizada no bairro Vila Nova Conceição, zona sul da capital paulistana. Segundo apurou Universa, cada consulta com ele custa R$ 2 mil, fora o valor do retorno. Kalil não aceita planos de saúde, e a maior parte dos partos realizados pelo médico — inclusive o de Shantal — acontecem no Hospital e Maternidade São Luiz, no mesmo bairro da clínica.
Quando a denúncia de Shantal viralizou na internet, a página da clínica de Kalil no Instagram tinha mais de 100 mil seguidores. Hoje, tanto o o perfil na rede social e o site da clínica estão desativados.
Irmão também é médico e já atendeu ex-presidentes
Renato Kalil se popularizou no Instagram por realizar o parto de diversas influenciadoras digitais e celebridades, mas, antes disso, o sobrenome Kalil já era reconhecido no meio médico. O irmão de Renato, o cardiologista Roberto Kalil Filho, já atendeu presidenciáveis como Michel Temer, Lula, Dilma, Collor e Sarney.
Em 2020, inclusive, Bolsonaro citou Roberto Kalil ao falar sobre médicos que defendem o uso da hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19. "Há pouco, conversei com o doutor Roberto Kalil. Cumprimentei-o pela honestidade e o compromisso com o juramento de Hipócrates ao assumir que não só usou a hidroxicloroquina, bem como como a ministrou para dezenas de pacientes", afirmou o atual presidente.
Na ocasião, Roberto tinha acabado de se recuperar da Covid e confessou, em entrevista à Rádio Jovem Pan, ter feito uso de cloroquina para tratar a doença (ele chegou a ser internado no Hospital Sírio-Libanês, onde atende). Vale reforçar que, até janeiro de 2022, não houve comprovações cientificas do benefício do uso de hidroxicloroquina no tratamento de Covid.
A denúncia de Shantal Verdelho e a investigação em caso de violência obstétrica
As denúncias envolvendo o médico Renato Kalil surgiram após o vazamento de um áudio enviado para um grupo de mães no WhatsApp, em dezembro de 2021, por Shantal Verdelho. Na gravação, ela relata ter sofrido diversas violências durante o parto de sua filha.
Em entrevista exclusiva a Universa, Shantal disse que, mesmo com o registro em vídeo do parto, ficou com medo de denunciar o médico formalmente à Justiça. Nas imagens, Kalil aparece chamando a influencer de "viadinha", forçando a vagina dela durante o procedimento, realizando a manobra de Kristeller e tentando convencê-la a tomar uma medicação que acelera o trabalho de parto, mas é contraindicado para mulheres que já realizaram cesárea anteriormente, como é o caso de Shantal.
Em dezembro, a influenciadora registrou um boletim de ocorrência no 27° Distrito Policial de São Paulo, que abriu um inquérito para investigação. Segundo Shantal, 15 testemunhas já foram à delegacia prestar depoimento sobre o caso, informação confirmada por seu advogado, Sergei Cobra Arbex. Segundo o MPSP (Ministério Público de São Paulo), que acompanha o caso, pelo menos outras duas mulheres também já relataram ter sido vítimas de violência obstétrica praticada pelo médico.
Em nota, o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) informou que o médico continua sendo investigado e possui registro desde 1989. As investigações tramitam sob sigilo determinado por lei.
A reportagem procurou Kalil por meio de seu advogado, Celso Vilardi, mas o médico informou que não se pronunciará. Ele nega que tenha acontecido qualquer intercorrência durante o parto de Shantal e afirma que o vídeo em questão foi editado e está fora de contexto: "A íntegra do vídeo mostra que não há irregularidade ou postura inapropriada durante o procedimento", diz nota enviada anteriormente à reportagem por sua equipe.
'Ele falava da minha vagina como se eu não estivesse na sala de parto'
A jornalista Samantha Pearson, correspondente do "The Wall Street Journal" no Brasil, é uma dessas mulheres que denunciou Kalil. Ela revela ter sofrido episódios de violência obstétrica nas duas gestações em que se consultou com o médico. A primeira foi em 2015.
"No parto do meu primeiro filho, ele [Kalil] falou da minha vagina como se eu não estivesse na sala de parto. Falou para meu marido: 'Olha o que eu fiz aqui'. Fiquei traumatizada, com vergonha e com medo dele ter dado 'pontos' a mais na minha vagina", relembra Samantha em conversa com Universa. "Em outro momento ele começou a me 'zoar' porque eu tinha feito um pouco de cocô por causa da força do parto. Ele virou para o meu esposo e perguntou aonde ele tinha me levado para jantar".
O segundo episódio de violência denunciado por Samantha teria acontecido em 2019, na gestação de sua segunda filha, quando ela voltou a se consultar com o médico.
Ele me disse que o número de heterossexuais tinha diminuído e por isso eu precisava emagrecer para não perder meu marido - Samantha Pearson
Ela conta que se sente culpada por ter retornado ao médico mesmo após o trauma do primeiro parto. "Às vezes me questiono por que voltei, porém, como uma estrangeira no Brasil, morria de medo de me consultar com um médico que me obrigasse a fazer cesárea, e o Kalil era o mais prestigiado da área de partos naturais. Pensava que ele poderia ser um ser humano terrível, mas um ótimo profissional".
Samantha já apresentou queixa contra o médico no Ministério Público e na delegacia. Ela não lembra o valor exato do preço pago pelo parto de sua primeira filha, que aconteceu no Hospital Albert Eisntein, em São Paulo, mas avalia ter sido cerca de R$ 10 mil.
Em nota, a defesa de Renato Kalil respondeu à reportagem dizendo que, "durante sua vida profissional, jamais teve a intenção de ofender ou magoar qualquer pessoa, em especial suas pacientes". Afirma ainda que se, por algum motivo, "alguém se sentiu ofendido, pede as mais sinceras desculpas". O médico também afirmou que está à disposição do Cremesp, a fim de comprovar sua ética e retidão profissional e que "tomará as medidas judiciais cabíveis contra qualquer um que faça acusações caluniosas".
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