'Fiz laqueadura aos 25 anos e realizei esse sonho com o apoio do meu noivo'
"Eu nunca achei que seria mãe, nunca quis também.
Aos 15 anos, no início da minha vida sexual, já tinha certeza que não gostaria de engravidar. Nesse intervalo, sempre usei camisinha, pílula anticoncepcional e, aos 18, coloquei DIU de cobre.
Para mim, a não maternidade apareceu de forma natural, por diversos motivos; nunca nem gostei de brincar de boneca. Não se encaixa nos meus planos de vida, eu gosto de viajar, aproveitar o silêncio, ficar com meu noivo, meus bichos.
Eu sou médica veterinária e trabalho sem horários fixos, o que não facilita os cuidados de uma criança. Além disso, também trabalho em centro cirúrgico em contato direto com medicações anestésicas que são contraindicadas para gestantes; portanto, para engravidar, eu teria que colocar meus planos profissionais em pausa.
Acho que a maternidade exige muito da mulher, ainda mais se for pra oferecer qualidade de vida para uma criança, e não estou disposta a isso
Acredito que, para quem sonha em ser mãe, nada disso é empecilho, mas eu simplesmente não quero. Por pensar assim, só consigo ver o lado ruim dessa 'função'. Só enxergo o quanto as mães estão sempre cansadas, preocupadas e atarefadas. Acredito que a maternidade deve acontecer quando é desejada e eu não a desejo.
"Recebo críticas por não querer ser mãe"
Nunca escondi que não gostaria de ter filhos e recebo críticas de todas as partes. Hoje, minha família e meus amigos já aceitaram, então eles me apoiam, mas sempre tem algum parente ou conhecido, que nunca vejo, que não sabe nada da minha vida e quer se intrometer.
Dizem que vou mudar de ideia. Chegam a me desejar uma gravidez indesejada. O engraçado é reparar que, quem crítica, com certeza não iria me ajudar se eu tivesse que criar um filho sozinha.
Como sempre fui segura em relação a minha escolha, decidi fazer a laqueadura (procedimento cirúrgico de esterilização feminina) para me sentir tranquila e livre. Eu já tinha essa ideia na minha cabeça desde os 15 anos, mas como a lei só permite aos 25, resolvi esperar e optei pelo DIU de cobre. Aos 18, comecei a me planejar para fazer a laqueadura, mas a operação só aconteceu no dia 10 de janeiro de 2022.
Apesar dos meus pais serem parceiros e amigos, eles ficaram resistentes à laqueadura; deixei claro que, se dependessem de mim, eles não seriam avós. Minha mãe já aceita melhor a ideia porque sabe que sou feliz assim. Meu pai, não, mas não tem mais o que ele possa fazer.
E sempre deixei claro para o meu namorado, Thiago, que não queria ter filhos.
"Meu noivo me apoiou a realizar um sonho"
Começamos a sair no início de 2012, mas engatamos o namoro só em 2018. Em 2020, decidimos morar juntos.
Sempre fui clara com ele sobre a minha escolha de vida. Ele sabia que, ao meu lado, nunca teria um filho. No início ele achou a ideia 'diferente', só que hoje também não se imagina sendo pai. Ele é bastante independente, então sabe o quão difícil é ser responsável por outra pessoa.
Logo, ele me apoiou na decisão; chegamos, inclusive, a fazer um acordo de união estável para que eu fosse dependente e tivesse acesso ao plano de saúde dele para essa cirurgia.
Mesmo com a dificuldade para encontrar médico que tope fazer a cirurgia, das dificuldades de autorização com o plano, eu tenho certeza que foi a melhor coisa que eu fiz, assim vivo tranquila sem imaginar uma gravidez indesejada
Com 24 anos, prestes a completar 25, procurei um ginecologista que aceitasse fazer o procedimento, o que levou um certo tempo. Quando finalmente encontrei um profissional, ele me pediu um monte de documentos e exames pré-operatórios; perguntou várias vezes se eu tinha certeza da decisão, explicou novamente sobre outros métodos contraceptivos. Foi ele mesmo que me passou a solicitação pro convênio e pediu pra eu reconhecer, em cartório, um termo de próprio punho em que eu afirmasse ter conhecimento de que a cirurgia seria definitiva. Lembro de ir ao cartório feliz.
Mesmo com ele dizendo que não precisava de laudo de psicólogo, decidi fazer para evitar riscos. Em uma consulta ela já me emitiu o certificado. Ainda bem, porque o plano pediu por esse documento!
A parte mais chata foi conseguir autorização do convênio. Eles não tinham um referenciado para cirurgia e alegavam só ter cobertura para a laqueadura em caso de pós-parto, o que vai contra o meu direito segundo a ANS (Agência Nacional de Saúde).
Eu fiz uma reclamação formal para que eles me indicassem um hospital e, no fim, deu tudo certo. A médica que me operou deixou claro que não estava de acordo, mas eu já tinha toda a documentação, ela não teve como negar e fez um ótimo procedimento. Eu fui internada domingo meia-noite, e a cirurgia foi por volta das 8h da manhã. Foi anestesia geral e em 3 segundos apaguei, só acordei depois no centro cirúrgico, sem dor. Às 9h, já estava de volta no quarto.
"Agora posso viver em paz"
Não gastei nada com a cirurgia. Não tive dor, o meu pós-operatório foi tranquilo e, depois de 15 dias de repouso, voltei a trabalhar. Provavelmente daqui a uns dois meses eu não tenha nem a cicatriz do procedimento; foi feito por vídeo com três buraquinhos pequenos, sendo dois na cintura e um no umbigo.
Vale ressaltar que a laqueadura é irreversível e as taxas de falhas são baixíssimas. E, se caso eu me arrependa algum dia, eu sei que posso adotar uma criança mais velha, com uns 10 anos para eu não ter que fazer tudo por ela.
Eu acredito que tenho muitos planos para realizar, e nenhum deles envolvem crianças sob minha responsabilidade
Recentemente, fiz uma publicação em grupo só de mulheres no Facebook e a maior parte dos comentários sobre o procedimento foram muito positivos, até de quem é ou quer ser mãe. Claro que tem aqueles que falam de falha de laqueadura, como se desejassem que eu engravidasse. Para quê isso, sabe? Eu não me meto na vida — nem no corpo — de ninguém. Estou feliz por ter conseguido realizar a cirurgia e agora posso viver em paz."
Giovanna Stephanie Cardinalli Ferreira, tem 25 anos, é médica veterinária e mora em São Paulo, capital
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